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sexta-feira, 16 de junho de 2023

Depois do CE, dez estados podem proibir aplicação de agrotóxicos por aviões

Imagem: reprodução
Após STF reconhecer a lei estadual do Ceará que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos, parlamentares de outros estados tentam barrar a prática também banida na União Europeia por riscos à saúde e ao meio ambiente.

O fim da aplicação de agrotóxicos por meio de aeronaves — também conhecida como pulverização aérea — está em discussão em dez estados do país, de acordo com levantamento inédito da Repórter Brasil.

Os projetos de lei (PLs) tramitam nas assembleias legislativas de unidades da federação que respondem por grande parte da produção agropecuária e por um elevado consumo de agrotóxicos do país, como Pará, Mato Grosso e São Paulo.

Na União Europeia, a pulverização aérea de pesticidas e outras substâncias tóxicas está proibida desde 2009, por causa de potenciais danos à saúde e ao meio ambiente gerados pelas chamadas “chuvas de veneno”.

No Brasil, por enquanto, só o Ceará tem uma legislação que veda a prática — a “Lei Zé Maria do Tomé”, batizada em homenagem a um ativista ambiental assassinado em 2010, no interior do estado.


Zé Maria do Tomé (de camisa amarela, segurando um avião) durante protesto em 2008,
em Limoeiro do Norte (CE), contra pulverização aérea de agrotóxicos
 - Foto: Arquivo / Deputado Renato Roseno

Há quatro anos, a lei vinha sendo questionada por uma ação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A entidade alegava que o estado do Ceará não poderia proibir uma atividade regulamentada pela União. Também argumentava que a lei violava a livre iniciativa.

No entanto, no final de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade pela constitucionalidade da lei cearense — o que abre espaço para que a medida seja aprovada em outros estados.

Relatora da ação no STF, a ministra Cármen Lúcia destacou em seu voto “os perigos graves, específicos e cientificamente comprovados de contaminação do ecossistema e de intoxicação de pessoas pela pulverização aérea de agrotóxicos”.

Novas leis podem surgir


Imagem: Rafael Mantarro / reprodução


A recente medida do STF deu fôlego a parlamentares de todo país que tentam proibir a aplicação de agrotóxicos por aeronaves em seus estados.

“É uma decisão que vai mudar os parâmetros dessa prática que vem se tornando um dos maiores riscos ambientais ainda pouco percebidos pela sociedade”, avalia o deputado estadual Carlos Bordalo (PT-PA).

A Assembleia Legislativa do Pará conta com o projeto de lei (PL) em estágio mais avançado de tramitação no país. Apresentado em 2019, a proposta já recebeu pareceres favoráveis em três comissões. Agora, Bordalo tenta levar o texto para votação em plenário.

Outro a comemorar a decisão do STF é Lúdio Cabral (PT), deputado estadual do Mato Grosso. “A decisão do Supremo é importante porque assegura a competência que os estados têm para legislar sobre essa pauta”. Neste ano, Cabral já apresentou seis PLs que restringem o uso de agrotóxicos — um deles proíbe a pulverização aérea.

O Mato Grosso é o principal consumidor de agrotóxicos do país. Em 2021, cerca de 150 mil toneladas de pesticidas foram vendidas no estado, um aumento de 13% em relação ao ano anterior. Para ganhar mais visibilidade, Cabral planeja converter a proposta em um projeto de lei de iniciativa popular, com coleta de assinaturas da população.

Deputado estadual de São Paulo, Carlos Giannazi (PSOL) também assina um PL sobre o tema. Entidades ruralistas se manifestaram contra a proposta, sob o argumento de que o banimento da pulverização aérea reduziria a produção agrícola paulista.

O parlamentar, contudo, diz que a proteção à saúde pública e ao meio ambiente devem ser a prioridade. “Não dá para afrouxar, porque a situação é muito grave”, diz Giannazi, que está organizando uma audiência pública sobre o assunto.

Segundo reportagem publicada pela Repórter Brasil, diversos agrotóxicos cancerígenos são lançados de avião no estado.

No Ceará, apesar de a proibição da pulverização aérea ter sido confirmada pelo STF, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), autor da Lei Zé Maria do Tomé, afirma que as tentativas de esvaziar os efeitos da legislação não chegaram ao fim.

“A pulverização aérea estava proibida desde 2019, continua proibida, mas agora setores do agro estão se movimentando para tentar derrubar no legislativo a minha lei”, afirma Roseno. Além disso, dois PLs tramitam na Assembleia Legislativa do Ceará para autorizar a aplicação de agrotóxicos por drones, o que hoje é proibido no estado.

Os danos da pulverização aérea à saúde e ao meio ambiente são causados pelas chamadas “chuvas de veneno” (Foto: Pixabay)

Proibição nacional

Também há projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, em Brasília, para banir a pulverização aérea em nível federal. Até hoje, porém, nenhuma das propostas chegou a ser avaliada pelas comissões da Casa.

Uma delas é de autoria do deputado federal João Daniel (PT-SE). Segundo o parlamentar, a decisão do STF mexeu com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que apoia projetos que intensificam o uso de agrotóxicos no país.

“A preocupação da bancada ruralista é que essa lei seja aprovada em outros estados. Eles estão preparando através da FPA modos de barrar esse prosseguimento”, diz o deputado. Ele avalia que a força da bancada ruralista e a composição da Câmara impedem que projetos como esse avancem em Brasília.

Apesar disso, Daniel afirmou que irá se reunir com o presidente Lula e tem encontro marcado com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, Rui Falcão (PT-SP), para que seu PL seja encaminhado.

“Se virmos que não tem condições de a pauta passar, vamos chamar os movimentos e o Fórum que trabalha contra os agrotóxicos para acertar um acordo”, diz Daniel.

Uma das medidas em estudo é aumentar a distância entre as áreas pulverizadas e os locais frequentados por pessoas, como escolas e residências.

Atualmente, o Ministério da Agricultura proíbe a pulverização aérea a menos de 500 metros de cidades, povoados e mananciais, ou a menos de 250 metros de moradias isoladas.

Apesar de haver regras claras sobre a aplicação, a falta de fiscalização faz com que comunidades sejam atingidas por “chuvas” de veneno.

O Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), que participou da ação no STF, afirma que o setor é altamente fiscalizado e que a decisão da corte reforça um “preconceito contra a aviação agrícola”.

“Devemos ampliar ainda mais as ações de comunicação do setor e aproximação com a sociedade – aprimorando canais para desmistificar a tecnologia aeroagrícola”, afirma o sindicato. Confira a resposta na íntegra.

Procurada, a CNA não respondeu às perguntas da reportagem.

Lei Zé Maria do Tomé

Aprovada em 2019, a lei leva o nome de José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé, executado com 17 tiros em abril de 2010.

O líder comunitário e ambientalista lutava pela proibição da pulverização aérea de agrotóxicos em Limoeiro do Norte (CE), município na Chapada do Apodi — região produtora de banana e que sofre com o aparecimento de câncer, doenças neurológicas, puberdade precoce, entre outras enfermidades e distúrbios relacionadas ao uso de pesticidas.

Ainda vivo, Zé Maria chegou a ver a aprovação de uma lei municipal que proibia a aplicação de agrotóxicos por aviões. Contudo, um mês após sua morte, o texto foi derrubado. A prática só seria banida no Ceará nove anos depois, por lei estadual.

Durante a tramitação, porém, também houve pressão de entidades ligadas ao agronegócio.

“Eles perderam o debate técnico, perderam o debate político, perderam na pressão, e aí foram pro judicial”, afirma o deputado Renato Roseno, autor da lei.

Antes da conclusão do julgamento no STF, no fim de maio, outras três ações já haviam tentado derrubar a Lei Zé Maria do Tomé na Justiça. Mas nenhuma foi vitoriosa.

Por Hélen Freitas e Beatriz Vitória


Fonte: reporterbrasil


quarta-feira, 24 de maio de 2023

Conheça os hábitos alimentares que matam mais de 400 mil pessoas por ano

Imagem: reprodução

Pesquisadora de nutrição alerta para a contaminação física, química e biológica dos alimentos e dá uma série de dicas de como evitar o consumo de comida contaminada.

Alimentos inseguros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), contribuem para problemas de saúde, incluindo crescimento e desenvolvimento prejudicados, deficiências de micronutrientes, doenças não transmissíveis e infecciosas e doenças mentais. Globalmente, uma em cada dez pessoas é afetada por doenças transmitidas por alimentos a cada ano.

Antonina Mutoro, pesquisadora de nutrição do Centro de Pesquisa em Saúde e População Africana, explica o que causa a contaminação dos alimentos e como podemos reduzir o risco de doenças.

O que é contaminação alimentar?

O acesso a alimentos seguros e nutritivos é um direito humano básico do qual muitos não desfrutam, em parte devido à contaminação dos alimentos. Isso é definido como a presença de produtos químicos nocivos e microorganismos nos alimentos que podem causar doenças. Segundo a OMS, a contaminação alimentar afeta cerca de uma em cada dez pessoas no mundo e causa cerca de 420 mil mortes anualmente.

A contaminação dos alimentos pode ser:

  • Física: objetos estranhos em alimentos podem potencialmente causar ferimentos ou transportar microrganismos causadores de doenças. Pedaços de metal, vidro e pedras podem representar risco de asfixia, causar cortes ou danos aos dentes. O cabelo é outro contaminante físico.
  • Biológica: organismos vivos nos alimentos, incluindo microorganismos (bactérias, vírus e protozoários), pragas (carunchos, baratas e ratos) ou parasitas (vermes), podem causar doenças.
  • Química: substâncias como resíduos de sabão, resíduos de pesticidas e toxinas produzidas por microrganismos, como as aflatoxinas, podem levar à intoxicação.

Quais são as causas mais comuns de contaminação dos alimentos?

A causa mais comum de contaminação dos alimentos é a má manipulação dos alimentos. Isso inclui não lavar as mãos no momento apropriado – antes de comer e preparar alimentos, após usar o banheiro ou após assoar o nariz, tossir ou espirrar.

Usar utensílios sujos, não lavar frutas e verduras com água limpa e guardar alimentos crus e cozidos no mesmo local também pode ser prejudicial. Pessoas doentes não devem manipular alimentos. E você deve evitar consumir alimentos mal cozidos, principalmente carne.


Espigas de milho infectadas e não infectadas secando juntas contaminam toda a colheita
— Foto: Joseph Atehnkeng/ Instituto Internacional de Agricultura Tropical - reprodução

Práticas agrícolas inadequadas também podem contaminar os alimentos. Isso inclui o uso intenso de pesticidas e antibióticos ou o cultivo de frutas e vegetais usando solo e água contaminados. O uso de esterco ou esgoto animal inadequadamente compostado, ou cru também é prejudicial.

Alimentos frescos podem levar a uma série de doenças. No Quênia, por exemplo, a contaminação de carne, frutas e vegetais com dejetos humanos é relativamente comum. Isso é atribuído ao uso de água contaminada para lavar os alimentos. As moscas que transportam contaminantes também podem transferir matéria fecal e bactérias diretamente para as folhas ou frutas.

Alimentos de rua são outra fonte comum de contaminação de alimentos. Esses alimentos são amplamente consumidos em países de baixa e média renda porque são baratos e de fácil acesso.

Quais são os sinais de que você comeu alimentos contaminados?

As substâncias biológicas e químicas são os contaminantes alimentares mais comuns. Elas são responsáveis ​​por mais de 200 doenças transmitidas por alimentos, incluindo febre tifoide, cólera e listeriose. Essas condições geralmente causam diarreia, vômitos e dores de estômago.

Em casos graves, as doenças transmitidas por alimentos podem levar a distúrbios neurológicos, falência de órgãos e até a morte. Portanto, é aconselhável procurar atendimento médico imediato se você começar a sentir sintomas como diarreia persistente e vômito após comer ou beber.

Crianças com menos de cinco anos são as mais vulneráveis ​​a doenças transmitidas por alimentos. Eles carregam 40% da carga dessas enfermidades. O sistema imunológico de uma criança ainda está se desenvolvendo e não pode combater infecções de forma tão eficaz quanto o de um adulto.

Em países de baixa e média renda, a imunidade reduzida em crianças também pode ocorrer como resultado de desnutrição e exposição frequente a infecções devido à falta de higiene e saneamento, incluindo falta de acesso à água potável e banheiros.

Além disso, quando as crianças estão doentes, elas tendem a ter falta de apetite. Isso se traduz em redução da ingestão de alimentos. Juntamente com o aumento das perdas de nutrientes por diarreia e vômito, isso pode levar a um ciclo de infecção e desnutrição e, em casos extremos, à morte.

Mulheres grávidas e pessoas com imunidade reduzida devido à doença ou idade são igualmente vulneráveis ​​e, portanto, cuidados extras devem ser tomados para prevenir doenças transmitidas por alimentos entre esses grupos.

O que podemos fazer para evitar a contaminação dos alimentos?

As doenças transmitidas por alimentos também têm impactos econômicos negativos, especialmente em países de baixa e média renda. O Banco Mundial estima que custa mais de US$ 15 bilhões anualmente (mais de R$ 74 bilhões) para tratar essas doenças nesses países. Portanto, é importante ter estratégias preventivas em vigor.

A contaminação dos alimentos pode ser evitada através de medidas simples:

  • lavar as mãos em momentos-chave (antes de preparar, servir ou comer as refeições; antes de alimentar as crianças, depois de usar o banheiro ou depois de descartar as fezes);
  • vestir roupas limpas e protetoras durante a preparação de alimentos;
  • armazenar alimentos corretamente;
  • lavar alimentos crus com água limpa;
  • manter alimentos crus e cozidos separados;
  • usar utensílios separados para carnes e para alimentos destinados a serem consumidos crus.

Boas práticas agrícolas, como o uso de água limpa e a aplicação de pesticidas aprovados nas quantidades recomendadas, podem ajudar a prevenir a contaminação dos alimentos.

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Anorexia alcoólica: como excesso de álcool e restrição alimentar afetam a saúde

Os vendedores de alimentos também precisam ser treinados em segurança alimentar e receber água limpa e saneamento adequado.

Como parte da equipe de pesquisa do Centro de Pesquisa em Saúde e População Africana, estou trabalhando no projeto Healthy Food Africa, que visa aumentar a segurança alimentar em assentamentos urbanos informais por meio da promoção da segurança alimentar. No Quênia, o projeto está trabalhando em estreita colaboração com o governo do condado de Nairóbi para desenvolver um manual de treinamento em segurança alimentar direcionado aos vendedores ambulantes de alimentos. Isso contribuirá muito para melhorar a segurança alimentar na cidade.

*Antonina Mutoro é cientista de pesquisa de pós-doutorado do Centro de Pesquisa em Saúde e População Africana, no Quênia. Este texto foi originalmente publicado em inglês no The Conversation.

Fonte: revistagalileu



quarta-feira, 17 de maio de 2023

Senado deve analisar PL do agrotóxico, que gera embate no governo Lula

Imagem: reprodução

Presidente da bancada ruralista chama medida de ‘retrocesso’ e defende que projeto fosse direto ao plenário.

O Senado deve começar a analisar ainda neste mês o PL do Agrotóxico, chamado de PL do Veneno por ambientalistas, que amplia a quantidade de produtos que podem ser usados nas plantações do país. O texto, que já passou pela Câmara, deve provocar embates internos no governo Lula, colocando em campos opostos os ministérios da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Meio Ambiente, Marina Silva.

Durante a transição de governo, no fim do ano passado, a medida chegou a provocar polêmica entre as equipes. Na época, integrantes da área ambiental entraram em campo para evitar que fosse votado no Senado.

O PL do Agrotóxico autoriza, entre outras medidas, que o uso de agrotóxicos seja analisado somente pelo Ministério da Agricultura sem a participação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nessa semana, o senador Otto Alencar (PSD-BA) pediu que o texto, aprovado pela Câmara em fevereiro do ano passado, fosse levado para a Comissão de Meio Ambiente, para ser debatido pelo colegiado.

Alencar disse que fez o pedido porque quer mais tempo para estudar o projeto. No colegiado, a relatoria ficará com o líder do PT no Senado, senador Fabiano Contarato (PT-ES).

O presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), considerou o envio para a comissão um retrocesso.

O texto estava pronto para ir ao plenário (do Senado). Nos pegou de surpresa. Não imaginávamos essa manobra—disse Lupion.

Em outra frente, a bancada ruralista quer avançar com outra pauta, considerada prioridade, que é o Marco Temporal das terras indígenas. A proposta também enfrenta forte resistência de ambientalistas e de entidades indígenas.

O texto estabelece que apenas as terras ocupadas por indígenas na época da promulgação da Constituição de 1988 poderão ser demarcadas. Essa tese foi firmada no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) voltará a analisar o tema.

A ideia do líder da FPA, contudo, é aprovar o texto antes que o tema seja julgado pela Corte. A análise da ação está marcada para o dia 7 de junho.

O líder do PP na Câmara, deputado André Fufuca (MA), apresentou um pedido de urgência para que o projeto seja votado no plenário da Câmara. O pedido é assinado também pelo líder do blocão, Felipe Carreras (PSB), e pelo deputado Fernando Marangoni (União-SP).

Parlamentares da bancada ruralista têm o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para pautar a urgência do Marco Temporal e, logo na sequência o mérito do projeto, antes do julgamento do STF.

Fonte: oglobo


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

14 mil pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos durante governo do inominável

Imagem: Reprodução

Casos levaram a uma morte a cada três dias, segundo levantamento feito pela Agência Pública e Repórter Brasil, com dados de 2019 a março de 2022 do sistema de notificações do Ministério da Saúde.

Durante o governo do "inominável" (PL), 14.549 pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos no Brasil. Levantamento inédito feito pela Agência Pública e Repórter Brasil, com dados de 2019 a março de 2022 do sistema de notificações do Ministério da Saúde, mostra que essas intoxicações levaram a 439 mortes — o que equivale a um óbito a cada três dias.

Nesse período, o Brasil bateu o recorde de aprovações de pesticidas, com mais de 1.800 novos registros, metade deles já proibidos na Europa. O governo de Bolsonaro também foi marcado pelo avanço na tramitação do Projeto de Lei 1459/2022, apelidado de “Pacote do Veneno”, que pode facilitar ainda mais a aprovação dessas substâncias.

Segundo o levantamento, homens negros são as principais vítimas de agrotóxicos. As circunstâncias que mais levaram às intoxicações foram tentativas de suicídio, com cerca de 5 mil casos, seguidas por acidentes, uso habitual dos pesticidas e contaminações ambientais, por exemplo, quando o químico é dispersado pelo ar. As intoxicações aconteceram principalmente nas lavouras de soja, fumo e milho. 

Intoxicações e mortes por agrotóxicos no Brasil — Foto: Agência Pública / Reprodução

Os dados também mostram que os estados da região Sul concentraram a maioria das notificações, considerando o número de habitantes. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul registraram 4,2 mil intoxicações. Nove entre os dez municípios com mais casos em relação à população estão na região.

Estados do Sul concentram mais intoxicações por número de habitantes

Os municípios com mais intoxicações notificadas considerando o tamanho da população estão na região Sul. Em Santa Catarina, o município de Rio do Campo registrou 61 casos para uma população de apenas 5,8 mil habitantes. 

Na análise do engenheiro-agrônomo e integrante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Leonardo Melgarejo, os números altos da região podem indicar que os serviços de saúde estão fazendo um melhor trabalho de identificação destes casos do que em outros estados. “Acredito que o dado não seja porque aqui no Sul os agricultores sejam mais descuidados, mas sim ao fato de que profissionais da saúde têm mais zelo com relação aos casos de intoxicações”, diz. 

Já em números absolutos, o município que mais registrou intoxicações por agrotóxicos foi Recife, com 938 notificações no período. A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e vice-coordenadora do GT de Agrotóxicos da instituição, Aline Gurgel, reforça que o número maior de registros de casos em um território não significa necessariamente uma maior ocorrência de casos.

Ela cita a criação do programa de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA), que instituiu ações como o cadastro na atenção primária dos aplicadores de agrotóxicos e a vigilância participativa dos trabalhadores expostos a agrotóxicos. 

Homens negros: o perfil da vítima dos agrotóxicos

Além das diferenças regionais, os dados obtidos pela Agência Pública e Repórter Brasil revelam que homens negros foram o perfil mais comum entre os intoxicados.  

Para o médico e professor aposentado que coordenou o Observatório do Uso de Agrotóxicos e Consequências para a Saúde Humana e Ambiental da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Guilherme Cavalcanti de Albuquerque, a intoxicação recorde desse recorte da população pode estar relacionada ao racismo estrutural, que faz com que homens negros executem trabalhos mais precarizados, como o de aplicador de agrotóxicos. “A população negra é uma população a quem foi negado por séculos o acesso à educação e, mesmo quando há educação qualificada, o racismo estrutural impõe maior dificuldade para acesso a trabalhos menos agressivos. Resta mais aos negros esse tipo de trabalho prejudicial à saúde”, afirma.

Na mesma linha, Gurgel lembra que a baixa escolaridade dificulta a compreensão das instruções e dos riscos e perigos associados à exposição aos agrotóxicos. “Mais grave ainda é que as recentes modificações nas normativas brasileiras vulnerabiliza ainda mais a população, porque retiraram informações de alerta dos rótulos e bulas de agrotóxicos, assim como o pictograma da caveira com duas tíbias cruzadas, de vários agrotóxicos comercializados no Brasil. Para trabalhadores com baixa escolaridade, essa mudança na comunicação de risco pode levar a um maior número de casos de intoxicação, pois dificulta a identificação do perigo”, comenta a pesquisadora, referindo-se às mudanças no critério de classificação e nas embalagens de agrotóxicos feita pela Anvisa em 2019.

Lavouras de soja, fumo e milho são campeãs em intoxicações

Os casos de intoxicação registrados entre 2019 e 2022 aconteceram principalmente em lavouras de soja, fumo e milho. A soja correspondeu a 802 registros e o milho, 523. Os números altos nesse tipo de lavoura, de acordo com os pesquisadores, podem estar relacionados ao tamanho das plantações desses cultivos, onde os pesticidas costumam ser pulverizados em larga escala, normalmente por aviões, o que aumenta as chances do agrotóxico se espalhar para fora da plantação. 

A pesquisadora da USP Larissa Bombardi indicou que as plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão são o destino de 79% das vendas de agrotóxicos no Brasil. O Atlas Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, publicado em 2017, mostra que 52% do veneno vai para plantações de soja e 10% para o milho. 


Plantações de soja foram o tipo de lavoura com mais registros de intoxicações por
agrotóxicos agrícolas desde 2019 — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
— Foto: Agência Pública / Reprodução

Já os produtos usados em plantações de fumo registraram 734 intoxicações nos dados do Ministério da Saúde. O professor Albuquerque aponta que, apesar de não estar entre as principais lavouras em extensão no país, o cultivo de fumo é um dos que mais usa agrotóxicos. “Além disso, o cultivo exige contato muito próximo do trabalhador com o fumo contaminado pelo agrotóxico. Isso faz com que a incidência de intoxicação nesse plantio seja proporcionalmente maior”, comenta, lembrando que a aplicação de agrotóxicos nas lavouras de fumo muitas vezes é feita via costal.

Mais de 5 mil intoxicações foram tentativas de suicídio

Os casos de tentativa de suicídio são a circunstância mais comum das intoxicações, com 5.210 registros. Segundo os pesquisadores, dois fatores ajudam a interpretar o dado.

O primeiro é a baixa notificação de outras causas de intoxicação, que faz com que os registros por tentativas de suicídio tenham destaque. O segundo é que o uso de alguns agrotóxicos pode levar à depressão e a alterações do sistema nervoso, o que seria um fator a mais que pode levar às tentativas.

“Como há muita subnotificação, os casos de suicídio e de óbitos em geral são mais difíceis de ocultar”, avalia Albuquerque. “Mas há grande vínculo entre a intoxicação por agrotóxicos e o suicídio, porque há agrotóxicos que induzem fortemente a doenças depressivas e ao suicídio”, complementa. 

Aline Gurgel comenta que os agrotóxicos do grupo químico dos carbamatos e organofosforados têm como um de seus principais mecanismos de ação a depressão do sistema nervoso. O propamocarbe é um exemplo do grupo dos carbamatos e é usado em mais de 40 culturas no Brasil, incluindo nas de abobrinha, alface e tomate. Os organofosforados compreendem uma ampla gama de agrotóxicos, entre eles o acefato, o quinto agrotóxico mais vendido no Brasil.

Pandemia reduziu registros de intoxicações

A quantidade de casos de intoxicações por agrotóxicos caiu durante os anos de pandemia do coronavírus: em 2019 foram 5.875 casos para 4.073 em 2020, e 3.816 em 2021. 

Segundo Leonardo Melgarejo, a queda era esperada e pode não significar uma diminuição real de intoxicações. “Durante a pandemia, as pessoas evitaram aglomerações, especialmente em locais de risco [como hospitais e postos de saúde]”, afirma, mencionando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que apenas uma a cada 50 intoxicações por agrotóxicos é registrada. 

A pesquisadora da Fiocruz concorda com os impactos da pandemia nas notificações. “Os serviços de saúde foram sobrecarregados em decorrência da pandemia, a identificação de casos suspeitos de intoxicação, bem como a notificação de agravos como intoxicações, muito provavelmente foram prejudicadas”, pontua Gurgel.

Ela também reforça que as intoxicações por agrotóxicos são subnotificadas por diferentes motivos além da Covid-19, como a falta de treinamento dos profissionais e a baixa cobertura laboratorial para confirmação de casos.

Além disso, há dificuldade dos intoxicados chegarem aos postos de atendimento pela distância dos serviços de saúde e a dificuldade de locomoção. “Os agricultores nem sempre procuram atendimento e quando procuram é porque houve uma intoxicação aguda e sentiram medo de morrer. Então as outras intoxicações, de impacto mais baixo, mas que acontecem de forma crônica, sequer são registradas”, comenta Melgarejo.

Fonte: revistagalileu




Papinhas de bebês: estudo indica presença de agrotóxicos em refeições industrializadas




terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Aprovado na CRA, PL dos Agrotóxicos vai a Plenário

Foto: Reprodução

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) aprovou, na segunda-feira (19), o relatório favorável do senador e presidente do colegiado, Acir Gurgacz (PDT-RO), ao chamado PL dos Agrotóxicos, que modifica as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos, produtos usados no setor agrícola para proteção e aumento das produções, mas que têm potencial de prejudicar a saúde humana e animal. O PL 1.459/2022 tramita no Congresso Nacional desde 1999. De autoria do então senador Blairo Maggi, que foi ministro da Agricultura, o texto segue agora para votação no Plenário do Senado, em regime de urgência.

— Eu sei que não é o relatório ideal, não é aquilo que realmente todos nós queríamos, mas é o relatório que foi possível fazer. Tudo aquilo que era possível suprimir para melhorar o texto, nós o fizemos. E, dessa forma, eu agradeço a insistência dos senadores e das senadoras, porque por meses nós debatemos, fizemos audiências públicas e agora, por fim, conseguimos chegar a um texto que eu entendo que é um texto possível para que a gente possa avançar — afirmou Acir Gurgacz na reunião.

Chamado de PL do Veneno por alguns senadores, a matéria modifica as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos. O projeto em questão é o substitutivo que a Câmara dos Deputados apresentou ao projeto original de Maggi  (PLS 526/1999), que é também um grande empresário do agronegócio em Mato Grosso. 

Nos 23 anos em tramitação no Congresso Nacional, o texto passou por várias alterações. A proposta trata de pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação e exportação, embalagens e destinação final e fiscalização. 

Gurgacz e os senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Soraya Thronicke (União-MS) apoiaram a aprovação. Para eles, as mudanças serão um avanço para a produção de alimentos no país.

Segundo Gurgacz, entre as novas alterações no relatório está a que elimina a possibilidade do uso “de qualquer que seja o pesticida que venha a trazer risco a doenças crônicas”. 

O texto concentra a liberação sobre os agrotóxicos no Ministério da Agricultura, mas se o produto não for aprovado pela Anvisa, o ministério terá que acatar a decisão. Além disso, o projeto altera a nomenclatura "agrotóxico", que passaria a ser chamada na legislação de "pesticida"; fixa prazo para a obtenção de registros desses produtos no Brasil, com possibilidade de licenças temporárias quando não cumpridos prazos pelos órgãos competentes; e altera a classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.

Gurgacz disse que “serão preservadas as competências dos responsáveis pelo setor da saúde e do meio ambiente”.

— Quando tiver um registro, a Anvisa vai ter que dizer se aprova ou não aprova, e o [Ministério do] Meio Ambiente, através do Ibama, também vai dizer se aprova ou não aprova. Não cabe ao Ministério da Agricultura modificar ou alterar os pareceres científicos e técnicos — disse Gurgacz.

As senadoras Zenaide Maia (Pros-RN) e Eliziane Gama (Cidadania-MA) se posicionaram contrariamente à aprovação do PL. Elas disseram que os malefícios da exposição aos agrotóxicos já foram comprovados por diversas entidades de todo o mundo. 

— Foram liberados mais de 1,9 mil agrotóxicos nesses últimos 3 anos e 11 meses. A gente sabe que nossa safra não está com problema, porque todo ano a gente bate recordes na produção de grãos. É tanto que eu vi que estão previstas mais de 300 milhões de toneladas de grãos brasileiros agora para essa próxima safra — disse Zenaide.

Médica de formação, a senadora também afirmou que há muitos casos registrados de abortos e de bebês que nascem com deficiências devido a agrotóxicos

— A gente sabe que os agrotóxicos causam câncer — 50% dos que estão usando no Brasil, na Europa já são proibidos. Eu espero que no Plenário os nossos Senadores tenham um olhar diferenciado. A vida está acima de tudo, a vida não só humana, mas a animal e a vegetal — acrescentou Zenaide.

Eliziane afirmou que o projeto é um “libera geral” para os agrotóxicos. Disse também que várias entidades são contra a aprovação: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Anvisa, Ibama, Conectas, Greenpeace, Observatório do Clima, WWF, e outros.

— A gente vê assim medidas que poderão ser adotadas a partir da aprovação desse projeto que são medidas extremamente devastadoras. Nós temos, por exemplo, a questão de um certo licenciamento, uma certa autorização tácita, que é a autorização temporária. A gente não pode, na verdade, fazer uma autorização temporária quando a gente está tratando da vida humana, isso de fato é algo muito sério — disse Eliziane.

O senador Paulo Rocha (PT-PA) também votou contra a aprovação. Ele já havia apresentado um voto em separado para tentar mudar o texto.

— Esse defensivo, esse tipo de incentivo à produtividade imediatamente cai nos rios, nos riachos, como é o caso do nosso bioma, da Amazônia, como é o bioma do Mato Grosso, do Pantanal etc. Isso tem diferenças de aplicação em cada região. Isso logo vai matando os peixes, matando as vidas nos rios, além do impacto que tem na saúde humana, na saúde pública — declarou Paulo Rocha.

Luis Carlos Heize disse que a aprovação da proposta será “extremamente importante para o agro brasileiro e o agro mundial, porque o mundo consome hoje os alimentos brasileiros, inclusive com esses defensivos”. Segundo ele, os Estados Unidos e diversos países europeus usam os mesmos agrotóxicos usados no Brasil.

— É o pior país em termos de registro de defensivos agrícolas. Assim funciona em todos os países da Europa, assim funciona nos Estados Unidos, e funciona desse jeito em quatro, cinco, seis meses. Aqui são seis, sete, oito, dez anos para registrar um produto. Isso é um crime para o agro brasileiro, para a necessidade que o Brasil seja um grande produtor de alimentos. Já é um grande produtor de alimentos no mundo e vai continuar sendo — opinou Heinze.

Soraya Thronicke disse que os agrotóxicos estão cada vez mais modernos e seguros.   

— É avanço, é tecnologia, é inovação, é a modernidade chegando. Estudos e mais estudos científicos são feitos, tanto quanto são feitos sobre medicamentos que nós utilizamos: são genéricos. Isso também barateia e impede a entrada ilegal de agrotóxicos, de defensivos no nosso país — avaliou a senadora.

O projeto

O texto aprovado pela CRA revoga a atual Lei dos Agrotóxicos, de 1989, e flexibiliza as regras de aprovação e comercialização desses produtos químicos. A atual proposta é resultado da relatoria do deputado Luiz Nishimori (PL-PR) na Câmara, que em seu texto dispõe sobre pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação e exportação, embalagens e destinação final e fiscalização desses produtos.

Concentração do poder decisório no Ministério da Agricultura, alteração da nomenclatura  "agrotóxico", fixação de prazo para a obtenção de registros no Brasil — com possibilidade de licenças temporárias quando não cumpridos prazos pelos órgãos competentes —, e suavização da classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente são alguns dos pontos que polemizam a matéria.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), o senador Jaques Wagner (PT-BA) considera que o projeto pode colocar em risco o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assim como poderá ter impactos negativos sobre o meio ambiente, a biodiversidade e a saúde dos consumidores no Brasil e no mundo.

Somente em 2021 foram aprovados os registros de 550 novos produtos desta natureza no Brasil.

A iniciativa fixa um prazo de dois anos para a aprovação de novos produtos. A solicitação de aprovação de novos produtos ocorrerá por meio do Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica, que facilitará a tramitação e o acesso dos órgãos responsáveis pela análise aos estudos científicos que comprovem a segurança do uso.

Segurança jurídica

Grandes produtores rurais argumentam que o projeto não afeta a fiscalização de defesa agropecuária, traz segurança jurídica para a cadeia produtiva e aumenta a quantidade de informações à disposição dos fiscais. Já os críticos da proposta alegam que o texto vai fragilizar o poder de fiscalização do Ministério da Agricultura e impactar direitos constitucionais relativos à saúde pública, à defesa do consumidor e à proteção ao meio ambiente.

De acordo com o relator, o projeto trará vantagens econômicas e não levará ao descuido da saúde da população.

Nova nomenclatura

Diferentemente do projeto original, o substitutivo aprovado altera a nomenclatura “agrotóxicos”, assim definida na Constituição, para “pesticidas e produtos de controle ambiental e afins”.

O argumento da bancada ruralista é de que em âmbito internacional se utiliza o termo pesticida, enquanto agrotóxico seria pejorativo, sendo, assim, necessária a modernização da legislação nacional.

Nessa mesma linha, os agrotóxicos também poderão ser denominados de “produtos de controle ambiental” quando forem aplicados em florestas nativas ou de outros ecossistemas, assim como em ambientes híbridos. Nesse caso, o registro estará a cargo do Ibama.

Centralização

Para fiscalização e análise dos produtos para uso agropecuário, o projeto centraliza o poder decisório no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Caberá a esse ministério aplicar as penalidades e auditar institutos de pesquisa e empresas.

Atualmente, há um sistema tripartite de decisão, que congrega a pasta da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e o Ministério da Saúde, representado pela Anvisa.

A mudança poderá ajudar a simplificar e acelerar os processos de aprovação dos agrotóxicos, que chegam a durar oito anos.

Reanálise dos riscos

Também ficou estabelecido que quando organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de pesticida, de produtos de controle ambiental e afins, caberá à autoridade competente tomar providências de reanálise dos riscos, em prazo de até um ano, prorrogável por mais seis meses.

Para isso, precisam ser considerados aspectos econômicos, fitossanitários e a possibilidade de uso de produtos substitutos. O órgão — Agricultura, no caso de pesticidas, e Meio Ambiente, no caso dos produtos de controle ambiental — deverá notificar os registrantes para apresentar a defesa em favor do seu produto.

Prazos

Para pesquisa, produção, exportação, importação, comercialização e uso o prazo máximo para inclusão e alteração de registro irá variar, conforme o caso, entre 30 dias a 2 anos.

Para produtos novos são exigidos 24 meses, mas os destinados à pesquisa e experimentação poderão ser beneficiados com a emissão de um registro especial temporário (RET), devendo a análise do pedido ser concluída em 30 dias pelo Ministério da Agricultura.

Os produtos não analisados nos prazos previstos em lei também poderão receber um registro temporário (RT). Isso acontecerá desde que estejam registrados para culturas similares ou usos ambientais similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esses países devem adotar o Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Uso de Pesticidas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Penalidades

O texto aprovado insere no rol das penalidades o crime de produzir, armazenar, transportar, importar, utilizar ou comercializar pesticidas, produtos de controle ambiental ou afins não registrados ou não autorizados. A pena prevista é de três a nove anos de reclusão e multa.

Permaneceu com pena de dois a quatro anos de reclusão e multa os atos de produzir, importar, comercializar e dar destinação a resíduos e embalagens vazias de pesticida, de controle ambiental em desacordo com a lei.

As multas passam a ser aplicadas no limiar de R$ 2 mil a R$ 2 milhões. O valor máximo anterior era de R$ 20 mil. O montante será definido proporcionalmente à gravidade da infração cometida, a partir da análise dos órgãos de registro e fiscalização.

No texto aprovado não há mais definição de crime para empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente.

Fonte: Agência Senado


sexta-feira, 4 de março de 2022

Contaminação recorde por agrotóxicos no Paraná atinge mais de 50 crianças

Samuel da Silva Jobim, promotor
do Ministério Público em Quedas
do Iguaçú - Foto: Reprodução

Nuvem de Paraquate, potencialmente fatal, intoxicou 96 pessoas, a maioria crianças que estavam em escola vizinha à área de plantação.

Quase cem pessoas foram intoxicadas no início de novembro no município de Espigão Alto do Iguaçu com PARAQUATE, um agrotóxico que está proibido na Europa desde 2007. O pequeno município, de 5 mil habitantes, fica no centro-oeste paranaense, 356 quilômetros da capital, Curitiba.

Trata-se do caso com mais vítimas na história recente do estado, responsável por 17% da produção nacional de grãos como soja e milho, numa área correspondente a pouco mais de 2% do território brasileiro. Dos 96 afetados, 52 são crianças, a maioria alunos de uma escola rural que funciona colada à área agrícola onde o veneno estava sendo aplicado.

A médica Lilimar Regina Naldony Mori, chefe da Divisão de Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Paraná, responsável pelo atendimento, classificou os casos como intoxicação leve e aguda – qualquer efeito à saúde resultante da exposição a um agrotóxico dentro de 48 horas, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Plantação de milho que foi atingida pela pulverização de PARAQUATE, um defensivo
agrícola usado para matar as ervas e preparar a terra para o plantio - Foto: Reprodução

Crianças e adultos que entraram em contato com a nuvem de PARAQUATE relataram sintomas como fortes dores de cabeça, estômago e barriga, tonturas e vômitos. Todos condizentes com os de intoxicação aguda pelo agrotóxico, segundo o pesquisador Luiz Cláudio Meirelles, especialista em agrotóxicos da Fiocruz e gerente-geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 1999 e 2012. “Essas são reações bem típicas de intoxicação aguda por PARAQUATE, que também pode causar irritações de pele e lesões, principalmente na mucosa e na língua”, diz.

De acordo com Lilimar, não houve necessidade de internação e os sintomas desapareceram em até dez dias.

Foi sorte. A exposição aguda a quantidades maiores de PARAQUATE é quase sempre fatal, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), que alerta sobre os riscos em uma publicação intitulada “Um gole pode matar”. A própria gerência de Toxicologia da Anvisa já alertou sobre os riscos do agrotóxico, num documento de setembro de 2017: “A exposição ocupacional ao PARAQUATE é relevante principalmente devido às evidências de maior sensibilidade humana à exposição dérmica a esse agrotóxico, com possibilidade de absorção sistêmica”.

O PARAQUATE foi comprado e utilizado na propriedade de Lino Passaia, o agricultor mais próspero da região, dono de quase 100 hectares (o equivalente a 1 quilômetro quadrado, ou mais de cem campos de futebol) apenas em Espigão Alto do Iguaçu, em que produz soja e milho. A contaminação foi causada pelo desrespeito a uma norma estadual que estabelece distância mínima de 500 metros entre a área pulverizada e “núcleos populacionais, escolas, habitações e locais de recreação”.

A história da intoxicação massiva de Espigão Alto do Iguaçu é um triste exemplo do uso indiscriminado e sem cuidados de agrotóxicos no Brasil. E de como mesmo as vítimas tendem a minimizar o risco a que estão submetidas.

Como nasceu a nuvem tóxica

O dia 7 de novembro, uma quarta-feira, amanheceu claro e com muito vento na pequena comunidade rural de Boa Vista do São Roque, onde vivem algumas centenas de pessoas – parte delas acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), há mais de dez anos instalados ali. Ainda assim, trata-se de uma das principais localidades de Espigão Alto do Iguaçu.

As aulas corriam normalmente na escola rural do lugar – um só prédio em que na verdade funcionam duas diferentes, uma municipal, até o quinto ano do ensino fundamental, e outra estadual, para alunos do sexto ao nono anos e do ensino médio. Eram por volta de 10 horas quando uma funcionária entrou na sala de Carla Martelli, diretora da escola municipal Licarlos Passaia.

“‘Tem um louco aí passando veneno’, ela me falou”, recorda Carla. Ela correu à quadra de esportes. Ao lado, há um pequeno parque com brinquedos infantis. Ali, viu os estudantes grudados ao alambrado que separa a quadra – e os limites da escola – das terras de Lino Passaia. Estavam encantadas com a nova aquisição do agricultor, uma espécie de trator especial para pulverizações chamado Uniport, mas conhecido na região como “gafanhoto”. Alta e com rodas quase da altura de um adulto, a máquina atraiu a atenção das crianças.

Trator pulveriza agrotóxico próximo à escola - Foto: Reprodução

“Era nossa aula vaga, estávamos na quadra. Ficamos vendo aquela máquina passando alguma coisa na terra. Veio o vento e senti uma coisa molhada no meu rosto”, lembra Aline, de 14 anos, aluna do oitavo ano – o sobrenome das crianças será omitido na reportagem.

Tratava-se de um spray de PARAQUATE que o vento empurrou na direção da escola, do posto de saúde e das casas da comunidade. “De noite minha cabeça doía muito. De manhã, quando acordei, doía o estômago, fiquei enjoada, vomitei”, lembra a menina

“Quando passou a máquina, todo mundo correu pra olhar. Eu não, fiquei sentada na arquibancada. Mas veio o vento e comecei a espirrar”, diz Bruna, de 12 anos, do sétimo ano. Era só o começo. “Depois deu dor cabeça, de barriga, diarreia. Eu não conseguia dormir, me contorcia de dor. E ainda não melhorei. Ontem mesmo minha barriga doía muito”, relatou a garota mais de dez dias depois do episódio.

“É a primeira vez que vejo uma situação dessas, envolvendo tantas crianças”, admitiu Samuel da Silva Jobim, do Ministério Público (MP) do Paraná. “O secretário [de Saúde] nem teria como impedir uma investigação criminal. O caso já é maior que ele, a polícia já sabe, o MP já sabe. O boletim está registrado e a investigação vai ser feita”, afirma Samuel. Segundo ele, o crime não vai prescrever e o MP já está investigando. “Mas os procedimentos de apuração tomam tempo. O mais urgente é resolver a questão de saúde pública. Todas as informações que tenho são de que a prefeitura está agindo para resolver a situação”.

“Vários municípios da região em que trabalhei têm situações assim, com lavouras coladas a áreas urbanas. Um envenenamento dessa dimensão é o primeiro que chegou a mim. Mas casos menores devem acontecer diariamente, e as pessoas nem sabem porque estão doentes”, afirma João Luiz Marques Filho, promotor de justiça, que investiga o impacto ambiental do acidente. “Sem sombra de dúvida deve haver subnotificação.”

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Fonte: apublica.org


Obs: Este texto foi publicado há mais de 3 anos (11/12/2018).


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O projeto Por Trás do Alimento é uma parceria da 

Agência Pública e Repórter Brasil para investigar 

o uso de agrotóxicos no Brasil.