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terça-feira, 10 de outubro de 2023

Por que o Hamas atacou Israel agora?

Imagem: reprodução
O grupo militante palestino Hamas lançou um ataque sem precedentes contra Israel, com seus combatentes adentrando comunidades próximas à Faixa de Gaza, matando mais de 900 pessoas e fazendo reféns.

Em resposta, Israel tem lançado ataques aéreos que já deixaram quase 690 pessoas mortas em Gaza. Outras 3,7 mil ficaram feridas.

Segundo o editor de Internacional da BBC News, Jeremy Bowen, esta foi a operação mais ambiciosa que o Hamas já lançou a partir de Gaza e o ataque transfronteiriço mais sério que Israel enfrentou em mais de uma geração.

Para alguns analistas, houve ainda uma grande falha da inteligência israelense, que apesar de ser a mais extensa e bem financiada do Oriente Médio não conseguiu prever ou agir com base em um aviso.

O conflito entre Israel e palestinos se estende por 75 anos - e a atuação do Hamas na guerra também não é nova.

Então por que o Hamas escolheu justamente este momento para um ataque surpresa de tamanha magnitude?

Retaliação

Embora o ataque do final de semana tenha ocorrido sem aviso prévio, ele ocorreu em um momento de crescentes tensões entre Israel e palestinos.

O ataque de surpresa pode ter sido uma retaliação à violência contra palestinos na Cisjordânia ocupada no ano passado.

Foram 146 palestinos mortos na Cisjordânia pelas forças israelenses em 2022, um número de mortos mais elevado do que em qualquer outro ano desde que as Nações Unidas começaram a manter registros, em 2005.

Soldado israelense prepara artilharia perto de Gaza - Foto: reprodução

Além disso, em uma gravação de áudio divulgada no momento do ataque, Muhammad al-Deif, comandante da ala militar do Hamas, a Brigada al-Qassam, disse que a violência foi uma retaliação ao que chamou de "ataques diários à mesquita Al-Aqsa" que "ousaram insultar nosso Profeta dentro dos pátios da mesquita".

Poucos marcos simbolizam mais as tensões entre israelitas e palestinianos do que a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém Oriental. Localizada em um complexo no topo de uma colina, é o terceiro local mais sagrado para o Islã, mas também é o lugar mais sagrado para os judeus, que o conhecem como Monte do Templo.

Mas um acordo em vigor desde 1967 proíbe que não-muçulmanos orem no templo.

Mesmo assim, nos últimos anos, nacionalistas religiosos israelitas aumentaram as suas visitas ao complexo, o que preocupou os palestinianos.

Alguns judeus chegam a se disfarçar de muçulmanos para orarem ali.

O complexo tem sido palco frequente de confrontos entre fiéis palestinos e forças de segurança israelenses. Em abril, a polícia israelense invadiu a mesquita usando granadas de efeito moral e balas de borracha, após uma disputa sobre atividades religiosas no local.

Em 2021, um ataque israelense desencadeou um conflito em grande escala de 11 dias entre Israel e o Hamas.

Negociação de prisioneiros

Segundo números divulgados pelas forças armadas de Israel, mais de 100 pessoas (civis e militares) foram capturadas por combatentes do Hamas durante o ataque e são mantidas em cativeiro.

Alguns estão vivos e outros já são considerados como mortos, declarou o porta-voz militar de Israel, o tenente-coronel Jonathan Conricus.

Crianças, mulheres, idosos e deficientes estão entre os reféns, acrescentou ele.

Segundo o Hamas, o número de israelenses capturados foi "bem maior" do que as dezenas inicialmente estimadas, e eles são mantidos em locais espalhados por toda a Faixa de Gaza.

No passado, grupos palestinos usaram reféns como moeda de troca para garantir a libertação de militantes detidos por Israel, o que pode explicar uma das motivações do ataque.

Cerca de 4,5 mil palestinos estão detidos em prisões israelenses atualmente – uma questão que é muito sensível para a população da Palestina.

Segundo a agência de notícias Reuters, o governo do Catar estaria tentar negociar a soltura de 36 mulheres e crianças capturadas pelo Hamas em troca de 36 prisioneiros palestinos.


Destruição na cidade de Gaza, na Faixa de Gaza - Foto: reprodução

Propaganda

O Hamas também pode ter usado o ataque como propaganda contra Israel para aumentar a sua popularidade na Palestina e radicalizar mais pessoas na região.

"O Hamas sabe que não pode sobreviver, especialmente diante das condições de ameaça na Faixa de Gaza, sem fazer propaganda de que eles estão lutando para um Estado da Palestina e contra Israel", diz Rashmi Singh, professora de Relações Internacionais da PUC Minas que tem mais de 20 anos de experiência em terrorismo e contra-terrorismo.


"Existe uma raiva e uma frustração muito grandes contra Israel que pode ser transformada em apoio. Qualquer facção ou grupo quer promover isso e até usar violência para esse fim."

 

Neste contexto, o crescimento de outros grupos menos, mas cada vez mais extremistas, podem estar sendo vistos como uma ameaça à autoridade do Hamas em Gaza.

Para Ian Parmeter, do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Nacional Australiana, uma dessas organizações é a Jihad Islâmica.


"Um fator importante que motiva o Hamas para a violência é a necessidade de vigiar os seus flancos", afirmou Parmeter em um artigo publicado no site The Conversation.

"Estes grupos lançaram, por vezes, ataques de foguetes de forma independente contra Israel, o que traz retribuição contra todo o território."

 

Arábia Saudita

O Hamas também se opõe fortemente à perspectiva crescente de um acordo de paz histórico entre Israel e a Arábia Saudita.

Os governantes sauditas são historicamente críticos de Israel e defensores dos palestinos. Mas um compromisso com o governo israelense poderia mudar muitas coisas na política regional.

As conversas entre as nações foram privadas até o momento, mas no final de setembro o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse acredita que o acordo seria finalizado em breve.

A perspectiva de um entendimento também se torna maior diante dos Acordos de Abraham, por meio dos quais — graças ao apoio dos Estados Unidos — Israel normalizou suas relações com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão em 2020.


O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, e o presidente dos EUA, Joe Biden
- Foto: reprodução


"Se a Arábia Saudita entrar de fato nesse processo, certamente mais países do Golfo farão isso também", diz Rashmi Singh. "E o Hamas sabe que esse período é muito importante em termos de criar tensão e tentar quebrar qualquer possibilidade de paz."


Segundo a especialista, que entrevistou militantes do Hamas durante suas pesquisas, dificilmente um país árabe ficará em silêncio diante de ataques indiscriminados de Israel contra os palestinos.


"O Hamas sabe disso e entrou nessa guerra esperando uma resposta violenta de Israel, para tentar prejudicar o processo de paz", diz.

 

Há também especulações de que o ataque foi orquestrado pelo Irã - o arqui-inimigo de Israel - embora o embaixador do país na ONU tenha negado qualquer envolvimento.

Uma guerra que se estende por gerações

Para Rashmi Singh, ataques como o do último final de semana costumam acontecer de forma cíclica, a cada 15 ou 20 anos.

Isso porque todas as vezes em que há um movimento maior de resistência contra Israel, os militantes envolvidos são mortos ou presos, diz a especialista.

E diante da continuidade do conflito nos últimos 75 anos, novos grupos ou integrantes sempre costumam surgir.


Ataque israelense em Gaza - Foto: reprodução

 

"E uma nova geração de resistência só surge dali uns 15 ou 20 anos novamente, quando podemos ter novos ataques."

 

Segundo a professora da PUC Minas, isso fica evidente nos vídeos do ataque que circularam nas redes sociais. "As pessoas nos vídeos são extremamente jovens. Ou seja, provavelmente não conhecem a vida na Faixa de Gaza sem guerra", afirmou.

Fonte: BBC Brasil


Leia também: 


Entrevista à BBC do Embaixador da Palestina, Husam Zomlot, no Reino Unido





quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Ciclone no Sul: o que está por trás das tempestades devastadoras que já mataram 40 pessoas

Cidade de Venâncio Aires, no Rio Grande
do Sul - Imagem: reprodução

Inundações causadas por fortes chuvas e por um ciclone extratropical nos últimos dias deixaram ao menos 39 pessoas mortas no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina, segundo informações das defesas civis dos Estados.

Cerca de 6.000 pessoas estão desalojadas ou desabrigadas no Rio Grande do Sul.

Há registro de 9 pessoas desaparecidas, todas na cidade de Muçum, na região central do RS. Segundo a Defesa Civil, com a forte chuva, cerca de 85% do município gaúcho ficou inundado, com a água atingindo parte das casas e do comércio. A energia elétrica e o sinal de telefone do município foram cortados.


"Estamos consternados com a letalidade desse evento climático e mobilizados para salvar todos que ainda correm perigo", escreveu Leite nas redes sociais na terça (5/9).

 

O governador declarou estado de calamidade pública no Estado. Cerca de 2.700 pessoas foram resgatadas pelas equipes do governo nos 79 municípios atingidos.

Além de Muçum, cidades da região norte do Rio Grande do Sul também tiveram registros de mortes: Estrela, Lajeado, Mato Castelhano, Passo Fundo e Ibiraiaras. A tormenta também causou uma morte no Estado vizinho de Santa Catarina.

Por conta de alagamentos, dezenas de estradas e rodovias do RS estão bloqueadas. Cinco aeronaves — da Força Aérea, PM e Bombeiros — estão sendo utilizadas para auxiliar nos resgates nas cidades afetadas.

A Defesa Civil do RS está alertando para mais chuvas nesta quinta (7/7), com temporais isolados nas regiões noroeste, centro e sul do Estado.

Também podem ocorrer rajadas de vento intensas, descargas elétricas e eventuais quedas de granizo.


Cidade de Bom Retiro do Sul também ficou debaixo d'água com fortes chuvas
- Foto: reprodução

Fenômenos 'casados'

Mas o que está por trás, afinal, das chuvas devastadoras no Rio Grande do Sul?

Segundo o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de operações e modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o ciclone extratropical não foi a causa das fortes chuvas que atingiram a região, e sim sua consequência.


"A causa da chuva foi uma frente fria estacionária, por isso choveu no fim de semana inteiro. Na segunda-feira, coincidiu uma área de baixa pressão na alta atmosfera. Essa combinação derivou na formação de um ciclone extratropical, que rapidamente se encaminhou para o oceano. Ou seja, ele foi a consequência e não a causa da chuva", explica Seluchi.

 

Ciclones extratropicais como esse se formam praticamente todas as semanas no Oceano Atlântico, segundo meteorologistas.

Eles são centros de baixa pressão atmosférica que se formam fora dos trópicos, em médias e altas latitudes, segundo explica Estael Sias, meteorologista da empresa MetSul Meteorologia.

Comuns na história climática brasileira, esses fenômenos costumam se formar no extremo sul do país, entre o Rio Grande do Sul e Argentina e Uruguai, países vizinhos.


"Ele é formado pelo contraste de massas de ar quente e frio. Parte da sua ação é sugar toda a umidade pra essa região do centro de baixa pressão e jogar para a atmosfera, resfriando e transformando a umidade em nuvens. É nesse processo que o fenômeno espalha chuva e vento", diz Sias.

 

O problema é que, para alguns especialistas, as mudanças climáticas podem estar contribuindo para o surgimento de ciclones extratropicais atípicos, mais intensos, que podem se formar com mais rapidez e causar impacto maior.


"Pela minha experiência de 20 anos de previsão de tempo, acredito que esse cenário das mudanças climáticas de alguma forma tem ajudado ou tem auxiliado na formação desses ciclones com características especiais", diz Sias.

 

Para Marcelo Seluchi, do Cemaden, embora haja elementos para afirmar que sim, não existem dados conclusivos para confirmar com 100% de certeza que as mudanças climáticas estão deixando os ciclones extratropicais mais intensos.


"Para afirmar isso precisaria ter uma análise de dados de ciclones por décadas. E por que não temos esses dados? Porque os ciclones se formam no oceano e precisamos de dados de satélites, e esses dados nós só temos faz uns 20 ou 30 anos. Então, não dá para fazer essa análise. A resposta honesta é 'não sei'", explica.

 

Nesta quarta-feira, o governador Eduardo Leite deve visitar a região acompanhado de ministros do governo Lula.

O próprio presidente se solidarizou com as vítimas da chuva no RS.

"Queria prestar minha solidariedade a população do Rio Grande do Sul, que está vivendo as fortes chuvas. O chefe da Defesa Civil vai ao Estado para ajudar a remediar os problemas causados pelas fortes chuvas. Faremos de tudo para ajudar a população gaúcha a atravessar esse momento", escreveu o petista na rede social X, antigo Twitter.

Fonte: BBC Brasil


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

O experimento sobre os efeitos dos alimentos ultraprocessados

Imagem: reprodução

"É um pouco assustador ver esses resultados depois de apenas duas semanas."

Aimee, de 24 anos, passou duas semanas seguindo uma dieta de alimentos ultraprocessados ​​como parte de um estudo realizado por cientistas do King's College, de Londres, para o programa Panorama da BBC.

Nancy, sua irmã gêmea, seguia uma dieta que continha exatamente a mesma quantidade de calorias, nutrientes, gordura, açúcar e fibras. Mas no caso dela comendo apenas alimentos frescos ou pouco processados.

Aimee, que apresentou níveis piores de açúcar no sangue e aumento dos níveis de gordura, engordou quase um quilo. Enquanto isso, sua irmã Nancy perdeu a mesma quantidade de peso.

Esse foi um estudo curto com apenas um par de gêmeas, mas os resultados reforçam temores de cientistas que têm acumulado evidências de que os alimentos ultraprocessados ​​são prejudiciais à saúde de maneiras inesperadas.

"Estamos falando de todos os tipos de câncer, doenças cardíacas, derrame e demência", diz Tim Spector, professor de epidemiologia no King's College e pesquisador do comportamento das doenças, supervisionou o estudo.


Os emulsificantes melhoram a aparência e a textura dos alimentos e ajudam a prolongar
sua vida útil - Foto: reprodução

O termo "alimentos ultraprocessados" começou a ser usado há apenas 15 anos. Esse tipo de alimento representa aproximadamente metade do que se come em países como o Reino Unido.

No Brasil, um estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que cerca de 20% das calorias consumidas pelos brasileiros vêm de ultraprocessados.

De pães integrais fatiados a pratos prontos e sorvetes, esse é um grupo de alimentos feitos com níveis variados - mas muitas vezes altos - de processamento industrial.

Ingredientes utilizados para o seu preparo como conservantes, adoçantes artificiais e emulsificantes não costumam ser utilizados na culinária caseira.

"Alimentos ultraprocessados ​​são alguns dos mais lucrativos que as empresas podem obter", diz a professora Marion Nestle, especialista em política alimentar e professor de nutrição na Universidade de Nova York.

À medida que nosso consumo aumenta, também aumentam as taxas de diabetes e câncer.

Alguns acadêmicos acreditam que a relação não é acidental.

O programa Panorama acessou novas evidências científicas que mostram a relação entre esses tipos de produtos químicos e doenças como câncer, diabetes e derrame.

A revista científica The Lancet publicou em janeiro um dos estudos mais abrangentes sobre o tema, feito pela Faculdade de Saúde Pública do Imperial College, em Londres.

O estudo, realizado com 200 mil adultos no Reino Unido, determinou que o maior consumo de alimentos ultraprocessados ​​pode estar relacionado ao aumento do risco de desenvolver câncer em geral e, especificamente, câncer de ovário e cérebro.


Os alimentos ultraprocessados mais usados:

- Pães e cereais açucarados embalados;

- Sopas instantâneas e refeições prontas para microondas;

- iogurtes com sabor de fruta;

- Carne reconstituída, como presunto e linguiça;

- Sorvete, batatas fritas e biscoitos;

- Refrigerantes e algumas bebidas alcoólicas, como uísque, gim e rum.


O termo 'alimentos ultraprocessados' começou a ser usado há apenas 15 anos
- Foto: reprodução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou no mês passado evitar o consumo prolongado de adoçantes artificiais, devido aos possíveis riscos à saúde.

Provar que certos ingredientes causam doenças pode ser difícil porque há uma série de fatores em nosso estilo de vida que podem gerar problemas de saúde. Por exemplo, falta de exercício, tabagismo ou dietas açucaradas.

As primeiras pesquisas sobre consumo de alimentos ultraprocessados ​​e mortalidade começaram na França, na Universidade de Sorbonne, como parte de um estudo, ainda em andamento, sobre os hábitos alimentares de 174 mil pessoas.

"Temos registros dietéticos de 24 horas durante as quais os participantes nos contam todos os alimentos e bebidas que ingerem", explica a médica Mathilde Touvier, que lidera a pesquisa.

O estudo já publicou algumas conclusões, que mostram que os ultraprocessados podem aumentar as chances de desenvolvimento de câncer.

Emulsificantes, a jóia dos ultraprocessados

Ultimamente, os pesquisadores têm estudado o impacto, na alimentação, de um ingrediente específico, os emulsificantes.

Os emulsificantes são compostos químicos que melhoram a aparência e a textura dos alimentos e contribuem para prolongar sua vida útil - que acaba sendo bem maior que a dos alimentos não ou menos processados.

Esse elemento está em toda parte: na maionese, no chocolate, na pasta de amendoim e nas carnes. Ou seja, é bem provável que você esteja consumindo ou consumiu emulsificantes em algum momento.

O Panorama teve acesso exclusivo aos primeiros resultados da pesquisa de Touvier, que ainda não foram analisados ​​por outros especialistas, etapa crucial para a verificação de estudos científicos.

“Temos observado uma relação clara entre a ingestão de emulsificante e um risco acrescido de câncer em geral, e de câncer da mama em particular, mas também de doenças cardiovasculares”, diz a pesquisadora.

"Isso significa que vimos um padrão entre o consumo de alimentos ultraprocessados ​​e o risco de doenças. Mas mais pesquisas são necessárias."


Os alimentos ultraprocessados ​​representam boa parte do que comemos
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Aspartame, mais doce que o açúcar

Um dos aditivos mais polêmicos de alimentos ultraprocessados ​​é o adoçante aspartame.

Duzentas vezes mais doce que o açúcar, tem sido anunciado como uma ótima alternativa de baixa caloria, transformando bebidas açucaradas, sorvetes e mousses anteriormente não saudáveis ​​em produtos comercializados como "saudáveis".

Durante as últimas duas décadas, surgiram dúvidas sobre seus possíveis efeitos nocivos.

No mês passado, a OMS afirmou que, embora as evidências sejam inconclusivas, teme que o uso prolongado de adoçantes como o aspartame possa aumentar o risco de "diabetes tipo 2, doenças cardíacas e mortalidade".

Em 2013, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) decidiu que o aspartame era seguro, assim como o Comitê de Toxicidade na Grã-Bretanha, que determinou em 2013 que os resultados "não indicam a necessidade de tomar medidas para proteger a saúde pública".

No entanto, seis anos depois, Erik Millstone, professor da Universidade de Sussex, decidiu revisar as mesmas evidências examinadas pela EFSA, para ver quem havia financiado os diferentes estudos.

Millstone descobriu que 90% dos estudos que defendem o adoçante foram financiados por grandes empresas de química que fabricam e vendem aspartame, e que todos os estudos sugerindo que o aspartame pode ser prejudicial foram financiados por fontes independentes e não comerciais.

A EFSA garante que vai estudar a avaliação em curso da OMS sobre este aditivo.

Fonte: BBC Brasil



sexta-feira, 7 de julho de 2023

ESPECIAL BBC: o mesmo do mesmo - Reforma tributária avança: como ficam os impostos segundo a proposta

Imagem: reprodução
Simplificando o trabalho de contadores e advogados tributaristas, mas o brasileiro continuará pagando a maior carga tributária do mundo!

A Câmara dos Deputados aprovou nesta sexta-feira (07/07), em dois turnos, o projeto de reforma tributária — tido como um dos pilares da política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), junto com o novo arcabouço fiscal.

No primeiro turno, o texto-base recebeu 382 votos favoráveis e 118 contrários. Em segundo turno, foram 375 votos a favor, 113 contra e três abstenções. Ainda serão votados alguns destaques do texto na manhã de sexta-feira.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) depois seguirá para o Senado. Lá, a votação deve ocorrer no segundo semestre do ano, após o recesso parlamentar, segundo afirmou o presidente da Casa, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Especialistas costumam falar que o sistema de arrecadação de tributos no Brasil é um dos mais complicados do mundo. Há muitas regras e muitas exceções. Para uma empresa, o simples ato de pagar um imposto no Brasil às vezes requer dezenas de advogados tributaristas. Como resultado, bilhões de reais são desperdiçados na economia brasileira por falta de eficiência.

A reforma tributária está há décadas na pauta tanto do Executivo como do Congresso, mas sempre foi considerada muito complicada de ser aprovada. Em outros anos e outros governos, a prioridade foi dada para reformas consideradas igualmente fundamentais, como a da Previdência e a Trabalhista.

Considera-se que a discussão tributária é difícil porque há muitos interesses envolvidos.

Governadores e prefeitos e determinados setores da economia, por exemplo, relutam em abrir mão de impostos e isenções. A reforma atual contempla a criação de alguns fundos de compensação a esferas que percam dinheiro. Mas Estados estarão impedidos de decidir sobre suas tarifas, o que deve pôr fim à chamada guerra fiscal.

Em outros países, o sistema tributário é mais simples, com incidência de poucas tarifas sobre determinadas transações.

Economistas dizem que o objetivo da reforma não é mudar a carga tributária brasileira — ou seja, após a reforma, os brasileiros acabariam pagando aproximadamente o mesmo valor em impostos que pagam hoje. O poder público seguiria arrecadando valores parecidos.

O ganho econômico para o país viria na maior eficiência do sistema, já que pagar impostos se tornaria menos caro no Brasil. Assim, poderia haver um aumento de arrecadação no longo prazo se a reforma tributária for bem-sucedida em melhorar a produtividade da economia e reduzir o custo Brasil.

Agora que o assunto foi colocado como prioritário pelo Executivo e pelo Congresso, a reforma está tramitando.

Entenda abaixo o que é a proposta e como fica o sistema tributário. É importante lembrar que a reforma ainda está em análise na Câmara e depois seguirá para o Senado — portanto, os itens abaixo ainda podem sofrer mudanças substanciais.

Menos impostos — mas não menos dinheiro pago

Os brasileiros pagam hoje cinco impostos que são alguns dos principais meios de arrecadação de todas as esferas do poder público:

  • IPI – Imposto Sobre Produtos Industrializados;
  • PIS - Programa de Integração Social;
  • COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social;
  • ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços;
  • ISS - Imposto Sobre Serviços.
  • IPI, PIS e COFINS são impostos federais; ICMS e ISS são estaduais. Alguns desses impostos, como o IPI, não incidem diretamente na compra pelo consumidor, mas sim durante o processo de importação ou manufaturação.

A PEC 45/2019 propõe substituir todos esses impostos por um só: o IVA, Imposto sobre Valor Adicionado.

Esse imposto seria dividido em duas partes:

  • A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — de arrecadação federal, que substitui IPI, PIS e Cofins.
  • Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — de arrecadação estadual e municipal, que substitui ICMS e ISS.
Outro imposto criado é o Imposto Seletivo, que vai incidir sobre bens e serviço que provocam mal à saúde ou ao meio ambiente (como cigarros e bebida alcoólica).


Os impostos serão cobrados no destino (local de compra ou consumo) e não mais na origem.

Alguns impostos seguirão sendo cobrados:

  • Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);
  • Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o imposto sobre herança;
  • Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Transição

Haverá uma fase de transição para implementação da reforma, que vai durar de 2026 a 2032.

Em 2026, haverá cobrança de 0,9% do CBS e 0,1% do IBS — alíquotas que serão usadas como teste inicial da reforma.

Em 2027, PIS e Cofins serão extintos e entrará em vigor o IVA.

A partir de 2029, haverá redução escalonada dos tributos estaduais e municipais (ICMS e ISS), com elevação gradual do IVA estadual e municipal. Em 2033, os impostos antigos serão extintos.

O que a reforma não detalha: as alíquotas

Um dos pontos principais da reforma não está sendo discutido nesse momento: o valor das alíquotas de impostos. Ou seja, não se sabe quanto os contribuintes pagarão de impostos em cada tributo.

Primeiro, o Congresso está trabalhando para aprovar uma reforma na Constituição brasileira que altera o sistema de tributos. As alíquotas serão discutidas posteriormente.

O que foi aprovado nesta sexta-feira foram alíquotas de teste para a fase inicial da reforma.

A proposta atual determina três tipos de alíquotas: uma padrão (de valor integral), uma alíquota reduzida e a alíquota zero. As duas últimas serão aplicadas em para produtos considerados de importante uso para a população — como alguns medicamentos e serviços de educação.

Um dos objetivos dessas alíquotas diferenciadas é reduzir o custo de produtos da cesta básica.

Discute-se também a possibilidade de redução das alíquotas, caso a arrecadação do governo cresça. Existe também a possibilidade de cashback — devolução de dinheiro de parte dos impostos CBS e IBS a pessoas físicas.

O que fica para depois

A reforma prevê que 180 dias depois de promulgadas as atuais mudanças na lei, o Congresso deverá reformular também outros aspectos do sistema de tributos, como o imposto de renda (para pessoas físicas e para pessoas jurídicas) e a cobrança de impostos sobre dividendos, que por ora ficam iguais.

Fonte: BBC Brasil


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quarta-feira, 31 de maio de 2023

As críticas de presidentes de esquerda e direita às falas de Lula sobre Venezuela

Foto: reprodução
As alegadas violações de direitos humanos na Venezuela fizeram com que presidentes de diferentes orientações ideológicas se unissem e contestassem as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a situação no país vizinho.

As críticas foram feitas durante a cúpula de líderes sul-americanos convocada por Lula realizada na terça-feira (30/05).

Durante o evento, o presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de centro-esquerda, e o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de centro-direita, rebateram as declarações de Lula.

A cúpula convocada por Lula reuniu líderes de 11 dos 12 países da América do Sul.

A única presidente que não participou do evento foi a do Peru, Dina Boluarte - por questões judiciais, ela não pode se ausentar do país.

A iniciativa vem sendo apontada pela diplomacia brasileira como uma tentativa para que a região voltasse a ter um diálogo político após alguns anos de hiato.

A reunião também é vista como parte do esforço do governo do presidente Lula de ampliar seu papel de liderança regional após os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O encontro, porém, vem sendo marcado pelas polêmicas em torno da participação de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.

O governo liderado por ele é apontado por entidades vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) como responsável por graves violações de direitos humanos como tortura, execuções e perseguição a adversários políticos.

Historicamente, o governo venezuelano vem se defendendo alegando que as acusações fariam parte de uma campanha internacional contra o regime liderado por Maduro.

O pivô das controvérsias foram as declarações feitas por Lula na segunda-feira, quando recebeu Maduro com honras de chefe de Estado. Segundo Lula, a Venezuela teria sido alvo de uma narrativa construída.

"Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo", disse Lula.

O presidente brasileiro também afirmou que caberia a Maduro mudar a opinião pública internacional a partir de uma nova narrativa.

"Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabe que a Venezuela tem problema na democracia. É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você", disse o presidente brasileiro.

Nesta terça-feira, porém, líderes convidados por Lula reagiram às falas de Lula.


Presidente da Argentina, Alberto Fernandez (à esq.) ao lado do presidente chileno
Gabriel Boric - Foto: reprodução

O primeiro a se manifestar de forma crítica em relação ao episódio foi o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou. Ele é do Partido Nacional, um dos principais partidos de centro-direita do país, e é conhecido por defender pautas como a liberdade econômica e redução do tamanho do Estado.

Durante a reunião entre os chefes de Estado, Lacalle Pou transmitiu seu discurso pelas redes sociais e disse ter ficado "surpreso" com as declarações. Ele, no entanto, não citou nominalmente o presidente Lula.

"Fiquei surpreso quando foi dito que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre a Venezuela e o governo da Venezuela."

"Se há tantos grupos no mundo tentando mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que os direitos humanos sejam respeitados e não haja presos políticos, o pior a fazer é tapar o sol com a mão", disse o presidente uruguaio.

Não há informações sobre como Lula ou Maduro reagiram às falas de Lacalle Pou.

Mais tarde, foi a vez de Boric abordar o assunto. O presidente chileno tem 36 anos de idade e é uma político de esquerda que iniciou sua carreira política no movimento estudantil.

Ele disse que celebrou a participação da Venezuela na cúpula, mas afirmou que não poderia fazer "vista grossa" para a situação na Venezuela.

"Para muitos de nós é a primeira oportunidade que temos de compartilhar o mesmo espaço que o presidente Nicolás Maduro. E que a verdade é que nos alegra que a Venezuela retorne às instâncias multilaterais. Cremos que é nestes espaços que se resolvem os problemas", disse.

Boric, no entanto, disse abertamente discordar dos termos usados por Lula em sua menção à realidade venezuelana.

"Eu manifestei respeitosamente que tinha uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula ontem no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela era uma construção narrativa. Não é uma construção narrativa. É uma realidade que é séria e eu tive a oportunidade de ver a dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem em nossa pátria", disse Boric.

Violações de direitos humanos


As declarações de Boric e de Lacalle Pou acompanham o tom de crítica de parte da
comunidade internacional - Foto: reprodução

As declarações de Boric e de Lacalle Pou acompanham o tom de crítica de parte da comunidade internacional em relação à situação política na Venezuela.

Entidades como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder.

Os métodos incluiriam execuções, sequestros, estupros e prisão de opositores. Iniciado por Hugo Chávez, o grupo político de Maduro - o chavismo - está no poder na Venezuela desde 1999.

Segundo elas, o governo usaria o aparato de inteligência civil e militar para vigiar a sociedade civil, inclusive sindicalistas e membros da imprensa.

As acusações mais recentes de violação de direitos humanos ao governo Maduro foram em março deste ano pela Missão das Nações Unidas para Verificação de Fatos sobre a Venezuela (FFMV, na sigla em inglês).

A missão relatou a existência de pelo menos 282 presos por razões políticas no país, e apontou a permanência de um clima generalizado de medo por parte da população.

Jantar no Palácio da Alvorada

A reunião entre os líderes deverá se estender até o fim da tarde desta terça-feira. Alguns presidentes vão deixar o Brasil ainda hoje, como Gabriel Boric. Outros deverão participar de um jantar oferecido por Lula no Palácio da Alvorada.

A expectativa é de que boa parte dos presidentes que participaram da cúpula de hoje também façam parte de outro encontro convocado por Lula previsto para agosto, em Belém.

O encontro reunirá líderes dos países que compartilham o bioma amazônico.

Fonte: BBC Brasil / metrópoles


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terça-feira, 9 de maio de 2023

PL das Fake News: a redução de alcance de notícias que Google testou no Canadá e pode repetir no Brasil

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Quando o governo de Justin Trudeau, o primeiro-ministro progressista do Canadá, criou o chamado “Ato de Notícias Online”, em junho de 2022, a divulgada intenção do projeto de lei era dar aos veículos de imprensa do país uma remuneração toda vez que alguém clicasse em algum link jornalístico indicado em um buscador, como o Google, ou em redes sociais.

Mas, após a aprovação pela Câmara dos Deputados do país, em dezembro de 2022, o que aconteceu na internet canadense foi exatamente o oposto do que legisladores e o governo Trudeau esperavam.

Embora o texto legislativo ainda dependa de chancela do Senado para entrar em vigor, em fevereiro deste ano, o Google se antecipou e implementou por cinco semanas um teste que limitou o acesso a notícias online de 3,3% dos usuários do buscador da big tech no Canadá . Na prática, o conteúdo jornalístico desapareceu dos resultados de busca de mais de um milhão de pessoas no país ao longo desse período.

A revelação deste teste, no fim de fevereiro, enfureceu Trudeau e levantou a questão sobre se, forçadas a pagar por conteúdos que recomendam, as big techs poderiam simplesmente deixar de linká-las ou apresentá-las nas páginas dos usuários.

“Realmente me surpreende que o Google tenha decidido que era preferível impedir os canadenses de lerem notícias a pagar os jornalistas pelo trabalho que eles fazem”, afirmou Trudeau sobre o caso.

O Google nega que tenha feito o experimento para interromper o acesso do público a notícias como forma de ameaçar o governo Trudeau, protestar contra o novo projeto de lei ou burlar potenciais novos custos a seu negócio. Segundo a empresa, tratava-se de um estudo para explorar as prováveis novas condições de mercado.

“Testes orientados a hipóteses, do tipo AB, são padrão no espaço tecnológico. No Google, fazemos mais de 11,5 mil testes por ano por conta de qualquer pequena mudança ou novo recurso. Você precisa testar para ver como seus usuários reagem e como isso afeta seus produtos”, afirmou à BBC News Brasil Jennifer Crider, chefe global de Comunicações do Google.

“Neste caso específico, fizemos alguns testes porque o projeto de lei no Canadá mudará radicalmente o cenário de links de notícias no país. E não queríamos presumir que seríamos capazes de linkar (notícias) da mesma forma que fazíamos antes. O projeto de lei pode afetar nossa capacidade de fornecer nossos produtos e serviços aos canadenses. Como qualquer empresa que enfrenta incerteza sobre algo, esperamos obter informações desses testes para avaliar respostas e analisar como essas mudanças afetariam os canadenses e nossos produtos.”

O Google, porém, não informa o resultado do teste canadense nem de nenhum outro e diz não saber se estará passível a algum tipo de punição por causa da iniciativa no Canadá. Crider disse à BBC News Brasil que a empresa “reconhece que os legisladores do país ficaram surpresos”.


No Brasil, PL das fake news prevê mesmo tipo de remuneração pelas big techs aos
veículos de comunicação que o projeto de lei canadense - imagem: reprodução

No Canadá, no Brasil

A discussão no Canadá que, na semana passada, levou executivos da empresa a testemunhar no Congresso canadense, extrapola as fronteiras do país norte-americano e desembarca no Brasil graças ao PL2630, mais conhecido como PL das Fake News. O texto tem dividido o Congresso e a sociedade ao tentar estabelecer novas regras para o ambiente online brasileiro.

Embora o projeto de lei brasileiro atualmente em tramitação na Câmara seja muito mais amplo que o “Ato de Notícias Online”, e preveja, por exemplo, punições severas às plataformas que não derrubem conteúdos falsos ou criminosos mesmo sem ordem judicial para tal, ele também estabelece que as gigantes de tecnologia deverão pagar por links jornalísticos que sejam acessados a partir de suas plataformas — exatamente como o projeto de lei canadense.

Depois de ter sido aprovado para tramitação em regime de urgência, o PL das Fake News passou a enfrentar fortes resistências de big techs, influenciadores, youtubers, além de políticos principalmente da direita.

Na semana passada, acabou retirada da pauta de votação diante do alto risco de que fosse derrubada no plenário. Pesou especialmente a articulação do Google, que chegou a postar um link em sua página inicial cujo título era: “PL das Fake News pode piorar sua internet”. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), acusou o Google e as demais big techs de usarem de instrumentos de impulsionamento ou de limite do alcance de postagens para desvirtuar a discussão contra projeto de lei.

"Usar os seus instrumentos para impulsionar, atrapalhar ou cercear que a outra parte se movimente, e aí convergindo todos os meios que (as plataformas) detêm, com os algoritmos que possuem influência nos estados. A pressão foi horrível, desumana e mentirosa — o pior é isso", afirmou Lira, que é favorável à aprovação do PL, em entrevista à GloboNews.

"As big techs ultrapassaram todos os limites da prudência. Se a gente puder comparar, é como se tivessem impedido o funcionamento de um poder”, disse Lira. Os deputados favoráveis ao PL cogitam desmembrar a proposta em diferentes projetos para tentar aumentar sua viabilidade. As plataformas negam que tenham atuado para direcionar o debate público brasileiro.

Diante da similaridade das pautas e das reações dos parlamentares, a BBC News Brasil procurou o Google para entender se a plataforma poderia adotar no Brasil medida semelhante à adotada no Canadá — limitar acesso a notícias a seus usuários.

“Acho que uma das coisas que realmente devemos observar sempre que um projeto de lei é aprovado é se precisaríamos fazer alterações em nossos produtos. (Então a resposta é) Sim, talvez. Acho que essa (limitação de acesso a conteúdo jornalístico) é uma mudança potencial, mas pode haver outras mudanças que precisam ser feitas dependendo de como será o resultado final do projeto de lei. É muito difícil dizer de forma hipotética”, afirmou Jennifer Crider, chefe global de Comunicações do Google.

A conta é de quem?

Na justificativa para o projeto de lei canadense, o autor da medida, o ministro Pablo Rodriguez, responsável pela pasta de “Herança Canadense” (que abarca cultura, mídia, esportes), afirmou que, desde 2008, o Canadá havia perdido 450 veículos de imprensa e que, nos 12 anos anteriores à criação do projeto de lei, rádios, revistas, canais de televisão e jornais perderam quase US$ 3,7 bilhões (R$ 18 bi). Em contrapartida, apenas em 2020, anúncios online geraram US$7,1 bilhões (R$ 35 bi) em receitas — e 80% destes recursos se concentraram em apenas duas empresas.

O governo canadense, portanto, passou a identificar em buscadores e mídias sociais uma atividade predatória em relação aos veículos de comunicação. Enquanto os primeiros recebiam a audiência e os recursos de propaganda, os segundos definhavam tentando produzir conteúdo a ser explorado pelos gigantes da internet. A partir desse diagnóstico, o Canadá resolveu por meio da lei criar possibilidade de barganha para que a imprensa pudesse negociar melhores compensações das big techs.

“No final das contas, tudo o que pedimos aos gigantes da tecnologia é compensar os jornalistas quando eles usam seu trabalho. Os canadenses precisam ter acesso a notícias de qualidade baseadas em fatos nos níveis local e nacional, e é por isso que criamos o Online News Act. Os gigantes da tecnologia precisam ser mais transparentes e responsáveis ​​perante os canadenses”, afirmou Laura Scaffidi, secretário de comunicação do ministro Rodriguez.

A lei canadense não é inédita. Ela se inspira na experiência da Austrália, que, em 2021, se tornou o primeiro país a forçar Google e Facebook a remunerar o trabalho jornalístico — por meio de negociações diretas com as publicações ou com a intermediação de um árbitro que definiria o montante a ser pago.

No fim de 2022, o Departamento do Tesouro australiano publicou um relatório no qual classificou a aplicação da lei como “bem-sucedida” por ter gerado ao menos 30 acordos de remuneração à imprensa local e nacional. “Pelo menos alguns desses acordos permitiram que as empresas de notícias contratassem mais jornalistas e fizessem outros investimentos valiosos para auxiliar suas operações”, afirmou o relatório do Tesouro australiano.

No Brasil, a proposta de lei atual estabelece que terá direito à remuneração qualquer empresa em funcionamento há ao menos 24 meses, mesmo se individual (apenas um jornalista), que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”.

Caso o texto seja aprovado, a negociação poderá ser feita de forma individual entre veículos e empresas, ou de forma coletiva. A arbitragem estatal, porém, pode acontecer em caso de inviabilidade das negociações.

“Como já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”, diz nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ).

Mas os detalhes sobre quanto e como as big techs teriam que pagar seria estabelecido apenas por uma regulamentação posterior, tanto no Brasil como no Canadá.

A incerteza em torno do que a nova lei significa para os cofres das big techs é apenas um dos aspectos criticados pelas plataformas, que mencionam ainda a falta de definições e critérios claros sobre o que seria “conteúdo jornalístico”.


O atraso de uma definição sobre a lei tanto no Brasil quanto no Canadá interessa às
big techs, que defendem mais discussão - imagem: reprodução


“Colocar preços em links fundamentalmente quebra a internet como a conhecemos hoje, um espaço aberto, no qual você faz uma busca livre e a partir daí decide pra onde ir. O que nós somos é apenas um mecanismo para que as pessoas possam chegar onde querem ir. As analogias são todas meio ruins, mas é como se o taxista tivesse que pagar ao restaurante para te levar até lá. Mensalmente, enviamos 3,6 milhões de links que remetem aos veículos canadenses, o que equivale a US$250 milhões em valores para eles”, argumenta Crider.

As big techs ainda argumentam que o modelo de pagamentos por link pioraria a qualidade jornalística em si nos países em que é adotado, já que as publicações privilegiariam títulos sensacionalistas, grande profusão de links com materiais incompletos e “clickbaits” apenas para maximizar seus ganhos.

O atraso de uma definição sobre a lei tanto no Brasil quanto no Canadá interessa às big techs, que defendem mais discussão sobre os temas e trabalham por soluções alternativas que lhe pareçam mais favoráveis.

Em vez do caso australiano, o Google defende que os dois países adotem o que fez Taiwan. Em março deste ano, a empresa anunciou um fundo de quase US$10 milhões ao longo dos próximos três anos para incentivar a competição entre os veículos taiwaneses e desenvolvê-los.

Em meio a uma pressão crescente no Brasil e no mundo para que as plataformas compensem veículos jornalísticos, cujas receitas declinam a passos largos, a estratégia da empresa em Taiwan tem mostrado mais chances de atrair simpatia do público e dos governos do que a limitação de acesso a notícias testada no Canadá.

O próprio Google estima que as receitas de publicidade para meios de comunicação tradicionais caíram 70% de 2003 a 2020, mas diz que não é o causador do problema, e sim parte da solução.

Por Mariana Sanches


Fonte: BBC Brasil



quarta-feira, 3 de maio de 2023

5 pontos polêmicos do PL das Fake News

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A Câmara dos Deputados avalia um amplo — e controverso — projeto de lei que busca reforçar a regulamentação e fiscalização sobre plataformas digitais, como redes sociais, aplicativos de trocas de mensagens e ferramentas de busca. O texto estava previsto para ser votado na terça (2/5), mas foi adiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para evitar uma derrota do governo.

Popularmente conhecida como PL das Fake News ou PL 2630, a proposta pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

A discussão da matéria — que tramita na Câmara desde 2020, após ser aprovada no Senado — voltou a ganhar fôlego depois dos recentes ataques violentos em escolas e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Seu conteúdo, porém, é alvo de críticas.

Defensores da proposta dizem que a nova lei vai melhorar o combate à desinformação, ao discurso de ódio e a outros conteúdos criminosos no ambiente digital, enquanto opositores apontam riscos de as novas regras ferirem a liberdade de expressão.

Um ponto especialmente sensível é qual será o órgão responsável por fiscalizar a aplicação de lei e, eventualmente, punir as plataformas, já que críticos temem algum tipo de censura. A proposta estabelece multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil, caso a lei não seja cumprida.

Mas as novas regras contra conteúdos criminosos não são a única polêmica. O texto que tramita na Câmara também trouxe dispositivos novos em relação ao aprovado no Senado, ampliando o escopo do PL. A nova versão da proposta prevê, por exemplo, que grandes empresas de tecnologia remunerem os autores de conteúdo jornalístico e artístico compartilhados em suas plataformas.

Essa medida é apoiada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e artistas como Marisa Monte, Glória Pires e Caetano Veloso.

Por outro lado, grandes empresas afetadas (big techs), como Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) e Google (também dono do YouTube), dizem que a forma como o PL estabelece essas remunerações obrigatórias pode inviabilizar a oferta de serviços gratuitos, como ocorre hoje.

A votação da proposta na Câmara será uma oportunidade para medir o tamanho da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que apoia a aprovação do PL. Já a oposição mais ferrenha vem de parlamentares bolsonaristas.

Caso a proposta receba o aval da Câmara, ainda terá que ser aprovada novamente no Senado, antes de seguir para sanção presidencial.

Entenda a seguir cinco pontos especialmente sensíveis do projeto de lei.


Combate a conteúdo criminoso ou risco de censura?


Ministro Alexandre de Moraes levou propostas para a PL das Fake News para
o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - Foto: reprodução

O PL das Fake News cria novas regras para a moderação de conteúdo por parte das plataformas digitais, que poderão ser punidas com elevadas multas se não agirem “diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços”. Essa nova abordagem é inspirada em uma legislação mais dura recentemente adotada pela União Europeia, a Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês).

Segundo as regras atuais brasileiras, estabelecidas no Marco Civil da Internet, as big techs não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e compartilhado em suas plataformas. Dentro desse princípio, as empresas só são obrigadas a excluir conteúdos no Brasil em caso de decisão judicial.

Se o projeto de lei for aprovado, as plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente pela circulação de conteúdos que se enquadrem nos seguintes crimes já tipificados na lei brasileira: crimes contra o Estado Democrático de Direito; atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo; crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; crimes contra crianças e adolescentes e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes; racismo; violência contra a mulher; e infração sanitária, por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.

De acordo com o PL das Fake News, são duas as situações em que as empresas podem ser punidas pela circulação desses conteúdos criminosos:

1) quando esse conteúdo for patrocinado ou impulsionado (ou seja, a plataforma receber algum pagamento para a exposição desse material);

2) quando as empresas falharem em conter a disseminação de conteúdo criminoso, obrigação prevista em seu “dever de cuidado”, um dos conceitos importados da legislação europeia (entenda melhor ao longo da reportagem).

Segundo o PL das Fake News, as plataformas terão que produzir “relatórios de avaliação de risco sistêmico e transparência”, que serão usados para fiscalizar se as empresas estão cumprindo determinadas obrigações, como evitar a difusão de conteúdos ilícitos e garantir o direito à liberdade de expressão, de informação e de imprensa.

E, caso seja identificado “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais” ou “descumprimento das obrigações estabelecidas na seção da avaliação de risco sistêmico”, poderá ser acionado um “protocolo de segurança pelo prazo de até 30 dias, procedimento de natureza administrativa cujas etapas e objetivos deverão ser objeto de regulamentação próprio”.

É durante a vigência desse protocolo que as plataformas poderão ser punidas se falharem no seu “dever de cuidado”. E, para identificar se houve falha, o órgão fiscalizador vai analisar notificações dos próprios usuários sobre conteúdos criminosos disseminados na plataforma. O PL prevê que não haverá punição por casos específicos, mas por eventual falha generalizada em conter esses conteúdos denunciados por usuários por meio das notificações.

A incorporação de conceitos da legislação europeia pelo PL brasileiro é considerada positiva pelo jurista Ricardo Campos, professor na Universidade Goethe, em Frankfurt e diretor do LGPD (Legal Grounds for Privacy Design), instituto voltado à proteção de dados. Na sua visão, isso vai dificultar que as empresas argumentem que não é possível seguir a lei, caso o PL seja aprovado.

“Essa versão (do projeto de lei) está se orientando nos pilares centrais do regulamento europeu. E isso é ruim para as plataformas porque, se passar (a aprovação do PL), como na Europa vai seguir a lei e no Brasil não?”, ressaltou.

As grandes empresas, por sua vez, dizem que incertezas sobre o que se enquadraria na lei poderão levar a retirada de conteúdos legítimos.

“Sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, as empresas seriam estimuladas a remover discursos legítimos, resultando em um bloqueio excessivo e uma nova forma de censura”, disse o Google, em uma manifestação.

“Quando pensamos no YouTube ou na Busca do Google, que já têm mecanismos de denúncia disponíveis para usuários, a redação atual do PL 2630 cria um sistema que pode incentivar abusos, permitindo que pessoas e grupos mal-intencionados inundem nossos sistemas com requerimentos para remover conteúdos sem nenhuma proteção legal”, reclama ainda a empresa.

Na véspera da votação da proposta, o Google apresentava em sua página inicial um link para um hotsite que reunia manifestações da empresa contra o projeto de lei, com a chamada “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.

Relator do projeto de lei na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) reagiu à medida.

“É o maior jogo sujo já feito por uma empresa para interferir em um debate político. O Google mancha sua marca com o sangue de crime estimulado pelas plataformas. PL 2630 PELAS CRIANÇAS!”, tuitou.

Quem vai fiscalizar?

Outro ponto alvo de intenso debate é qual órgão, afinal, será responsável por fiscalizar a aplicação da lei e, eventualmente, punir as empresas.

Inicialmente, o PL dava ao Poder Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma de supervisão, que poderia instaurar processos administrativos e aplicar sanções.

Devido à forte resistência de parte da Câmara, em especial de parlamentares bolsonaristas, isso foi retirado da última versão apresentada pelo relator.

Opositores da medida diziam que esse órgão, ao ser criado pelo governo, seria uma espécie de “Ministério da Verdade”, em referência à instituição descrita no livro 1984, de George Orwell, que controlava de forma autoritária a circulação de informação.

“Sabe esses protestos contra Lula em Portugal, feitos pelos portugueses no Parlamento e nas ruas que vocês estão vendo em vários perfis nas redes sociais? Então, se o PL das Fakes News passar, com apenas UMA DENÚNCIA na sua publicação, o ‘Ministério da Verdade’ que será criado com a lei, irá remover sua publicação”, criticou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), sem explicar como o projeto de lei permitiria isso.

Defensores da proposta tem rebatido esse discurso nas redes sociais. “Pra tentar chamar o #PL2630 de ‘censura’, a extrema direita recorta trechos e joga na tela, sem qualquer interpretação. Não há ‘ministério da verdade’, há sim o órgão regulador, como diversos países da União Europeia estão fazendo. Esse órgão NÃO PODE DERRUBAR CONTEÚDO NENHUM!”, tuitou o influenciador Felipe Neto.

À BBC News Brasil, Orlando Silva disse estar em negociação com os deputados para que outro órgão seja apontado como responsável pela fiscalização. Segundo ele, uma proposta que tem ganhado força é dar essa atribuição à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A mudança, porém, é considerada negativa pela Coalizão Direitos na Rede, grupo que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil.

“Críticos ao projeto lançaram acusações equivocadas e sem fundamento de que isso (a nova entidade autônoma de supervisão) seria um órgão para dar poder ao governo de dizer o que é e o que não é verdade. Na proposta, essa autoridade teria autonomia e espaços em que diferentes setores poderiam participar das decisões importantes”, ressalta a Coalizão em nota sobre o tema.

Para o grupo de organizações, a Anatel não tem expertise para atuar na regulamentação de plataformas, já que mexe com infraestrutura de telecomunicação e não com gerenciamento de conteúdo.

“A Anatel é historicamente refratária à participação da sociedade civil, o que é incompatível com o modelo de governança multissetorial e colaborativa da internet no país. O que precisamos é de um órgão independente com um conselho multissetorial deliberativo”, diz ainda a Coalizão.


Relator do projeto de lei na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP),
durante debate - Foto: reprodução

Imunidade parlamentar

Também gerou polêmica a inclusão no PL de uma proteção às manifestações de congressistas nas plataformas digitais.

A Constituição estabelece que “Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. A última versão do projeto de lei prevê que essa imunidade parlamentar constitucional “estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada”.

Críticos dizem que a medida dificultará que plataformas digitais removam conteúdos indevidos publicados por parlamentares.

“Parece uma autorização para que os parlamentares, que são grandes propagadores de desinformação, continuem usando suas redes para distribuir essa desinformação”, disse à Agência Brasil Ramênia Vieira, coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Já a Coalizão Direitos na Rede não vê problema na medida.

“O texto reitera o princípio da imunidade parlamentar já estabelecido na Constituição que protege deputados(as) e senadores(as) por suas opiniões, palavras e votos. No texto do PL 2630, reitera-se a imunidade parlamentar material, ou seja, que abrange apenas dentro do exercício do cargo”, avalia a Coalizão em nota.

“Dessa forma, o texto da lei não expande a imunidade já prevista nos termos da Constituição, apenas reitera que as proteções existentes valem também para as manifestações digitais. Além disso, em caso de ação judicial, o alcance dessa proteção fica sujeita à interpretação do STF”, diz ainda a Coalizão.


Projeto prevê que imunidade parlamentar também valha nas redes
sociais - Foto: reprodução

Remuneração de conteúdo jornalístico

Durante a tramitação na Câmara, o PL das Fake News passou a prever que as empresas remunerem conteúdos jornalísticos que circularem em suas plataformas.

A proposta estabelece que terá direito à remuneração qualquer empresa em funcionamento há ao menos 24 meses, mesmo se individual (apenas um jornalista), que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”.

Caso o texto seja aprovado, a negociação poderá ser feita de forma individual entre veículos e empresas, ou de forma coletiva.

Os detalhes sobre como isso será feito, porém, serão fixados em regulamentação posterior. Mas o PL estabelece que essa regulamentação “disporá sobre arbitragem em casos de inviabilidade de negociação entre provedor e empresa jornalística” e “deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias, na forma do regulamento”.

“Como já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”, diz nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ).

O projeto de lei estabelece ainda que “o provedor não poderá promover a remoção de conteúdos jornalísticos disponibilizados com intuito de se eximir da obrigação de que trata este artigo (a remuneração), ressalvados os casos previstos nesta Lei, ou mediante ordem judicial específica”.

Críticos desse trecho consideram que ele blinda empresas jornalísticas de terem conteúdo removido, em caso de desinformação, por exemplo. Hoje, as plataformas removem por conta própria conteúdos que firam suas diretrizes internas.

Plataformas terão que remunerar os veículos de notícia por qualquer conteúdo noticioso que os usuários publiquem. Isso significa que as plataformas serão obrigadas a remunerar inclusive veículos propagadores de notícias falsas. O projeto de lei também proíbe que as plataformas removam este tipo de conteúdo, portanto, o PL cria um ‘custo compulsório’ para as redes. Pior: qualquer veículo que exista há dois anos - e mesmo que seja uma empresa individual - terá que ser remunerado”, criticou por meio de nota a Câmara Brasileira da Economia Digital, que tem entre seus associados empresas como Google, TikTok e Meta.

Em um comunicado próprio, a Meta diz ainda que a falta de uma definição sobre o que é “conteúdo jornalístico” cria riscos. “Isso pode levar a um aumento da desinformação, e não o contrário. Imagine, por exemplo, um mundo em que pessoas mal intencionadas se passam por jornalistas para publicar informações falsas em nossas plataformas e sermos forçados a pagar por isso”, disse a empresa em um comunicado.

Como alternativa ao proposto no PL, o Google defendeu “a possibilidade de um fundo de inovação para o jornalismo, administrado de forma independente, que inclua contribuições de empresas de tecnologia”.

“Um fundo como esse pode ajudar a garantir a sustentabilidade e independência ao modelo de fomento do jornalismo de qualidade no Brasil. Esse fundo poderia oferecer financiamento de acordo com critérios mensuráveis e claramente definidos, benefícios para toda a indústria – em vez de apenas alguns veículos ou grupos específicos, e pode estar sujeito a supervisão independente, impedindo a tomada de decisões políticas”, defendeu ainda a empresa.

Novidade da última versão do PL é a previsão de novas regras para remuneração de conteúdo protegidos por direitos autorais, como músicas e vídeos


Novidade da última versão do PL é a previsão de novas regras para remuneração de
conteúdo protegidos por direitos autorais, como músicas e vídeos - Foto: reprodução

Remuneração de direitos autorais

Outra novidade da última versão do PL é a previsão de novas regras para remuneração de conteúdo protegido por direitos autorais, como músicas e vídeos. Artistas têm realizado ampla campanha nas redes sociais a favor da aprovação desse ponto.

“Quando a profissão dos atores foi regulamentada 45 anos atrás não existia internet. O ator recebia para trabalhar numa novela, numa série, e isso era exibido uma única vez, ia ao ar, e pronto. E hoje em dia, com a internet, o que acontece é que nosso trabalho fica disponível ad infinitum”, disse o ator Caio Blat ao canal CNN Brasil.

“Com as novas plataformas, você pode assistir novelas antigas, filmes antigos, filmes novos, e essas imagens vão ficar disponíveis infinitamente para assinantes, e vendendo publicidade, e os atores não recebem seus direitos autorais, os direitos conexos, referentes a sua própria imagem, a sua própria voz, ao seu trabalho de interpretação que está fixado ali” afirmou ainda o ator.

O projeto de lei, porém, prevê que uma regulamentação futura vai abordar “os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do conteúdo nacional, regional, local e independente”. A novidade também provocou reação das empresas.

“A última versão do projeto propõe, pela primeira vez durante toda a tramitação do PL 2630, uma complexa mudança no sistema de direitos autorais, que não se relaciona com o restante do escopo do projeto, que é o combate à desinformação”, criticou a Câmara Brasileira da Economia Digital.

Qualquer alteração nesta Lei, ainda que necessária, deve ser precedida de amplo debate público. Caso contrário, aumentam-se as chances de incertezas jurídicas e prejuízo ao que já foi construído até hoje”, defendeu ainda a instituição que representa empresas do setor.

Fonte: BBC Brasil