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domingo, 14 de fevereiro de 2021

COVID-19 no Brasil: muito além da biopolítica

Imagem: Reprodução

Richard Horton propôs a importância da biopolítica de Foucault como conceito para a compreensão do COVID-19. Ao elogiar seu comentário, acrescentamos que em países como o Brasil, o COVID-19 não é apenas sobre a política do corpo, mas sobre a política da morte.

Em meio a uma crise que não é apenas econômica, mas também política e ética, o Brasil tem se destacado por suas ações governamentais desastrosas na batalha contra o COVID-19: Uma tentativa frustrada de privatizar a atenção primária à saúde durante a pandemia, a ausência de um plano nacional de resposta minucioso, graves falhas logísticas na campanha de vacinação e o forte negacionismo científico na alta administração governamental.

A Necropolítica de Achille Mbembe explica o que está acontecendo no Brasil. A ideia da necropolítica, que descreve como as condições de risco, doença e morte operam seletivamente em favor das políticas econômicas neoliberais, reflete as narrativas nutridas que têm afetado predominantemente populações pobres, negras e indígenas. Na periferia mundial, o COVID-19 ampliou especialmente as consequências deletérias das políticas de austeridade. Enquanto os EUA, o Reino Unido e outros países aumentaram os gastos sociais em resposta à pandemia, o Governo brasileiro optou por fortalecer políticas econômicas que impossibilitaram grande parte da população de isolar-se adequadamente — 40% da força de trabalho brasileira está empregada no setor informal. No Brasil, as políticas monetárias voltadas para o setor financeiro somaram cerca de US$ 230 bilhões, as iniciativas fiscais voltadas para os impactos sociais da pandemia receberam menos da metade dessa soma.

Decidir seletivamente quem deve pagar pelos impactos da pandemia, forçando as pessoas pobres a escolher entre fome ou contaminação em um estado de morte viva, foi naturalizada sob o argumento de sustentar a economia. O "E daí?" do presidente Jair Bolsonaro em resposta ao crescente número de casos de COVID-19 sugere as políticas sistemáticas implementadas durante sua presidência para enfraquecer as instituições, criando um cenário diferente e muito mais dramático do que o controle biopolítico. No Brasil, a frágil administração pública tem sido incapaz de combater tanto as crises socioeconômicas quanto as de saúde, deixando um rastro prejudicial de fome, violência e doença, "subjugando a vida ao poder da morte". Assim, a resposta pandêmica do Brasil não pode ser avaliada apenas através da lente biopolítica.

A comunidade internacional de saúde, além de ter o papel de questionar o protecionismo econômico em vista da preservação da vida, deve ampliar sua análise da pandemia de COVID-19 para entender o que está acontecendo em regiões subdesenvolvidas, em particular, para descolonizar o conhecimento e apreender plenamente particularidades geopolíticas e territoriais. Com mais de 227.500 vidas perdidas para a COVID-19, a partir de 4 de fevereiro de 2021, podemos dizer que a necropolítica está, ironicamente, viva no Brasil.

Fonte: The Lancet