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sábado, 20 de abril de 2024

O LADO 'NEGRO' DO BRASIL! Trabalho doméstico infla crescimento da nova ‘lista suja’ da escravidão

Imagem: reprodução

Cadastro apresenta nomes de empregadores flagrados ao escravizar trabalhadores. Lista incluiu 248 novos patrões, número recorde, chegando a 654 responsabilizados. Trabalho doméstico e pecuária lideram os recém-chegados

TRABALHO EM ÂMBITO doméstico é a atividade com o maior número de novos nomes da atualização da “lista suja” do trabalho escravo, como é conhecido o cadastro de empregadores responsabilizados por esse crime, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na sexta-feira (5). 

A escravidão doméstica, que inclui a exploração de domésticas, caseiros e cuidadores, representa 43 dos 248 novos relacionados, nesta que é a maior inserção de empregadores já registrada desde a criação da base de dados, em novembro de 2003. Em segundo lugar, ficou a criação de animais, incluindo fornecedores da JBS.

O novo cadastro ainda traz uma tradicional churrascaria da capital paulista, a Ponteio, e a empresa terceirizada que escravizou 210 trabalhadores que atendiam vinícolas gaúchas, em caso que ficou nacionalmente conhecido no ano passado. Veja a lista completa.

Com isso, a lista chega a um total de 654 patrões responsabilizados. Os nomes são incluídos após os autuados exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa e lá permanecem por dois anos. Nesta atualização, 50 empregadores saíram após cumprirem esse prazo. A lista é consultada por empresas, bancos e setor financeiro para gerenciamento de risco.

Entre os nomes, está o de André Luiz Mattos Maia, apontado como empregador de Maria de Moura. Ela foi resgatada pelo grupo especial de fiscalização móvel, em 2022, aos 85 anos, após ser submetida a 72 anos de condições análogas às de escravo – um recorde em termos de escravidão contemporânea. Passou por três gerações de uma mesma família, no Rio de Janeiro, cuidando da casa e de seus moradores.

Segundo a fiscalização, seus pais trabalhavam em uma fazenda no interior do estado que pertencia à família Mattos Maia. Aos 12 anos, ela se mudou para a residência do casal proprietário a fim de realizar serviços domésticos. Quando faleceram, migrou para a casa da filha deles, onde manteve suas atividades, incluindo o cuidado com as crianças.

Em março deste ano, André Mattos Maia e sua mãe se tornaram réus na Justiça Federal por escravizar Maria. Se condenados, podem pegar de dois a oito anos de cadeia, de acordo com o artigo 149 do Código Penal. A Repórter Brasil tentou contato com ele por telefone e e-mail, mas não recebeu retorno.

Alexandre Lyra, auditor fiscal do trabalho que coordenou a ação, afirmou que o empregador se justificou de que os serviços domésticos dela não eram trabalho, mas uma colaboração voluntária no âmbito familiar.

“Em casos como este ouvimos sempre a afirmação de que a vítima é ‘como se fosse da família’. Mas para essa pessoa da família não foi permitido estudo, nem laços de amizade externos ou mesmo conduzir a própria vida. Essa pessoa da família dorme em um sofá, em um espaço improvisado como dormitório em uma antessala do quarto da empregadora, de quem ela era cuidadora”, disse.

Nos últimos anos, os casos de libertações de domésticas escravizadas tiveram ampla visibilidade na imprensa. Com isso, vizinhos começaram a perceber que trabalhadoras de residências do mesmo bairro estavam em condição similar e denúncias cresceram. Os primeiros dois resgates ocorreram em 2017, depois foram mais dois em 2018, cinco em 2019, três em 2020, 31 em 2021 e 2022 e 41, em 2023, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego.

Fornecedores de gado da JBS e Mercúrio entram para ‘lista suja’ da escravidão

A pecuária foi a segunda atividade com mais nomes incluídos na nova lista, com 37 patrões. Esse dado inclui a criação de gado de corte (22), leiteiro (6), suínos (3), entre outras atividades.

A inclusão de, ao menos, dois fornecedores da JBS na “lista suja” ocorre no momento em que a empresa se defende de acusações de “greenwashing” nos Estados Unidos, por suposta propaganda climática enganosa. A multinacional de origem brasileira quer entrar na bolsa de valores de Nova York. Procurada, a empresa disse que bloqueou a compra de gado das fazendas flagradas após a publicação da lista suja (leia mais abaixo).   

Com fazendas no Sul do Pará e no Mato Grosso, Marcos Borges de Araújo é um deles. Quatro trabalhadores que construíam cercas de duas fazendas arrendadas por ele, Pedra Preta e Futura, em São Félix do Xingu (PA), dormiam em um galinheiro com chão de terra batida e em um paiol de ferramentas. 

A água da chuva alagava o local e deixavam o chão enlameado, segundo os auditores fiscais do Ministério do Trabalho responsáveis pela fiscalização. No mesmo local que dormiam, ficavam guardadas as ferramentas de trabalho. Os quatro também não tinham banheiro. Faziam suas necessidades no mato e tomavam banho em um córrego.  

“Sem essas estruturas, direitos fundamentais básicos – como privacidade, saúde e higiene – eram negados aos trabalhadores”, consta no relatório de fiscalização. A situação favorecia a disseminação de insetos e a contaminação de doenças. O relatório detalha outras violações em 358 páginas e está disponível desde 2018, quando a fiscalização foi realizada.

Mesmo depois da fiscalização, com o produtor rural autuado pelo Ministério do Trabalho, a JBS seguiu comprando de diversas fazendas de Marcos Borges de Araújo no Sul do Pará. Entre 2018 e 2023, as fazendas Veluma, em Cumaru do Norte, Cachoeira e São Domingos Sávio, ambas em Repartimento, enviaram pelo menos 11 mil animais para abatedouros em Redenção e Santana do Araguaia. 

As duas fazendas flagradas com trabalho escravo não enviaram animais diretamente para a JBS. Mas, segundo documentos de trânsito animal acessados pela Repórter Brasil, uma delas, a fazenda Pedra Preta, mandou mais de 15 mil cabeças de gado para engorda nas três propriedades fornecedoras do frigorífico, considerando somente o período após o flagrante de fiscalização. 

Em nota, a JBS disse que as fazendas Pedra Preta e Futura foram automaticamente bloqueadas assim que divulgada a atualização da “lista suja”,  seguindo a “Política de Compra Responsável de Matéria-Prima da JBS e o Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado do Ministério Público Federal e do Imaflora”. A JBS informou que as outras duas fazendas de Araújo já estavam bloqueadas desde 2022, mas não respondeu se iria bloquear o pecuarista.

O advogado de Marcos Borges de Araújo, Walteir Gomes Rezende, nega que o seu cliente tenha relação com o caso de trabalho escravo. Ele alega que Araújo era arrendatário da área, não dono da fazenda, e que o flagrante de escravidão envolveu trabalhadores que faziam serviços para os proprietários das fazendas. “Inclusive são esses os fundamentos da defesa”, diz o advogado. 

Araújo também enviou um posicionamento. “Não aceitamos a imputação de submissão dos trabalhadores à condição análoga à de escravo, tendo apresentado todas as defesas pertinentes. Serão tomadas as medidas judiciais cabíveis em face dos  procedimentos administrativos”.


JBS continuou comprando gado do pecuarista Marcos Borges de Araújo,
mesmo após flagrante de trabalho escravo em uma fazenda que ele
arrendava - Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil - reprodução

Barraco na mata

Além de Araújo, a Repórter Brasil identificou outros pecuaristas flagrados com trabalho escravo e fornecedores de frigoríficos da JBS e do Mercúrio. De acordo com os documentos de trânsito animal obtidos pela reportagem, os envios dos animais ocorreram antes dos flagrantes de escravidão.

É o caso da Agropecuária Rio Aratau, que esteve entre os fornecedores da maior processadora de carne do mundo. A Fazenda Aratau, em Tucuruí (PA), enviou 252 bois para o frigorífico da JBS em Marabá (PA) em janeiro e fevereiro de 2021. Já o flagrante de trabalho escravo ocorreu em dezembro de 2021 na Fazenda Aratau, de Novo Repartimento (PA), que pertence ao mesmo grupo. 

Os cinco trabalhadores resgatados dormiam em um barraco de lona localizado na mata, que tinha “piso de terra e sem parede de proteção contra intempéries ou da presença de animais peçonhentos”, segundo os auditores-fiscais do Trabalho responsáveis pela fiscalização. 

Eles também não tinham banheiro e preparavam os alimentos em uma fogueira no chão e consumiam água em uma grota, que apresentava “coloração turva, odor fétido e material suspenso”. Em nota, a JBS afirmou que a fazenda está bloqueada na lista de fornecedores desde 2021.

A Agropecuária Aratau também forneceu animais para o frigorífico Mercúrio, entre 2020 e 2021. A Fazenda Aratau de Tucuruí enviou mais de 200 animais para a planta em Castanhal. Já a propriedade em Novo Repartimento, onde houve o resgate dos trabalhadores, vendeu gado diretamente à unidade da Mercúrio em Xinguara em 2020.

A reportagem tentou entrar em contato com a Agropecuária Rio Aratau, mas não obteve retorno até o fechamento do texto. O espaço permanece aberto para manifestação da empresa. 

Outro fornecedor da Mercúrio flagrado submetendo trabalhadores à escravidão é Rogério Pirschner. Entre 2020 e 2022, o abatedouro da empresa em Castanhal (PA) comprou ao menos 200 animais de duas fazendas de Pirschner, a Valeriense e a Chapadão, nas cidades paraenses de Breu Branco e Baião. 

Em junho de 2023, três trabalhadores foram resgatados de uma outra fazenda de Pirschner em Baião, a Fazenda Três Irmãos. Os trabalhadores viviam em um barraco com teto e paredes de lona plástica e telha de amianto. Sem acesso à água potável, tinham que usar uma mina compartilhada com outros animais da fazenda, inclusive bois.

O advogado de Pirschner, Apoena Valk, disse que o pecuarista não recorreu da autuação, assumiu as irregularidades e pagou as multas. Segundo o advogado, os trabalhadores resgatados estavam construindo a sede da fazenda. 

O frigorífico Mercúrio informou que irá suspender imediatamente os fornecedores listados, independentemente de terem cadastro ativo ou não junto ao frigorífico. “Prezamos e seguimos rigorosamente o Protocolo Boi na Linha e o Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público Federal”, afirmou, em nota.

Obstáculos à JBS

Lançada há 20 anos no primeiro governo Lula, a “lista suja” do trabalho escravo” é atualizada semestralmente com a entrada e a saída de nomes – a última atualização foi em outubro passado. Na ocasião, cinco fornecedores da JBS entraram na lista – que também foram bloqueados pela empresa na época.

As violações trabalhistas de fornecedores da JBS se somam às violações ambientais e a casos de corrupção envolvendo a empresa, e podem ser mais um obstáculo na tentativa da gigante multinacional brasileira para listar suas ações na Bolsa de Nova York. A empresa é questionada por ambientalistas e políticos nos EUA por vender um discurso ambiental que não coincide com a realidade (prática conhecida como “greenwashing”). 

Em setembro, 16 organizações ambientalistas de bem-estar animal e de defesa dos direitos dos povos indígenas enviaram uma carta aberta à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) e a mais de 200 investidores alertando sobre os riscos climáticos e sociais ligados às práticas da JBS, como parte de uma campanha para impedir que a empresa acesse o mercado de capitais norte-americano.

Na própria “declaração de inscrição” enviada à SEC americana, a JBS reconhece uma série de riscos socioambientais em seu modelo de negócio. “A criação de gado e outros animais está por vezes associada ao desmatamento, invasão em terras indígenas e em áreas de proteção e outras irregularidades ambientais e de direitos humanos”, conforme consta na página 43 do documento, em tradução livre.

Ainda discorrendo sobre os riscos relacionados ao negócio, a companhia acrescenta que, se for “incapaz de garantir” que seus fornecedores estejam em conformidade com todas as leis e regulamentos ambientais e de direitos humanos, a JBS está sujeita “a multas e penalidades”, o que pode “afetar sua imagem e resultados operacionais”.

Churrascaria conhecida

Entre os novos nomes incluídos na lista suja está o da churrascaria Ponteio, uma das mais tradicionais de São Paulo. A fiscalização encontrou 14 trabalhadores em situação análoga à escravidão em agosto de 2023.

Os trabalhadores foram encontrados por auditores e agentes da Polícia Federal em um alojamento anexo à unidade do restaurante no Jaguaré, na zona oeste da capital. O local abrigava funcionários nordestinos que foram agenciados por uma empresa terceirizada para a churrascaria.

Segundo o auto de infração ao qual a reportagem teve acesso, os trabalhadores dormiam em uma ambiente sujo, com beliches de cimento sem roupa de cama. Ainda segundo o relatório, havia apenas um chuveiro com pouca vazão, o que os obrigava a tomar banho frio. Os fiscais descreveram as condições do espaço como “aviltantes, indignas e incompatíveis com o local de repouso de um ser humano”.

Gerente da unidade no Jaguaré, Vadaer da Silva Soares afirmou à Repórter Brasil que todas as irregularidades apontadas pela fiscalização já foram resolvidas e os funcionários, indenizados. “Tivemos acompanhamento do Ministério Público e de assistentes sociais, e todas as indenizações que o Ministério Público determinou foram pagas. A situação descrita pelo relatório não procede. Todos os funcionários têm carteira assinada, o alojamento fica a cinco minutos a pé da churrascaria, é uma casa, com televisão, geladeira e todas as funcionalidades, todos funcionários têm livre acesso ao espaço.”

Vinícolas ficaram de fora

O resgate de 210 pessoas do trabalho escravo na cadeia produtiva do vinho na serra gaúcha, em fevereiro de 2023, também entrou para a nova “lista suja” por conta de um dos prestadores de serviço das vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.

Os trabalhadores denunciaram que foram vítimas de ameaças e maus tratos, incluindo o uso de choques elétricos e spray de pimenta. Eles trabalhavam para a empresa prestadora de serviço Fênix Serviços de Apoio Administrativo, incluída nesta atualização da “lista suja”.

As três vinícolas não foram incluídas na relação porque não foram autuadas como as responsáveis pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Já o Ministério Público do Trabalho fechou um Termo de Ajustamento de Conduta com as três para pagar indenizações por dano moral aos trabalhadores e garantir que situações semelhantes não voltem a acontecer.

A operação teve início após um grupo fugir de um alojamento sem condições de higiene onde, segundo relataram, sofriam agressões. Vigilância armada era usada para garantir que tudo permanecesse do jeito que o patrão queria.

Eles já chegavam com dívidas de alimentação e transporte e, no alojamento, tinham que comprar produtos a preços muito acima do valor de mercado. Tudo isso era anotado como dívida, o que prendia os trabalhadores aos patrões. Dos resgatados, 93% nasceram na Bahia, 95% se declaram negros e 61% não concluíram o ensino fundamental ou são analfabetos. Todos eram homens. 

Na época, as vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi informaram à imprensa que não tinham conhecimento do ocorrido, que não compactuam com a situação trabalhista encontrada e que os contratos com a empresa Fênix eram apenas para carga e descarga de uvas. O caso teve repercussão internacional.

A Fênix foi procurada pela Repórter Brasil, mas ainda não retornou.

Sobre a ‘lista suja’ do trabalho escravo


Foto: Lilo Clareto / Repórter Brasil - reprodução

Prevista em portaria interministerial, a “lista suja” inclui nomes de responsabilizados em fiscalização do trabalho escravo, após os empregadores se defenderem administrativamente em primeira e segunda instâncias.

Os empregadores – pessoas físicas e jurídicas – permanecem listados por dois anos. Apesar de a portaria que prevê a lista não obrigar a um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas brasileiras e estrangeiras para seu gerenciamento de risco. Isso tornou o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.

Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade da “lista suja”, por nove votos a zero, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

A ação sustentava que o cadastro punia ilegalmente os empregadores flagrados por essa prática ao divulgar os nomes, o que só poderia ser feito por lei. A corte afastou essa hipótese, afirmando que o instrumento garante transparência à sociedade. E que a portaria interministerial que mantém a lista não representa sanção – que, se tomada, é por decisão da sociedade civil e do setor empresarial.

O relator destacou que um nome só vai para a relação após um processo administrativo com direito à ampla defesa.

Trabalho escravo hoje no Brasil

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 63 mil trabalhadores foram resgatados. Participam desses grupos, além da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Defensoria Publica da União.

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT.

POR ISABEL HARARI, DANIEL CAMARGOS, HÉLEN FREITAS, PAULA BIANCHI, DIEGO JUNQUEIRA E LEONARDO SAKAMOTO

Fonte: reporterbrasil


quinta-feira, 11 de abril de 2024

Bancada ruralista ignora ciência para defender ultraprocessados no Congresso

Imagem: reprodução


Parlamentares colocam em xeque o conceito de ultraprocessados para travar políticas públicas que limitam o consumo desses produtos, associados a mais de 57 mil mortes precoces anuais no Brasil.

NUGGETS, SUCO EM PÓ, salgadinho de pacote, miojo e bolacha. Os chamados alimentos “ultraprocessados” representam uma ameaça à saúde, como mostram os estudos científicos mais recentes. 

No entanto, a bancada ruralista no Congresso Nacional vem abraçando a tese de que esses produtos não são tão ruins assim. Com assessoria técnica de um instituto financiado pela indústria de alimentos e por associações do agronegócio, eles defendem que os ultraprocessados podem até ser saudáveis e não devem ser restringidos por políticas públicas. 

Repórter Brasil identificou ao menos seis projetos de lei (PLs) em que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, tentou interferir para beneficiar os fabricantes de ultraprocessados nos últimos cinco anos. 

A FPA reúne 374 deputados e senadores, três quintos do Congresso. O discurso a favor dos ultraprocessados contraria uma série de evidências científicas que associam o consumo de produtos do tipo a 32 problemas de saúde, como câncer, diabetes e obesidade, e a 57 mil mortes precoces ao ano só no Brasil. A classificação de alimentos de acordo com seu grau de processamento é adotada pelo Ministério da Saúde desde 2014.

Quando um projeto de lei menciona o termo “ultraprocessados”, a bancada ruralista usa seus “resumos executivos” – documentos de orientação – para dar pareceres que atacam a própria noção de ultraprocessados, como mostram documentos publicados pela frente parlamentar analisados pela reportagem. 

“A briga é para tirar toda a legitimidade do próprio conceito”, resume o cientista político Pedro Vasconcellos, assessor de advocacy da FIAN Brasil, organização vinculada ao Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ). “Mencionar ultraprocessados em uma legislação vira um problema”, acrescenta. 

A Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo, limita em até 20% os gastos na compra de alimentos processados e ultraprocessados para merendas. Porém, o termo “ultraprocessados” só aparece no regramento porque foi incluído em uma resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que não precisa passar pela aprovação do Congresso.

Guia Alimentar do Ministério da Saúde define ultraprocessados como  “formulações industriais” que envolvem diversas etapas de processamento e que adicionam ingredientes como sal, gorduras, açúcares, entre outras substâncias de uso exclusivamente industrial para imitar sabores, cores ou aumentar a durabilidade do produto. São refeições instantâneas, iogurtes saborizados ou molhos prontos, por exemplo.

No início do mês, o governo federal anunciou a nova composição da cesta básica, sem ultraprocessados.


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O agro é refrigerante, embutido e biscoito

Desde 2011, a FPA recebe “assessoria” técnica do Instituto Pensar Agro, uma organização financiada pelas principais entidades representativas da cadeia do agronegócio – entre elas, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que reúne gigantes do setor como Nestlé, BRF, Cargill, Ambev e Coca-Cola. 

À Repórter Brasil, a Abia disse preferir não se manifestar sobre eventuais orientações repassadas à bancada do agro. A FPA, por sua vez, ignorou as tentativas de contato da reportagem.

Um exemplo da interferência do lobby do agro ocorreu em junho de 2023, quando o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) inseriu a diretriz “evitar ultraprocessados” no texto da lei que recriaria o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal. Na ocasião, a FPA orientou a bancada a firmar posição contra o trecho. 

“Restringir a aquisição de determinados tipos de alimentos, definidos de forma contestável pela ciência e tecnologia de alimentos, em nada contribui para a formação de hábitos alimentares saudáveis, que só podem ser obtidos por meio da educação alimentar”, disse a nota da entidade, que também negou a ligação entre o consumo de ultraprocessados e a obesidade.

Na sessão que votou o projeto, em julho de 2023, o próprio presidente da FPA, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), propôs uma emenda removendo a inserção de Boulos. “A ideia é reduzir o texto, tirar essa menção, até porque há uma problemática na compreensão do que são os alimentos ultraprocessados. Não há uma definição técnica sobre essa terminologia”, disse em plenário o deputado Tião Medeiros (PP-PR) que substituiu Lupion na hora da votação. No fim, a remoção foi aceita e o PAA acabou aprovado pelo Congresso sem a menção aos ultraprocessados, sendo sancionado por Lula naquele mês.

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Veja aqui a lista completa com os 6 PLs em que a FPA defendeu os ultraprocessados.

‘Indústria nega e distorce’

Na avaliação da nutricionista Nadine Marques, pesquisadora-assistente da Cátedra Josué de Castro da Universidade de São Paulo (USP), as orientações da FPA são “todas muito parecidas com o discurso da Abia”, a associação de indústrias de alimentos que está entre os apoiadores da bancada ruralista. “Um ponto marcante é a não aceitação da classificação a partir do grau e extensão de processamento de alimentos, que deu origem ao termo ‘ultraprocessados’”, diz Marques. 

Batizada de “NOVA” e desenvolvida por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), a classificação já é usada em políticas públicas de ao menos seis outros países – como Canadá, Israel e Uruguai. Ela também norteia estudos da Agência Internacional do Câncer (IARC) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), ambas ligadas à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Marques explica que, no início do século 20, a ciência analisava os alimentos pelas moléculas que os compõem, o que criou uma subdivisão entre nutrientes vilões (por exemplo, gorduras saturadas ou açúcar) e mocinhos (vitaminas e minerais) – paradigma que ficou conhecido como “nutricionismo”. 

A partir dos anos 1980, no entanto, os índices de obesidade dispararam,  mesmo com a redução do consumo dos “vilões”. “Se sabíamos quais os nutrientes perigosos e conseguíamos controlá-los, manipulando-os industrialmente, por que os índices de doenças crônicas continuavam aumentando?”, questiona Marques.

A partir dos anos 2010, mais pesquisas passaram a investigar como o grau de processamento de alimentos, e não nutrientes específicos, estava ligado ao surgimento de doenças, o que reforçou a necessidade de se analisar todo um processo de produção que vai do campo à indústria até chegar à mesa do consumidor. “A classificação NOVA é simbólica desse novo paradigma da nutrição, que passa a olhar para os sistemas alimentares como um todo”, diz a nutricionista.

Desinformação no Congresso e nas redes

Para enfrentar esse avanço recente da ciência, a indústria de alimentos mobiliza argumentos “nutricionistas” em seu lobby no Legislativo. Um projeto de lei de 2022 do ex-deputado federal Coronel Armando propunha a criação de advertências em embalagens e restrições à propaganda desses produtos. A proposta era que rótulos e publicidade incluíssem avisos de riscos à saúde. Porém,a FPA orientou a bancada a se opor à ideia.

“Ter uma alimentação saudável significa comer com moderação todos os tipos de alimentos, respeitadas suas características nutricionais”, justificou a nota da FPA divulgada à época. “A proposta tem objetivo de estigmatizar produtos da indústria de alimentos, que são altamente regulados e não possuem, por si próprios, potencial para prejudicar a saúde do consumidor”, concluiu o documento, em frontal oposição aos estudos científicos sobre o tema. O PL está parado sem relatoria em uma comissão da Câmara desde 2022.

A defesa da indústria alimentícia contrasta com o discurso da FPA de reforçar a produção de alimentos saudáveis e de qualidade, no lugar de alimentos prontos e com excesso de ingredientes que fazem mal à saúde. Em janeiro de 2023, por exemplo, um estudo do NetLab, o laboratório de pesquisa em internet e redes sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),  concluiu que a FPA publicava anúncios no Facebook e Instagram – pagos pelo Instituto Pensar Agro – que espalhavam desinformação sobre agrotóxicos, regulação ambiental e movimentos sociais.

“Isso de pensarmos no pequeno produtor quando pensamos em agro é resultado de uma ótima campanha de comunicação”, diz a pesquisadora Débora Salles, coordenadora do NetLab, que realizou o estudo. “Eles tentam reforçar que o agricultor familiar é protagonista, mas existe um movimento simultâneo de esconder os verdadeiros interesses que estão por trás, que são os das grandes corporações”, avalia Salles.

Fonte: Reporter Brasil


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terça-feira, 17 de outubro de 2023

27 agrotóxicos são detectados na água consumida em São Paulo, Fortaleza e Campinas

Imagem: reprodução
Dados do Ministério da Saúde revelam que 210 cidades encontraram todos os agrotóxicos testados na rede de abastecimento de água em 2022. Chamado de “efeito coquetel”, a mistura entre substâncias preocupa especialistas.

Uma mistura de 27 diferentes tipos de agrotóxicos foi detectada na água consumida por parte da população de 210 municípios brasileiros, como São Paulo (SP), Fortaleza (CE) e Campinas (SP).

As informações são resultado de um cruzamento de dados realizado pela Repórter Brasil a partir de informações do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, com testes feitos em 2022.

A maioria dos exames identificou uma concentração dentro do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde para cada tipo de substância isoladamente. Ou seja, a simples presença de cada agrotóxico em uma amostra não necessariamente acarreta problemas para a saúde.

No entanto, a regulação brasileira não leva em conta os riscos da interação entre os diferentes tipos de pesticidas. É justamente a mistura de substâncias o que preocupa especialistas ouvidos pela reportagem. Eles afirmam que o chamado “efeito coquetel” pode gerar consequências ainda desconhecidas ao organismo humano.


Mistura de agrotóxicos na água, fenômeno ainda sem regulação no Brasil, preocupa
especialistas por causarem efeitos ainda desconhecidos
- Foto: Andres Siimon/Unsplash - reprodução

As detecções ocorreram em amostras de água de diferentes redes de abastecimento dentro dos municípios. Por exemplo, na cidade de São Paulo, cinco agrotóxicos foram encontrados na água da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), responsável por prover a maior parte do município.

Já o total de 27 foi verificado em condomínios e empresas da capital paulista com sistemas particulares de tratamento da água. Não houve casos de concentração acima do limite permitido para cada agrotóxico analisado, em São Paulo.

Ministério da Saúde não regula “efeito coquetel”

Enquanto a União Europeia impõe um limite para a presença de diferentes substâncias na água, o risco da mistura é ignorado pela normativa do Ministério da Saúde. A pasta teve a chance de regular essa questão em 2021, quando a nova Portaria de Potabilidade da Água foi aprovada, mas tratou apenas dos limites individuais.

O principal argumento é a dificuldade em calcular os efeitos causados pelas diferentes combinações de substâncias químicas na água.


“O ideal seria não detectar, ou seja, não encontrar nada”, afirma Cassiana Montagner, pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “Mas quando há a detecção, ainda que em concentrações menores que o valor máximo permitido, os governos deveriam tomar ações para evitar que esses agrotóxicos apareçam por longos períodos de tempo”, complementa.

 

Ela destaca que o risco é maior quando o consumo é contínuo, ou seja, quando a presença das substâncias na água persiste ao longo dos meses e anos. Nesses casos, 15 dos pesticidas encontrados estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, disfunções hormonais e reprodutivas.

Segundo a pesquisadora, as estações de tratamento não conseguem retirar os agrotóxicos da água na concentração encontrada no Brasil. Assim, a melhor solução é evitar a contaminação.

A origem do problema é o uso excessivo e indevido dessas substâncias, que ocorre em maiores quantidades em regiões rurais, mas também no paisagismo nas cidades.

“Tudo aquilo que vem sendo colocado no ecossistema, solos e plantações, permanece nos recursos naturais e continua presente em diferentes lugares”, alerta Rafael Rioja, coordenador de consumo sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que faz alertas constantes sobre a presença de agrotóxicos nos alimentos.

Esta não é a primeira vez que dados públicos levantam alerta sobre a presença de diversos agrotóxicos na água. Em 2019, especial feito pela Repórter Brasil, Public Eye e Agência Pública revelou que 1 em cada 4 cidades brasileiras tinham detectado todos os pesticidas na rede de abastecimento – a quantidade de municípios era substancialmente maior porque o levantamento analisou dados de 4 anos, 2014 a 2017.


Fonte: Dados de 2022 do painel Vigiagua do Ministério da Saúde

Baixe aqui a tabela completa com os nomes dos municípios que detectaram os 27 agrotóxicos na água em 2022.

O que dizem o poder público e as empresas

Questionado pela Repórter Brasil, o Ministério da Saúde reconheceu que analisar os agrotóxicos na água de forma individualizada é insuficiente para determinar os riscos à saúde da população. Ressaltou, porém, que há poucos estudos que analisam os efeitos da mistura, justificando assim a ausência de valor máximo para o coquetel de substâncias na Portaria atual.

 

“A temática relativa à mistura de substâncias químicas integra a agenda de trabalho do Ministério da Saúde, inclusive no que se refere à definição do padrão de potabilidade”, afirmou em nota (leia a íntegra).

 

O órgão também garantiu que orienta as equipes de vigilância em saúde a adotarem ações preventivas mesmo nos casos em que os testes apontaram a presença de agrotóxicos dentro do limite individual para cada substância. Essa orientação, porém, não parece resultar em medidas objetivas adotadas pelos municípios ouvidos pela reportagem.

As secretarias de saúde de Campinas, São Paulo e Fortaleza, cidades onde os 27 agrotóxicos foram encontrados na água, afirmaram que apenas seguem os parâmetros fixados individualmente para cada substância, de acordo com a norma do Ministério.

A coordenadora da Vigilância em Saúde de Campinas, Cristiane Sartori, afirma que a secretaria só consegue realizar ações quando os testes apontam que o agrotóxico está acima do limite individual para aquela substância específica.

Os agrotóxicos detectados em Campinas apareceram em diferentes redes de distribuição da cidade, como condomínios, shopping e empresas. Na Sanasa, companhia que realiza a maior parte do abastecimento da cidade, não houve detecção. Já no campus da Unicamp, testes encontraram as 27 substâncias na água. Em 2022, cerca de 60 mil pessoas frequentaram o local.

A Unicamp afirmou que a mistura de substâncias é uma preocupação para a Universidade, mas também se amparou na regulamentação do Ministério da Saúde para justificar a tolerância aos 27 agrotóxicos na água. “É importante salientar que não há ações de controle previstas na legislação quando os valores dos resultados se encontram dentro dos padrões permitidos”. Veja a resposta.


Água com 27 agrotóxicos é encontrada em redes de abastecimento estaduais, além de
em água de empresas, condomínios e universidade - Foto: Pixabay - reprodução

A secretaria de saúde do município de São Paulo afirmou em nota que monitora a água fornecida à população e que “não foram detectados parâmetros acima do permitido pela legislação vigente”.

Sobre as detecções de cinco agrotóxicos na rede da Sabesp em 2022, a empresa se limitou a afirmar que “todos os ensaios realizados para agrotóxicos estão dentro do padrão estabelecido na Portaria de Potabilidade para água distribuída”. A Sabesp não respondeu às perguntas sobre a mistura de substâncias.

Em Fortaleza, todos os 27 agrotóxicos foram encontrados na rede de abastecimento da Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará), responsável pelo abastecimento de água de 152 municípios do Ceará. Em nota, a Cagece informou que os seus equipamentos de análise possuem alta capacidade de detecção, mas que a concentração de agrotóxicos na água é bem menor do que os limites previstos na legislação, o que faz com que considerem que não há risco à população. Leia na íntegra.

A secretaria de saúde de Fortaleza, responsável pelo monitoramento, não respondeu aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil.

Apagão de dados

Os dados do Ministério da Saúde também mostram que 1.609 municípios brasileiros — 6 em cada 10 que fizeram testes (confira a tabela completa de cidades) — encontraram ao menos um agrotóxico em sua água. O número pode ser ainda maior, já que mais da metade (56%) dos municípios não enviaram dados ou publicaram informações consideradas inconsistentes pelo Ministério da Saúde.

Amapá, Amazonas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima estão em um apagão completo de informações, ou seja, não enviaram dados considerados válidos pelo Ministério da Saúde.

“A quantidade agrotóxicos que está sendo jogada no nosso ambiente é muito maior do que a nossa capacidade de absorção e da natureza de transformar essas moléculas, e isso está na água que a gente consome, na água da chuva, dos rios”, afirma Marcia Montanari, pesquisadora do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).




Confira quantos agrotóxicos foram detectados nas redes de abastecimento em cada município em 2022.

Entre os estados que forneceram pouca ou nenhuma informação, o, Mato Grosso se destaca. Ano após ano, ele se estabelece como o maior comprador de agrotóxicos do País. Em 2021, mais de 150 mil toneladas de pesticidas foram vendidas no estado, uma uma diferença de mais de 60 mil toneladas para o segundo colocado, São Paulo.

Contudo, a liderança não se mantém quando o assunto é testes de agrotóxicos na água. Dos 141 municípios do estado, 73% não entregaram dados ao Sisagua. O apagão preocupa: a exposição ao veneno no Mato Grosso é quase dez vezes maior do que a média nacional, de 7,3 litros por pessoa.

Lucas do Rio Verde é uma das cidades que não enviou dados consistentes. Com 83 mil habitantes, é uma das maiores produtoras de grãos do país, tendo sua economia baseada na agropecuária.

O uso de pesticidas é intenso na região, tanto que a cidade foi parar nas manchetes de todo o Brasil, em 2011, após uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso detectar agrotóxicos no leite de mulheres que amamentam. Mesmo com esse histórico, a cidade não enviou dados consistentes ao Ministério da Saúde sobre a presença de agrotóxicos em sua água.

Marcos Woicichoski, assessor jurídico do SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Lucas de Rio Verde afirmou que a vigilância municipal de saúde ainda está realizando o lançamento dos dados de 2022 no Sisagua, contudo é possível consultar os resultados por meio do site do serviço. Os dados disponibilizados, no entanto, não permitem que a população saiba de forma simples se a água que chega em sua torneira tem substâncias perigosas.

“O SAAE informa que os níveis de agrotóxicos na água fornecida para a população sempre se mostraram abaixo do limite de segurança definido pela norma ministerial”. Já a Secretaria de Saúde de Lucas de Rio Verde não respondeu às questões enviadas.

Para a pesquisadora da UFMT, há uma pressão para que esses dados não sejam publicados. “Muitos desses municípios têm uma interveniência política do agronegócio muito forte, eles não fazem questão que essas informações apareçam”.

O responsável direto por esse monitoramento é a Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso. Questionados pela reportagem, o órgão afirmou que cobrou o envio das informações. “A pasta realiza de forma ininterrupta o monitoramento junto aos prestadores de serviços de abastecimento de água. Entretanto, essa pergunta deve ser feita não apenas ao setor da Saúde, mas às várias áreas, visto que o agrotóxico é um tema de competência nacional, que envolve o Meio Ambiente, a Agricultura e os Recursos Hídricos”. Confira as respostas na íntegra.

“Enquanto não existir uma uma cobrança efetiva para que se cumpra a resolução, a frequência de análise e para que se olhe para esses dados, os responsáveis pelo abastecimento não vão se mexer”, avalia Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Está confortável pra eles assim”.

Fonte: reporterbrasil