sábado, 30 de janeiro de 2021

OITO PERGUNTAS PARA FLÁVIO DINO

Foto: Reprodução

Ao assumir o Consórcio da Amazônia Legal, o governador do Maranhão diz que percorrerá embaixadas para tentar desfazer o estrago causado pela política externa de Bolsonaro na agenda ambiental e aposta que o tema será decisivo nas eleições de 2022 — nas quais ele hesita sobre se lançar candidato.

1. Enquanto candidato, Joe Biden sugeriu que poderia impor sanções ao Brasil pela degradação da Floresta Amazônica. O consórcio quer buscar diálogo com o governo americano?

Sem dúvida! Temos um ambiente muito perigoso para o Brasil e para o interesse de nossa economia e de nossos produtores. Pode-se criar um cenário em que se conjuguem interesses diversos, todos convergindo na direção de impor sanções de algum modo a nosso país e nossos produtos. Isso é ainda mais preocupante tendo em vista que, em larga medida, a agricultura americana é concorrente da brasileira.

2. O mesmo se aplica à Europa?

Visitarei as embaixadas para sublinhar o interesse dos estados, sobretudo com a Alemanha e a Noruega, por conta do Fundo Amazônia. O foco número um é destravá-lo. O impasse (sobre o fim dos aportes ao Fundo Amazônia) deriva de uma premissa absolutamente equivocada da atual política externa brasileira segundo a qual é bom ficar isolado. O próprio chanceler usou a imagem de um pária internacional. Obviamente, em um mundo profundamente interconectado como o nosso, não existe espaço para modelos autárquicos, isolacionistas. Temos de procurar recuperar essa premissa. No lugar de se isolar, tem de procurar dialogar e convergir. Quando você se isola, você fica frágil e exposto, como está o Brasil na temática sanitária e ambiental.

3. O senhor defende uma nova economia amazônica. Qual seria a função do consórcio nesse processo?

O consórcio apresentou recentemente a um fundo de uma grande empresa brasileira vários projetos. Estou dando continuidade  para esses programas produtivos que sejam compatíveis com uma economia verde, que levem em conta a sustentabilidade. Isso seria feito por meio de edital. É objetivo do consórcio ter projetos bem-sucedidos que mostrem que, mais do que possível, é imprescindível viabilizar condições de sustentação econômica para as populações da região. Não se pode fazer apenas um discurso santuarista. Isso é incompatível com o fato de que existem pessoas que precisam comer e viver. É preciso buscar essa nova matriz econômica, aquilo que é mundialmente chamado de green new deal. O objetivo é fazer a ponte entre gestões estaduais, fundos de empresas privadas com esses projetos de economia real do povo da Amazônia, do extrativismo, turismo ambiental, da agroecologia, que permitam a convivência da produção com a própria floresta. Uma das propostas visa captar R$ 50 milhões, inicialmente.

4. O vice Hamilton Mourão integra essa estratégia?

O Bolsonaro tirou os governadores do Conselho da Amazônia e o Mourão reincluiu. O vice-presidente tem feito reuniões mensais com os governadores da Amazônia, sempre em um bom caminho de planejamento, diálogo e incorporação das ideias dos estados. Mourão é um interlocutor decisivo, mas não excluo o próprio Ricardo Salles (Meio Ambiente) e a Tereza Cristina (Agricultura). Temos na agenda da Tereza a proteção a nossa produção, o que envolve o combate ao desmatamento ilegal. Ela tem essa visão, acredito eu, e a imensa maioria dos produtores tem também, sobretudo em face dos riscos de sanções internacionais. É possível, sim, contar com aliados dentro do agronegócio, que querem produzir dentro da lei. No caso do Salles, esses temas passam por ele. A lei de pagamentos por serviços ambientais foi aprovada e sancionada. É algo que o consórcio cobrou ao longo de 2020. Claro que tenho críticas a todos os personagens que mencionei. Somos adversários ideológicos. Mas sempre trato essas coisas na institucionalidade.

5. A agenda da Amazônia terá peso na eleição de 2022?

A questão ambiental de um modo geral, não só a Amazônia. O governo Bolsonaro conseguiu ter três tragédias ambientais em dois anos, é um recordista. Houve o derramamento de óleo no Nordeste, incêndios no Pantanal e o desmatamento na Amazônia. É um dos passivos pelos quais o Bolsonaro responderá nas urnas em 2022 e perante a história, além do coronavírus. E terá peso eleitoral não apenas nos estados da Amazônia, mas nacionalmente.

6. O senhor vê as forças políticas se aglutinando em torno dessa agenda ou de uma candidatura capaz de fazer frente a Bolsonaro?

Tenho me empenhado por essa aglutinação. Às vezes, se você não organiza, a sociedade faz. O Rio não conseguiu fazer, mas São Paulo fez. Havia uma pluralidade de candidaturas e o povo convergiu na direção do (Guilherme) Boulos (PSOL) e o levou ao segundo turno. Nesse momento, se forma uma frente ampla em torno do Bruno Covas (PSDB) e ele ganha. Mas por que o Edmilson Rodrigues (PSOL) ganha em Belém? Porque teve o apoio inclusive do Helder Barbalho, governador do MDB. Por que meu colega (José) Sarto (PDT) venceu em Fortaleza? Porque tem o apoio do Tasso Jereissati (PSDB), PSOL, PT, todo mundo. Senão perdia para o Capitão Wagner (PROS). Deve-se em primeiro lugar aglutinar o máximo possível o campo da esquerda no primeiro turno. O ideal seria uma candidatura única. Se não for possível, que se chegue próximo a isso. E no segundo turno ampliar em direção aos liberais, do centro.

7. Hoje o governador João Doria tem ocupado o posto de principal adversário de Bolsonaro. Onde o senhor vê espaço para a esquerda?

Eu acho que eleição de 2022 muito provavelmente será uma disputa como na música de João Bosco e Aldir Blanc: Dois para lá, dois para cá. Dois candidatos mais do campo da esquerda e dois mais à direita. Não é o cenário que eu desejo. Defendo candidatura única. Mas é mais realista imaginar que serão dois-dois.

8. Ciro Gomes e Lula são nomes aventados à esquerda. O primeiro já concorreu três vezes e o segundo, defendido por setores do PT, não sabe se poderá ser candidato.Outros nomes podem emergir no campo da esquerda? O senhor gostaria de ser essa liderança?

Em meu caso, não me escalo. Sempre tem alguém que escala (meu nome). Se eu for mais um para criar divisão e eventualmente atrapalhar a ida da esquerda para o segundo turno, não me disponho a isso, seria uma incoerência de minha parte. Em nosso campo há nomes mais consolidados: o Ciro e o PT, de modo geral. Lula tem muito mais força eleitoral (entre os nomes do PT), mas o Haddad aparece bem nas pesquisas. O ideal seria juntar todo mundo.

Fonte: epoca