quinta-feira, 7 de maio de 2020

Bolsonaro dará um golpe se puder, afirma Flávio Dino

Foto: Reprodução
Governador, ex-juiz, vê “acervo” de crimes do presidente, mas diz que debate sobre impeachment só ocorrerá depois da pandemia

Na linha de frente da oposição a Jair Bolsonaro, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), afirma haver no meio político a impressão generalizada de que o presidente “deseja turvar as águas brasileiras, por várias razões”, sendo a principal delas para “ocultar as suas carências administrativas escandalosas”. “Ele deseja águas turvas porque, se possível, não há dúvida que tentará algum empreendimento de face golpista”, enfatizou o maranhense, ao participar, ontem, da “Live” do Valor. “[Bolsonaro] é filho do ethos autoritário. Se puder, dará um golpe.”

O governador, que antes da pandemia vinha ocupando papel de destaque nas costuras políticas com lideranças de centro, diz ver com espanto a forma com a qual Bolsonaro hostiliza e sabota, inclusive promovendo aglomerações, a agenda do coronavírus. “Ele objetiva, de fato, desviar a atenção nacional deste drama, drama concreto, de centenas, de milhares de mortos todos os dias, sofrimentos nos lares, dos profissionais de saúde.” Essa postura do presidente, acrescenta Dino, faz com que questões administrativas cruciais sejam deixadas de lado, como a logística do pagamento do auxílio emergencial à população carente e informais, gerando filas intermináveis em frente a agências da Caixa Econômica Federal. “Ninguém cuidou disso. Bolsonaro tem que se ocupar da sua responsabilidade. Ele quer se desviar, mas tem que tratar do coronavírus. Ele é sócio do coronavírus.”

Segundo o governador, que teve uma carreira de juiz antes de entrar para a política, “do ponto de vista jurídico” não há dúvida de que há um “encontro marcado” com o debate sobre os crimes comuns e de responsabilidade cometidos por Bolsonaro. Mas isso só se dará mais adiante, reconhece. Dino afirmou que viu sim “provas contundentes” apresentadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro contra o presidente, o que pode complicar sua situação política.

“Achei muito contundente [o depoimento de Moro]. O depoimento, do ponto de vista jurídico, já é uma prova, indício consistente. É um ex-juiz, um ex-ministro, apresentando uma versão gravíssima em que poderia, em tese, haver ocorrência de vários crimes, desde advocacia administrativa, prevaricação, eventualmente até obstrução à justiça. Isso se extrai muito facilmente na narrativa que o ex-ministro Sergio Moro fez. Além disso ele apresenta provas materiais, ou seja, provas de corroboração, aquelas que confirmam, documentalmente, a sua narrativa.”

Dino considera possível o andamento do inquérito no Supremo Tribunal Federal para apurar eventuais crimes e abuso de poder de Bolsonaro no caso que culminou na saída de Moro do governo, mas diz ser impossível que se avance, virtualmente, um debate sobre o impeachment. “Dada a gravidade do que Sergio Moro disse, e dadas as condutas que, mais do que de indiferença, são condutas ofensivas que o presidente tem adotado em relação à pandemia do coronavírus, temos um conjunto bastante expressivo que deve fazer com que, no período de cessação da pandemia, haja um debate jurídico e político diante deste acervo contundente de cometimento de atos ilícitos por parte do presidente.”

Por decisão judicial, prontamente acolhida pelo governador, o Maranhão está em “lockdown” em algumas regiões, com destaque para a capital, a ilha de São Luís, e parte da região metropolitana. O juiz que tomou a decisão do “lockdown”, Douglas de Melo Martins, está sendo ameaçado de morte. “Temos, infelizmente, em nível nacional, ainda uma tendência ascendente no que se refere à pandemia. No Maranhão, estamos com 5 mil casos. As semanas epidemiológicas mais complexas estão a se aproximar. Fizemos uma espécie de ‘lockdown’ profilático”, justificou. O fechamento mais radical da capital se estende até o dia 14, e poderá ser reavaliado. As escolas permanecerão fechadas pelo menos até 1º de junho no Estado.

Dino vê uma espécie de apagão de gestão no Ministério da Saúde, com lentidão de ações, mas não faz acusações ao atual ministro, Nelson Teich, nem a seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta. Diz que, com ambos, sempre foi possível exercer o diálogo e há cordialidade. Falta, no entanto, eficácia do ministério no combate ao coronavírus e grande parte do problema reside, na visão do governador, nas atitudes do “chefe”. “Nessas alturas, o ministro é vítima de um contexto muito difícil, em que o chefe da equipe não cuida do tema do coronavírus. Isso faz com que o trabalho de qualquer ministro da Saúde seja muito difícil. Você nota muito claramente que ele está tolhido, constrangido, pressionado. Aparentemente [Teich] tem conhecimento científico e sabe que as medidas preventivas são essenciais. E o presidente da República é visceralmente contra, não só em palavras, mas em ações.”

A seguir, os principais tópicos da conversa de 40 minutos:

Bolsonaro bonapartista

“Bolsonaro é filho do ethos autoritário. Se puder, dará um golpe. Ele não se conforma com o fato de não exercer um poder absolutista. Outro dia declarou: a Constituição sou eu. Ele resiste a todo tipo de decisão do Congresso, sobretudo do Supremo. Então se ele puder, ele atravessa aquela praça ali [dos Três Poderes]. Um dos filhos disse que bastaria um cabo e um soldado para fechar o Supremo. Eles têm esse impulso autoritário. Ele pensa que exerce algum tipo de liderança bonapartista, de perfil autoritário.”

“Lockdown”

“Pressão econômica existe e é legítima, mas é preciso compatibilizá-la com os interesses da sociedade. Temos mantido atividades econômicas essenciais. Preservamos rodovias, portos, ferrovias, para não gerar danos de abastecimento. Temos sido cuidadosos, ponderados. A presença do empresariado é mais favorável do que desfavorável, até porque há decisão judicial e isso favorece o convencimento. A emergência sanitária legitima não a eliminação, mas a restrição a exercícios de direitos individuais. Às vezes a luta ideológica, o extremismo de direita faz com que raciocínios jurídicos fiquem distorcidos. Não tenho dúvida da constitucionalidade da medida.”

Auxílio emergencial

“Não fizemos ‘lockdown confinamento’. Foi ‘lockdown soft’, que fica num meio termo, porque mantivemos algum núcleo de serviços essenciais funcionando como os bancários. Organizamos aquilo que a Caixa Econômica não organizou. Contratei 200 bombeiros civis, mais o corpo de bombeiros militares e estamos organizando as filas da Caixa. Depois vamos cobrar os custos da Caixa. Sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, os bancos têm que cuidar disso. Estamos com equipes garantindo o fluxo da filas, segundo as normas sanitárias, e a total continuidade do pagamento.”

Ministério da Saúde e gestão

“Saímos de 232 leitos exclusivos para covid-19 e chegamos a 761. Triplicamos a rede estadual de atendimento. Nesta semana abriremos mais 150 leitos e a meta é chegar ao final de maio com 1.200 leitos exclusivos na rede estadual.  Infelizmente há muita dispersão de energia em função de crises políticas desnecessárias, causadas pelo próprio presidente, que atingiram o Ministério da Saúde. Tivemos a interrupção do trabalho. Por mais que tenha sido uma substituição rápida [do ministro], sempre é muito difícil fazer mudança de tripulação em pleno voo. Há realmente muita lentidão na atuação concreta. O Maranhão recebeu do ministério 20 kits de UTIs. Somos muito gratos, mas é uma contribuição muito modesta.”

Polêmica sobre respiradores

“No Brasil não houve a reconversão industrial. Nos EUA, a indústria automobilística está sendo mobilizada para fabricar respiradores, a indústria militar da Rússia fabricando respiradores... Esse processo deveria ter começado em janeiro no Brasil, e não começou. Isso criou uma alta dependência em relação ao internacional. Para o caso concreto do Maranhão [compra de 107 respiradores da China, passando pela Etiópia], além de não haver ajuda, ainda tentaram atrapalhar, com a equivocadíssima e escandalosa operação da Receita Federal, como se estivessem lidando com contrabandistas. Não houve nenhuma ilegalidade.

Impeachment para depois

“Só há uma circunstância em que pode mudar essa análise: se Bolsonaro for da palavra ao gesto, ou seja, se ele antecipar o desejo de algum tipo de ruptura institucional. Aí é óbvio que estaremos diante de situação inevitável de resistência. Se ele continuar com essa espécie de guerra fria, vamos cuidar do coronavírus, cobrar dele que cuide do coronavírus, e aí depois a gente trata desses problemas institucionais agudos que o Brasil atravessa.”

Articulação com forças de centro

“É possível e necessária. Não pode ter uma visão rígida em que não compreenda que diante de cada desafio você tem que ter uma flexibilidade, uma amplitude no diálogo. Temos o intuito de extrema direita, golpista no comando do país. Então precisamos de frentes de bom senso, que têm se formado no Parlamento, de forma geral. Tivemos o 1º de maio promovido pelas centrais sindicais, que eu tive a honra de participar ao lado do ex-presidente Lula, FHC, de lideranças de vários campos políticos. Esse é o certo para a conjuntura. É claro que a pandemia interrompe muito as conversas políticas. É normal que isso ocorra. No momento seguinte vamos retomar isso. Aliança eleitoral é outra questão para 2022. Não podemos confundir a atuação política conjunta com frente política. É uma frente do bom senso, contra a barbárie, contra o extremismo, contra o fascismo, contra o golpismo. Essa é a nossa emergência nacional, neste momento para proteger as instituições, defender a nossa nação e fazer com que a gente chegue até a eleição de 2022, que o calendário eleitoral seja mantido.”

Fonte: valor.globo