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terça-feira, 2 de maio de 2023

Como o MST se tornou o maior produtor de arroz orgânico da América Latina

Imagem: reprodução
O agricultor Isaías Vedovatto tinha 22 anos quando cortou a cerca da Fazenda Annoni, em Sarandi (RS), na madrugada de 29 de outubro de 1985. Ele foi o primeiro dos 7,5 mil camponeses, de mais de 30 cidades gaúchas, a pisar na invasão de terra, marcante na história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Agora, aos 54 anos, Vedovatto testemunha o MST se tornar o maior produtor de arroz orgânico (sem agrotóxicos) da América Latina - em uma nova etapa do movimento, que é alvo de defesas e críticas igualmente apaixonadas.

O agricultor era um dos 2 mil sem-terra presentes na 14ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz Agroecológico no Rio Grande do Sul, em 17 de março, a 25 km de Porto Alegre. Nesta primeira semana de maio, o movimento organizou, em São Paulo, a 2ª Feira Nacional da Reforma Agrária, com exposição da produção de acampamentos e assentamentos.

Para a safra do arroz orgânico de 2016-17, o MST estima a colheita de mais de 27 mil toneladas, produzidas em 22 assentamentos diferentes, envolvendo 616 famílias gaúchas. Também serão produzidas 22.260 sacas de sementes, que não são transgênicas.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão do governo federal, não diferencia a produção orgânica da convencional (com agrotóxicos e outros aditivos químicos) na sua estimativa atual de safra. Mas o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), do governo gaúcho, confirma que o MST é, no momento, o maior produtor orgânico do grão na América Latina.


Isaías Vedovatto, de 54 anos, cortou a cerca da Fazenda Annoni em 1985, ocupação que
é símbolo do MST - Foto: reprodução

Exportação

O movimento exporta 30% de sua produção, segundo Emerson Giacomelli, coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do MST.

Um dos responsáveis pela exportação é o zootécnico Anderson Bortoli, de 41 anos, da empresa Solstbio, na cidade de Santa Maria.

A empresa - sem relação institucional com o MST - compra o arroz orgânico de três assentamentos gaúchos e exporta-o para Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, Chile e México.

Bortoli coleta amostras do arroz nos silos e envia para a Bélgica para análises que garantem que não contenha nenhum agrotóxico e, assim, obtém as certificações de produto orgânico.

Apenas no município gaúcho de Nova Santa Rita, a produção do MST faz circular R$ 7 milhões por ano, movimentando a economia local, diz a prefeita Margarete Simon Ferretti (PT).

Os 4 mil alunos das 16 escolas municipais consomem alimentos orgânicos adquiridos pela prefeitura diretamente dos agricultores.

E os produtores de arroz orgânico trabalham no sistema de cooperativa e recebem, de acordo com Giacomelli, 15% a mais do que agricultores convencionais.

"Essa valorização é possível porque colocamos um produto de qualidade no mercado, com preço maior. Isso ajuda a manter os trabalhadores no campo", explica o gestor.


Stédile (à esq) fala na abertura da colheita do arroz orgânico; líder do MST diz que
 movimento incorporou a agroecologia - Foto: reprodução

Agroecologia x agronegócio

"No início do MST, durante a crise da década de 1980, a meta principal do movimento era terra para trabalhar e criar as famílias. Naquele âmbito a visão era até um pouco ingênua: terra para quem nela trabalha. É um princípio justo, porém insuficiente para resolver os problemas da produção de alimentos. Na medida em que o MST foi evoluindo, fomos adequando nosso programa, fomos incorporando a agroecologia", diz João Pedro Stédile, coordenador nacional do Movimento Sem Terra, em entrevista à BBC Brasil.

Estudos acadêmicos mostram que o discurso da agroecologia foi incorporado pelo MST a partir dos anos 2000.

"A agroecologia passa a ser o principal discurso (do MST) para a viabilidade da reforma agrária e para dialogar com a sociedade civil - urbana ou rural", opina Caetano De'Carli Viana Costa, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) que estudou essa mudança do MST.

O modelo agroecológico, segundo Stédile, é antagônico ao do agronegócio porque este último "visa o lucro a qualquer custo, usando agrotóxicos, transgênicos e maquinário, o que afasta os trabalhadores rurais do campo".

De um lado, essa nova fase do movimento gera críticas de quem acha que ele deixou de lado sua pauta original para sucumbir às demandas do mercado consumidor.

"O MST abandonou sua pauta de luta para absorver um modelo de produção liberal - e por que não dizer capitalista - para lograr sucesso", critica Adriano Paranaiba, mestre em Agronegócios pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e diretor de ensino e pesquisa do Instituto Liberdade e Justiça (ILJ).

De outro, há quem critique as táticas tradicionais de invasão de terras, mas veja com bons olhos o avanço na produção de orgânicos.

"É um movimento invasor, próximo de uma atividade guerrilheira e que, por várias vezes, traz conflitos que ameaçam a vida das pessoas", opina Paulo Ricardo de Souza Dias, presidente da Comissão de Assuntos Fundiários da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).

"No momento em que eles são produtores, eles são nossos colegas. A nossa visão crítica é quando estão nesse movimento de guerrilha."

Procuradas pela BBC Brasil para comentar a posição do MST, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que representam o agronegócio, não quiseram se manifestar.


Nilce de Oliveira, de 40 anos, com os filhos Ingrid e Michael; família está acampada
 e espera conseguir um pedaço de terra - Foto: reprodução

Menos desapropriações

Na teoria, os sem-terra invadem áreas improdutivas e desocupadas, o governo então indeniza os proprietários das terras, pagando o valor da área, e, por fim, dá a posse aos camponeses. Esse processo, vale lembrar, nem sempre é pacífico.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o Brasil tem 9.355 assentamentos. Nas contas do MST, o país possui 1,1 milhão de famílias assentadas e 130 mil famílias acampadas (sem a posse legal da terra).

"Durante os governos Lula e Dilma (2003-2016) a gente tinha uma briga porque tinha gente que dizia que os dois modelos, agronegócio e agroecologia, são compatíveis. E foi essa a política de Lula e Dilma, porque eles apoiavam o agronegócio e apoiavam a agricultura familiar", critica Stédile.

Stédile é ainda mais crítico ao governo de Michel Temer (PMDB), por causa da extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

"Deram a prova concreta de que não querem saber dos pobres do campo", diz o líder sem-terra.

O Incra afirmou que a extinção da pasta não prejudica as políticas voltadas para os assentamentos porque foi criada a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário.

Ao mesmo tempo, os decretos presidenciais que determinam a desapropriação de terra para destiná-las a assentamentos caíram 86,7% na comparação entre 2010 e 2016. Em 2010, Lula assinou 158 decretos desapropriatórios, contra 21 decretos assinados em 2016 (Dilma Rousseff foi afastada em maio, quando assumiu Temer).

No mesmo período, a quantidade de área desapropriada caiu 89%, de 321.525 hectares em 2010 para 35.089 hectares em 2016.

Por consequência, o valor pago pelo governo aos proprietários das terras desapropriadas também caiu, mas não na mesma proporção: 64,62% foi a redução entre 2010 para 2016, de R$ 326,4 milhões para R$ 115,4 milhões.

Assentamentos x acampamentos

O decreto presidencial é uma das últimas etapas da criação de um assentamento. Antes de serem assentados, os sem-terra passam pelos acampamentos.

É nessa fase que ocorre o maior número de desistências, conta Cedenir de Oliveira, de 38 anos, da coordenação estadual do MST. Sem água encanada, eletricidade e morando em barracas, algumas famílias não aguentam esperar pela desapropriação.

Nilce de Oliveira, de 40 anos, é uma das que aguardam: saiu de Guarujá (SP) com o marido e dois filhos. Eles são acampados na cidade de Charqueadas, a 40 km de Porto Alegre.

"Estamos debaixo da lona preta. O mais difícil é o inverno, porque é muito frio, a chuva molha tudo, o jeito é fazer fogo para se aquecer", conta Oliveira.

"A gente fica abraçado e enrolado nas cobertas", conta a filha Ingrid, de 7 anos, apontando para o irmão Michael, de 13 anos.

Além dessa precariedade, outra questão constantemente envolvendo os assentamentos é a violência no campo. Lideranças sem-terra dizem conviver com ameaças de morte e execuções de integrantes.

Em 19 de abril deste ano, nove homens sem-terra foram assassinados em um assentamento na área de Colniza, no Mato Grosso. As vítimas foram amarradas e torturadas antes de serem mortas. A suspeita é que capangas de fazendeiros da região tenham cometido os crimes.

Em 25 de abril, um dirigente do MST foi assassinado em casa, no Assentamento Liberdade, em Minas Gerais.

Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica, aponta que 59 pessoas foram mortas em 2016 por defender a reforma agrária e também áreas indígenas. O número é maior do que o registrado em 2003, ano com 71 mortes no campo.

Enquanto a violência no campo persiste, o MST espera que a produção de orgânicos seja adota em outras regiões do país. Emerson Giacomelli, de 43 anos, começou a desenvolver a técnica de manejo do arroz orgânico do MST há 15 anos.

Hoje, Giacomelli enxerga benefícios que vão além dos assentamentos: "É saúde para quem produz e para quem consome. Ajuda na permanência dos camponeses na terra, mas também ajuda quem compra a não ter que se preocupar com os malefícios dos agrotóxicos".

Fonte: BBC Brasil

Matéria originalmente postada em 07/05/2017

terça-feira, 14 de março de 2023

'Salgadinho é mais barato que fruta': subsidiados no Brasil, ultraprocessados causam 57 mil mortes no país, diz estudo

Imagem: reprodução

Os alimentos ultraprocessados são responsáveis por dezenas de milhares de mortes por ano no Brasil, aponta um estudo feito em parceria entre a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidad de Santiago de Chile. Em um mundo onde as pessoas têm cada vez menos tempo para se alimentar, pesquisadores e médicos ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que esse é um problema que está longe de ser resolvido. Para eles, a atuação do poder público, hoje falha, é a principal saída para melhorar a qualidade da alimentação dos brasileiros.

O país acumula, na visão dos especialistas, um histórico de prioridades erradas: concede uma série de subsídios e incentivos fiscais que barateiam e tornam mais acessíveis os produtos industrializados — como salsicha, macarrão instantâneo e refrigerante — enquanto dá pouco apoio à produção de frutas e legumes, principalmente de pequenos produtores.

O estudo que avaliou os impactos sobre a saúde dos alimentos ultraprocessados — que são os produtos que passaram por maior processamento industrial e contêm substâncias sintetizadas em laboratório como os corantes, conservantes e aromatizantes — apontou que ele foram responsáveis pela morte de 57 mil pessoas no Brasil, com base em dados de 2019, os mais recentes disponíveis sobre o tema. Para efeito de comparação, no mesmo ano, 45,5 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde.

De acordo com o Ministério da Saúde, as Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNTs), que são permanentes, geralmente irreversíveis e necessitam de um longo período de acompanhamento e reabilitação, estão diretamente ligadas aos ultraprocessados. Essas doenças, como câncer, problemas cardíacos, respiratórios e renais e hipertensão, foram incluídas na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) na lista das dez principais causas de morte no mundo. De acordo com o Ministério da Saúde, elas respondem por mais de 70% das mortes.

A pesquisa sobre os ultraprocessados aponta que mais de 10% das 540 mil mortes registradas no país em 2019 são atribuíveis ao consumo destes produtos. Segundo os pesquisadores, se os brasileiros reduzissem o consumo desses alimentos em 20%, poderiam ter sido evitadas 12 mil mortes. Caso a redução fosse de 50%, 29 mil vidas poderiam ser poupadas.

Um exemplo do apoio público ao setor foi um decreto assinado em abril de 2022 pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) que zerou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para extratos e concentrados usados na produção de refrigerantes. A medida, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) representava um subsídio de até R$ 1,8 bilhão para a indústria de refrigerantes em três anos (sendo R$1,6 bilhão apenas para Ambev e Coca-Cola), segundo estimativa do governo federal em um relatório enviado ao Congresso Nacional.

Procurada, a Coca-Cola informou que não se manifestaria e que a reportagem deveria procurar a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir). A Ambev não se manifestou.

A Abir informou por meio de nota que "o setor gera 2 milhões de empregos em toda a cadeia e recolhe anualmente R$ 16 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais. Vale destacar que o setor possui, ainda, uma das cargas tributárias mais altas da América Latina - aproximadamente 40% do preço de comercialização."

A associação ainda criticou as constantes mudanças na alíquota de impostos aplicada à indústria de refrigerantes. Se resumiu a dizer que o consumo de refrigerantes não tem relação direta com os níveis de obesidade no país.

"A pesquisa Vigitel do Ministério da Saúde traz dados da frequência de consumo de refrigerante no país. De 2007 a 2021, houve uma redução de 54,6% no consumo regular de refrigerantes. Na contramão desse dado, a obesidade aumentou 89,8% no Brasil", informou em nota.

"A indústria brasileira preza pela segurança jurídica. Em qualquer lugar do mundo, os investimentos realizados por uma empresa dependem do grau de confiança que se tem nas regras do jogo. Na Zona Franca de Manaus, por exemplo, o setor de bebidas não alcoólicas tem sofrido há anos com mudanças em regras pré-estabelecidas - já foram mais de onze alterações na alíquota", informou.

Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) informou que "a qualidade de um alimento é determinada pela sua composição nutricional, e não pelo seu grau de processamento ou quantidade de ingredientes. Um alimento pode ser nutritivo, sendo processado ou não. Assim como um alimento pode ser pouco nutritivo, sendo processado ou não".

A Abia diz que considera "altamente temeroso associar mortes ao consumo de alimentos. É imperativo que se faça a diferenciação entre correlação e causalidade, sob pena de acarretar interpretações incorretas. Ao mesmo tempo, a classificação NOVA é extremamente controversa e enfrenta duras críticas na comunidade acadêmica e científica, nacional e internacional".

Para a associação, é "equivocada a classificação de alimentos com base em seu nível de processamento, quantidade de ingredientes ou utilização de aditivos alimentares avaliados e aprovados por comitê científico internacional (FAO/OMS) e pela agência reguladora brasileira (Anvisa)".

E informou que uma pesquisa feita por 150 especialistas franceses em alimentação e nutrição avaliou a funcionalidade da nova classificação e indica que "a definição dos níveis de processamento de alimentos, conforme proposto pela classificação NOVA, é complexa e multidimensional. Não reflete realmente a intensidade dos processos utilizados, mas é um misto de considerações tecnológicas baseadas mais em aspectos socioculturais do que em aspectos físico-químicos que ocorrem durante o processamento de alimentos".

Procuradas, a Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Ingredientes e Aditivos para Alimentos (Abiam), Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras) e Associaçao Brasileira de Bebidas (Abrabe) não comentaram o assunto até a publicação desta reportagem.

Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa do ministério da Economia da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro se resumiu a afirmar que a medida não era mais válida por conta da decisão da Suprema Corte. Procurada, a atual gestão não informou se pretende reduzir os impostos das bebidas açucaradas novamente.

O principal argumento do STF para derrubar o decreto de Bolsonaro foi o de que o incentivo fiscal prejudicaria a Zona Franca de Manaus, um dos principais polos de fábrica do país (inclusive de refrigerantes). Isso ocorreria porque a região, que oferece benefícios fiscais para atrair empresas, deixaria ser competitiva em relação ao restante do país, o que poderia causar uma debandada de empresas e demissões em massa.

Pediatra e nutróloga do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), Maria Paula de Albuquerque afirma que, no Brasil, a indústria de alimentos ultraprocessados é pouco cobrada pelos eventuais danos causados à saúde dos consumidores.

"Não é cobrada pelo diabetes, obesidade, hipertensão e vários tipos de câncer que causa na população. Pelo contrário, tem incentivo fiscal. Existe a falácia de que se a pessoa não quiser comer alimentos ultraprocessados, ela não come. Atualmente, o agricultor familiar não tem o mesmo apoio e incentivo que a indústria. O alimento fresco está mais caro que o ultraprocessado", afirma à BBC News Brasil.

O estudo se baseou em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com informações de 2017 e 2018 sobre a participação dos alimentos ultraprocessados no total de calorias ingeridas pelos brasileiros, além de dados demográficos e de mortalidade de 2019 e um estudo que revisou pesquisas sobre a associação entre a ingestão desses alimentos e o risco de mortalidade para chegar aos efeitos associados ao seu consumo.


Os ultraprocessados são geralmente encontrados em embalagens e vendidos para o
consumo ou preparo rápido, como biscoitos recheados, salgadinhos, salsichas e
macarrão instantâneo - Foto: reprodução

Os ultraprocessados, segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo ministério, são alimentos industrializados feitos majoritariamente ou integralmente de substâncias como óleos, açúcar e gorduras, derivados de constituintes como amido modificado ou sintetizados em laboratório com base de matérias orgânicas como petróleo e carvão. Alguns desses exemplos são os corantes, conservantes e aromatizantes.

Os ultraprocessados são geralmente encontrados em embalagens e vendidos para o consumo ou preparo rápido, como biscoitos recheados, salgadinhos, salsichas e macarrão instantâneo. São alimentos considerados com sabor agradável e realçado, mas pobres em nutrientes.

"Esse tipo de alimento é rico em calorias, gordura, sal, açúcar. O Brasil se comprometeu com a Organização Pan-Americana da Saúde a reduzir o consumo de refrigerantes para frear o aumento da obesidade, e aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras na população adulta", diz Albuquerque.

O Ministério da Saúde, na gestão Jair Bolsonaro, informou à BBC News Brasil que incentiva práticas alimentares saudáveis por meio do Guia Alimentar para a População Brasileira, de maneira individual e coletiva. A pasta disse ainda que subsidia políticas, programas e ações que visem incentivar, apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população.

"O guia apresenta como regra de ouro: prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados. A adoção da classificação dos alimentos segundo nível de processamento foi considerada como mais adequada frente aos desafios de promoção de uma alimentação adequada e saudável, considerando princípios da sustentabilidade, sendo reconhecida como inovadora nacional e internacionalmente", informou a pasta em nota.

As quatro categorias são definidas de acordo com o processamento empregado na sua produção: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados.

O ministério disse que dissemina, por meio de estratégias de comunicação e treinamento de profissionais da educação e da saúde a divulgação do Guia Alimentar, principalmente para combater a obesidade infantil e suas consequências. A intenção é educar a população para o consumo de alimentos saudáveis e prática regular de esportes.

A pasta foi novamente procurada, mas não comentou o caso até a publicação desta reportagem.

Como mudar?

Maria Paula de Albuquerque integrou o Grupo de Trabalho de Saúde e Nutrição da Agenda 227, que produziu 148 propostas de políticas públicas a serem implementadas no próximo governo federal, e diz que são necessários incentivos fiscais e a implementação de políticas públicas que priorizem a produção e publicidade de alimentos nutritivos.

"Observamos um aumento do excesso de peso não somente nos adultos, mas também em crianças, já na pré-escola. Para enfrentar um problema tão complexo, precisamos desde o início trazer o tema da nutrição para dentro das escolas e dos conteúdos pedagógicos por meio de educação alimentar e nutricional. É preciso educar as crianças e seus familiares e capacitar profissionais de educação e saúde", diz a nutróloga.

A pesquisa mais recente sobre obesidade do IBGE, de 2019, revelou que o número de adultos com mais de 20 anos com excesso de peso (Índice de Massa Corporal - IMC - maior que 25) mais do que dobrou. Subiu de 12,2% em 2003 para 26,8% em 2019.

"Hoje, vivemos em um ambiente que favorece a obesidade. Quase tudo conspira para que você coma alimentos não saudáveis. Está na hora dos alimentos ultraprocessados serem abordados como o tabaco, porque esses produtos levam ao vício", afirma.


Refrigerantes e cerveja estão entre os dez alimentos mais consumidos pelos brasileiros
- Foto: reprodução

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Yale, nos Estados Unidos, revelou que os alimentos se tornam viciantes principalmente por conter altas doses não naturais de carboidratos refinados, açúcares e gordura.

Uma pesquisa feita pelo professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Walter Belik, em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola e apoiado pelo Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade, revelou que o brasileiro gastou, em 2020, R$ 831 milhões com refrigerantes e R$ 693 milhões em cerveja mais do que com arroz (R$ 821 milhões) e feijão (R$ 408 milhões). Os maiores gastos foram com as carnes bovina (R$ 2,8 bilhões) e de frango (R$ 1,7 bilhão).

O levantamento apontou ainda que o consumo de alimentos in natura caiu 7% entre 2002 e 2018, enquanto os de processados e ultraprocessados subiram 18% e 46%, respectivamente. A compra de refeições prontas aumentou 250%.

De acordo com um estudo feito pela Unifesp, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta R$ 1,5 bilhão anualmente apenas com custos relacionados a obesidade e sobrepeso.

Mexer no bolso

Andre Braz, economista da FGV e coordenador-adjunto do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), diz que, em 2022, o preço dos alimentos in natura subiu mais do que os de processados e ultraprocessados.

A inflação medida pelo IPC em dezembro de 2022 foi de 4,3%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Entretanto, a cebola subiu 114,66%, a maçã, 57,53%, a batata inglesa, 52,56% e a banana nanica, 35,96%.

Já entre os alimentos processados e ultraprocessados, os maiores aumentos foram da maionese (32,25%), do tempero pronto (18,75%) e do macarrão instantâneo (19,73%), segundo o IPC.

Para Braz, muitas pessoas optam por comer um alimento ultraprocessado a uma fruta por uma questão cultural.


Para o economista Andre Braz, a solução é desestimular o consumo de ultraprocessados
por meio da taxação dos produtos. - Foto: reprodução

"O alimento ultraprocessado é prático. Não precisa cozinhar ou descascar. Tem alguns que você só abre a lata e come. Essa praticidade é conveniente para quem trabalha muitas horas. É comida barata e com muita caloria, então você vicia naquilo. Seu corpo está com fome, você come rápido, ele para de reclamar e você vicia em algo pouco nutricional", afirma.

Esse é um problema de saúde que bate às portas do SUS. Para o economista, as empresas que vendem produtos que causam doenças e mortes deveriam pagar por esse custo extra aos cofres públicos.

"Esses produtos geram um problema para a administração pública. O cigarro vicia, mas tem um imposto gigante. A salsicha, não. Você pode se intoxicar de salsicha, mas a contrapartida de imposto não é suficiente para custear o governo. A cerveja ainda tem um imposto alto também, mas os outros alimentos não", afirma.

Para Andre Braz, a solução é desestimular o consumo de ultraprocessados por meio da taxação destes produtos.

"Assim, você estimula o indivíduo a largar a lata de sardinha e pegar a fruta. O ideal é que esses alimentos sejam taxados para que esse dinheiro seja destinado a hospitais e educação infantil. Se o preço do refrigerante triplicar, as pessoas correm para o suco em pó. Se aumentar também, elas vão comprar água ou suco natural", afirma.

Redução em Portugal

Em Portugal, um estudo da Nova School of Business and Economics apontou que as vendas de refrigerantes no país caíram 12,5% em 2022 em relação a 2017. De acordo com o jornal português Sapo, isso ocorreu após a aprovação de uma lei que elevou a taxação de bebidas açucaradas, como o refrigerante.

De acordo com a publicação, as exportações ou as grandes empresas não foram afetadas pela medida, e os mais prejudicados foram os pequenos produtores.

No Brasil, um projeto de lei que prevê a taxação da venda de refrigerantes em até 20% tramita Senado. O texto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais e agora segue à Comissão de Assuntos Econômicos.

O projeto de lei prevê que 80% do dinheiro arrecadado sejam destinados a despesas com ações e serviços públicos de saúde, seguindo diretrizes do SUS. Esse dinheiro seria recolhido ao Tesouro Nacional e repassado diretamente ao Fundo Nacional de Saúde.Os outros 20% restantes serviriam para custear programas e projetos esportivos e paradesportivos.

Rótulo e o desestímulo

Para Maria Paula de Albuquerque, é necessária a adoção de leis para desestimular o consumo de ultraprocessados no país.

"A lei de rotulagem no Brasil avança em passos lentos. Especialistas e a sociedade civil, em consulta pública solicitaram uma rotulagem frontal octagonal, a mesma usada no Chile, que privilegia as informações de alerta para o consumidor, como alimento com alto teor de gordura ou açúcar. Mas o modelo entregue pela Anvisa usou um rótulo frontal menor e, portanto, com menos impacto", diz.

A lei de rotulagem no Chile foi alterada em 2019 com o objetivo de fornecer informações mais claras e precisas aos consumidores sobre os produtos que compram. Entre as principais medidas, estão os rótulos de advertência com destaque em octógono quando o alimento contém substâncias potencialmente nocivas à saúde, como bebidas alcoólicas e cigarros.

No país, também são exigidas as identificações de alergênicos e informações nutricionais, como quantidade de calorias, sódio e açúcar.

Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que o Brasil adotou em 2019 o modelo de rotulagem frontal que indica ao consumidor os alimentos com alto índice de sódio, açúcar e gordura. Segundo o órgão, a escolha está "largamente amparada em dados técnicos" e se aplica aos alimentos embalados, processados e ultraprocessados.


Estudo aponta que consumo de produtos ultraprocessados pode viciar - Foto: reprodução

"Antes de propor o design de lupa na rotulagem nutricional frontal, a Anvisa analisou os modelos adotados, de forma mandatória ou voluntária, em mais de 40 países. Entre as mais de 82 mil contribuições recebidas na consulta pública, foram recebidas manifestações para a melhoria dos critérios de legibilidade e design do modelo de rotulagem nutricional frontal proposto, de forma a permitir sua declaração na diversidade de tipos e tamanhos de embalagens disponíveis no mercado", informou a Anvisa.

Segundo o órgão, o modelo da lupa foi escolhido por "ser o mais alinhado ao objetivo regulatório traçado, por facilitar a compreensão da rotulagem nutricional pelo consumidor brasileiro, possibilitando escolhas autônomas e conscientes pelos consumidores, sendo o mais coerente com o papel da alimentação na saúde da população".

Para Albuquerque, é necessário dar incentivos fiscais ao pequeno agricultor e favorecer hortas comunitárias para valorizar o consumo de alimentos frescos e com alto teor nutritivo e taxar alimentos que causam doenças.

"A gente tem que proporcionar escolhas melhores para o consumidor. Ou seja, comida de verdade. Hoje, não temos problemas na produção de alimentos. O Brasil tem alimento para todos, mas nem sempre isso é acessível. Precisamos garantir o direito à alimentação adequada, reforçar as práticas de educação nutricional nas escolas e comunidades e fortalecer as macropolíticas e governança sobre o tema."

 

Fonte: BBC Brasil


sexta-feira, 10 de março de 2023

Mesmo salário para homens e mulheres? Por que leis para corrigir desigualdade não 'vingaram' no Brasil

Foto: reprodução

O presidente Luis Inácio Lula da Silva apresentou no Dia Internacional da Mulher (8/3) uma proposta de lei para garantir a equiparação de salários de homens e mulheres que fazem trabalhos idênticos.

Já existe na legislação brasileira a determinação de que homens e mulheres que realizam o mesmo trabalho sejam remunerados da mesma forma, mas na prática muitas vezes essa exigência legal não é cumprida.

Além disso, já tramitam no Congresso outras propostas com o mesmo objetivo, mas que ainda não conseguiram ser aprovadas.

Entenda as tentativas de criar uma lei sobre isso já feitas, o que já existe previsto na legislação, porque ela não é cumprida e as dificuldades que a nova proposta do governo pode enfrentar.


Equidade de salários ainda não é realidade no Brasil - Foto: reprodução

Por que as leis não são cumpridas

A previsão de que não haja discriminação de gênero no trabalho está presente de maneira mais ampla em diversas partes da Constituição, explica a advogada trabalhista Paula Boschesi Barros.

"Desde o artigo 5 que diz que todos são iguais perante a lei até o artigo 7, que fala de proibição de diferença salarial", explica Barros.

Além disso, a CLT, em seu artigo 461, diz que as empresas devem pagar o mesmo salário independentemente do "sexo" do trabalhador se as funções forem idênticas.

A exigência foi reforçada na Lei 14.457 de 2022, que diz no artigo 30 que "às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador".

Na prática, no entanto, essas obrigações são com frequência descumpridas.

Dados do IBGE mostram que as mulheres, em média, ganham 77,7% do salário dos homens apesar da população feminina ter um nível educacional mais alto. Quando se considera apenas cargos de gerência, diretoria e outros de maior salário, a diferença é ainda maior — as mulheres nesses cargos ganharam na média apenas 61,9% do que os homens receberam.

Barros explica que, apesar de determinar a exigência dos salários iguais, a legislação existente não estabelece nenhuma sanção em caso específico de discriminação salarial por gênero. Ou seja, não há fiscalização nem multa específicas caso as empresas não estejam dentro da lei.

"O único jeito de isso se materializar é se o assunto for tratado em uma ação trabalhista", diz a advogada, especialista em direito trabalhista do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa.

Ou seja, as empresas que descumprem a regra só têm algum tipo de prejuízo legal se a trabalhadora entrar com um processo. Mas existem muitas barreiras a isso — de dificuldade no acesso à Justiça ao medo de impactos negativos em sua reputação no mercado.

O advogado Fernando Peluso, coordenador do curso de Direito do Trabalho do Insper, afirma que, mesmo que a trabalhadora vença uma ação, as multas por descumprimento da legislação trabalhista em geral são muito baixas para penalizar os grandes empregadores.

"As multas por descumprimento da legislação trabalhista são irrisórias", diz Peluso.

Para muitas empresas, arcar com eventuais multas em ações trabalhistas sai mais barato do que cumprir a legislação.

Além disso, é bastante complicado estabelecer e provar que os trabalhos são idênticos e que a diferença salarial é resultado de discriminação.

"Existem requisitos bem específicos para determinar que os trabalhos são idênticos", explica Peluso. "Não é a mera nomenclatura do cargo que garante que a pessoa deve ganhar a mesma coisa."

Ele explica que as pessoas precisam não só ter o mesmo cargo, mas realizar as mesmas tarefas, com a mesma perfeição técnica e com a mesma produtividade. Além disso, a diferença de tempo exercendo a função também pode justificar o pagamento diferente".

Na prática, diz Paula Boschesi Barros, muitas empresas usam detalhes como esse e brechas para criar uma justificativa para diferenças salariais que na verdade são provenientes de discriminação de gênero.

"Pode ser difícil dizer em casos individuais, mas quando olhamos estatisticamente fica bem claro (que existe diferença salarial por causa do gênero)", afirma.

As propostas no Congresso e o projeto do governo Lula

Além das leis que já estão em vigor, já existem outras tentativas de criar legislação que ajude a resolver o problema da desigualdade salarial entre homens e mulheres.

Uma delas prevê justamente a criação de uma multa específica para empresas que descumprirem a lei. É o PL 1558/2021, de criação do deputado Marçal Filho (PMDB), que já passou pela Câmara dos Deputados e agora está sendo analisado no Senado.

Outro projeto, o PL 111/23, proposto pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL), cria um mecanismo para garantir o cumprimento da lei, prevendo fiscalização feita pelo Ministério da Justiça.

Apesar da existência de propostas como essa, o governo Lula quis consolidar novas regras para tentar garantir a igualdade em um novo projeto proposto ao Congresso pelo Executivo.

A BBC apurou que o texto, que será divulgado nesta quarta-feira (8/3), deve incluir a previsão de multa ou regresso de concessão fiscal a empresas em que houver desigualdade salarial por causa de gênero.

O advogado Bruno Freire, especializado em direito processual, afirma que a criação de uma sanção deve ajudar no cumprimento da lei, mas outras dificuldades permanecem — como estabelecer em casos específicos que a diferença salarial é resultado de discriminação.

"A lei é aplicada de forma efetiva quando traz uma sanção", diz ele, que é professor de direito na UERJ. "Mas há uma série de outros obstáculos que são culturais e sociais."

Para Paula Barros, é preciso uma mudança sistemática que vai além do que pode ser conseguido com um projeto legislativo.

"É uma questão de base, de cultura. A conscientização está avançando ainda a passos muito lentos", diz ela.

A Organização Internacional do Trabalho publicou um estudo apontando outras medidas que poderiam ser adotadas e que poderiam ter influência na igualdade salarial, como, por exemplo, ampliar a transparência na divulgação dos pagamentos quando uma vaga é anunciada ou aumentar a licença paternidade para os homens.

Fonte: BBC Brasil



sábado, 18 de fevereiro de 2023

O jovem de 20 anos que fundou empresa que vale US$ 1 bi

Foto: reprodução
Ele triunfou com uma fórmula clássica no mundo dos negócios: encontrando a solução para um problema.

Mas no caso de Aadit Palicha, há duas coisas que surpreendem: a sua idade, ele tem apenas 20 anos, e a velocidade com que conseguiu criar um negócio que hoje está avaliado em US$ 900 milhões (em torno de R$ 4,7 bilhões).

Palicha é co-fundador da Zepto, uma empresa que se dedica à entrega a domicílio de todo o tipo de víveres com a promessa de fazer entregas em menos de 10 minutos e que atualmente é considerada uma das start-ups que mais crescem na Índia.

"Tem sido uma jornada muito louca. Lançamos a Zepto em julho de 2021 e, desde então, em cerca de 16 a 17 meses, passamos de não vender nada a vender para cerca de US$ 200 milhões em vendas anuais. Esperamos que essa trajetória de crescimento leve a vendas de US$ 1 bilhão por ano no terceiro ou quarto trimestre de 2023", disse Palicha durante entrevista ao programa Rádio Business Daily da BBC.

Mas como eles fizeram isso?

Tudo começou durante a pandemia do coronavírus. Palicha e o co-fundador, Kaivalya Vohra, dividiam um apartamento em Mumbai e tiveram de lidar com o problema de conseguir alimentos.

"Durante o primeiro confinamento, conseguir alimentos e mantimentos foi um pesadelo total. A maioria das lojas tinham fechadas e as opções online levavam de 6 a 7 dias para serem entregues, devido ao caos", diz ele.

"Para nós dois foi um esforço tremendo lidar com isso e quando conversamos com nossos vizinhos - a maioria deles muito mais velhos que nós - vimos que era um problema imenso para eles. Então surgiu a ideia: por que não entregamos alimentos para eles? E isso acabou se tornando a Zepto: uma maneira mais rápida, conveniente, confiável e fresca de obter víveres", acrescenta.

Entregas em 10 minutos

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Um elemento que diferencia a Zepto da concorrência é a promessa de entregar os pedidos em 10 minutos.

Qual é o segredo? As chamadas lojas (ou supermercados) fantasmas.

“Entregamos as compras em 10 minutos essencialmente graças a uma rede de micro-lojas ou lojas fantasmas com as quais temos parceria em todo o país”, diz Palicha.

Ele explica que quando um usuário abre o app Zepto, encontra uma lista com mais de 5 mil produtos bem organizados, mas por trás disso, o que o sistema faz é conectar o comprador com a microloja fantasma mais próxima de onde o pedido deve ser entregue.

Esses armazéns estão exclusivamente dedicados a esta função e estão organizados de forma a otimizar todo o processo de localização e embalagem dos produtos solicitados para que todo esse procedimento seja feito em menos de 90 segundos.

Em seguida, o pedido é colocado nas mãos de um entregador que, graças à localização das lojas, deve fazer percursos que, em média, não ultrapassam 1,7 quilômetros.

"Isso não exige que eles andem muito rápido. Na verdade, somos capazes de entregar rápido por causa das distâncias curtas, e não de altas velocidades [dos motoristas]", diz Palicha.

A decisão de definir o tempo de entrega em 10 minutos não foi fruto do acaso, mas sim resultado de testes feitos com diferentes possibilidades e que mostraram que poderiam obter mais rendimento com essa opção.

"Descobrimos que a frequência [de consumo] dos clientes era muito maior se você entregar em 10 minutos. Há muitos casos em que entregar em 30 ou 40 minutos é bom, mas há alguns casos muito urgentes em que esses tempos não são suficientes - quando alguém precisa de arroz ou creme de barbear, mas imediatamente - então você recebe mais pedidos do mesmo cliente com entrega para 10 minutos", diz Palicha.

Concretizar as conquistas

Atualmente, a Zepto opera nas principais cidades da Índia e conta com mais de mil pessoas trabalhando em seus escritórios e dezenas de milhares de entregadores.

No entanto, Palicha é cauteloso quando se trata de declarar que seu empreendimento é um sucesso.

"Não sentimos que já somos bem-sucedidos. Somente quando formos uma empresa altamente lucrativa e de capital aberto, colocarei uma bandeira no chão e direi que somos bem-sucedidos. Acho que apenas arranhamos a superfície. Na verdade, acreditar que somos realmente bem-sucedidos é um pouco perigoso porque há muito mais que podemos fazer”, diz ele.

"Você pode se sentir bem com isso. Minha empresa está avaliada em US$ 900 milhões — o que é muito dinheiro — e eu tenho 20 anos. Mas a realidade é que — como diz um de nossos principais investidores — uma start-up de US$ 1 bilhão inicial está a três erros de chegar a zero. Portanto, até que você tenha concluído sua jornada [tornando a empresa lucrativa e abrindo o capital], você pode ir a zero a qualquer momento", acrescenta.

"Se não fizermos besteira agora e continuarmos trabalhando como temos feito, estamos diante de uma oportunidade que potencialmente pode mudar o jogo em um dos maiores mercados deste país”, conclui.

Fonte: BBC Brasil


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

DPOC: o que é a doença 'silenciosa' sem cura de que sofria o ator Pedro Paulo Rangel

Foto: Reprodução

Se você é fumante habitual, como foi o ator Pedro Paulo Rangel, morto na madrugada de quarta-feira (21/12) aos 74 anos, tem 90% de chance de sofrer de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). E é provável que você nem saiba disso.

Rangel, que fumou até 1998, foi diagnosticado com DPOC em 2002. A doença não tem cura, mas o ator conseguiu controlá-la com remédios e fisioterapia. Ele estava internado desde o dia 30 de outubro na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro — sua morte foi confirmada pela assessoria de imprensa do hospital.

O ator, um dos grandes nomes do teatro brasileiro e presença marcante na TV, faz parte de um pequeno contingente de pacientes que recebe o diagnóstico positivo para a doença. Estima-se que apenas um a cada dez brasileiros com DPOC é corretamente diagnosticado. (ler mais abaixo).


DPOC afeta principalmente aqueles que estão expostos à fumaça do cigarro, sejam
 fumantes ativos ou passivos - Foto: Reprodução

O que é a DPOC

A DPOC é caracterizada por uma redução persistente do fluxo de ar. Piora com o tempo e pode se agravar a ponto de levar à morte.

Ela se desenvolve de quadros persistentes de bronquite ou enfisema pulmonar. Na bronquite, há persistente produção de muco e inflamação nas vias aéreas. No enfisema há destruição dos alvéolos, estruturas responsáveis pelo fluxo de ar nos pulmões.

Sua principal causa é a exposição à fumaça do cigarro, seja o fumante ativo ou passivo. A exposição a outros tipos de fumaça também causar a doença — quem trabalha com fornos de lenha em pizzarias ou carvoarias também corre risco.

E, geralmente, se manifesta de forma silenciosa: 80% das pessoas afetadas nem sequer sabem disso, segundo a Fundepoc, uma instituição argentina especializada na doença.

Também não há cura para a DPOC e cerca de 3 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência do mal, segundo a OMS, que afeta 384 milhões de pessoas em todo o mundo.

Do total de vítimas, 13,6% são adultos com mais de 35 anos da América Latina, conforme os dados da Fundepoc. No Brasil, estima-se que 6 milhões de pessoas tenham DPOC — mas somente 12% dos pacientes são diagnosticados.


Um dos grandes problemas da Dpoc é que nem sempre ela é diagnosticada; a tosse
 pode ser um dos sinais de alerta - Foto: Reprodução

Sintomas

Um dos grandes problemas da DPOC é justamente que nem sempre ela é diagnosticada.

E os fumantes geralmente não se queixam ou vão ao médico por estarem tossindo ou apresentarem dificuldades respiratórias, adverte a OMS.

A doença evolui de forma lenta e normalmente só se torna visível a partir dos 40 ou 50 anos, assegura a mesma organização.

Os sintomas mais frequentes são a dispneia (dificuldade para respirar), tosse crônica e a produção de fleumas (expectoração com muco).

A doença piora com o tempo e atividades cotidianas como subir escadas ou carregar uma mala podem ser extremamente difíceis. A dificuldade para respirar, em princípio relacionada ao esforço, acaba aparecendo também quando se está em repouso. Às vezes, ela é tão forte que pode chegar a incapacitar a pessoa por completo. Neste caso, deve-se procurar o médico com urgência.


Fumaça emitida por chaminé de fábrica: A poluição externa é um dos fatores
considerados de risco, segundo especialistas - Foto: Reprodução

Riscos

As pessoas expostas à fumaça do cigarro têm mais probabilidades de sofrer da doença quando estiverem na faixa de 35 ou 40 anos. Mas não são as únicas em risco.

Outros fatores de risco incluem:

Poluição derivada de combustíveis sólidos na cozinha e aquecimento (ar interior)

Poluição externa

Exposição a vapores, substâncias que provocam irritação, gases, poeira e produtos químicos no local de trabalho

Infecções recorrentes das vias respiratórias durante a infância

Há anos, a DPOC atingia mais aos homens uma vez que eles fumavam mais do que as mulheres, mas agora o índice de tabagismo nos países de alta renda é semelhante entre os dois sexos.

Além disso, nos países de baixa renda as mulheres são as que estão mais expostas ao ar interior contaminado.

Segundo a OMS, mais de 90% das mortes por causa da doença ocorrem em países de renda média baixa porque as estratégias de prevenção não são eficazes e os tratamentos não estão disponíveis ou não são acessíveis para todos os doentes.


Parar de fumar e adotar outros hábitos mais saudáveis, como fazer exercícios, estão entre
as estratégias mais eficazes para prevenção da Dpoc - Foto: Reprodução

Incurável, mas evitável

A DPOC não tem cura, mas pode ser evitada.

Deixar de fumar ou reduzir a exposição à poluição, seja interior, exterior ou do tipo químico, são exemplos de como se precaver.


Fumaça interna em países pobres afeta especialmente as mulheres por causa da
combustão de sólidos para cozinhar em casa - Foto: Reprodução

A DPOC também pode ser detectada por um "teste de sopro" chamado espirometria. Nesse teste, é usado um aparelho no qual a pessoa assopra para se avaliar a quantidade de ar que é capaz de colocar para dentro e para fora dos pulmões — e a velocidade com que faz isso. Se indicar alteração nessa capacidade respiratória, novos exames podem ser pedidos pelo médico para confirmar o diagnóstico dessa ou de outras doenças respiratórias.

Para aliviar os sintomas existe tratamento com medicamentos e fisioterapia.

Aumentar nossa capacidade de fazer exercícios e levar uma vida mais saudável também pode reduzir o risco de morte.

Fonte: BBC Brasil


sábado, 24 de dezembro de 2022

ESPECIAL BBC - O que era a Saturnália, rito romano pagão ao qual se atribui a verdadeira origem da celebração do Natal

Imagem: Reprodução
O Império Romano deixou como legado ao mundo ocidental, entre muitas coisas, os princípios do ordenamento jurídico praticado em dezenas de países, as raízes de línguas como o espanhol, o francês ou o italiano, e até a lógica com que operam os Corpos de Bombeiros que trabalham nas cidades.

Mas talvez haja um elemento desse legado que não é tão conhecido: a festa do Natal.

Em uma das principais celebrações do Cristianismo, hoje marcada por árvores luminosas, Papai Noel, manjedouras e reuniões familiares, é difícil ver qualquer vestígio da cultura romana.

Principalmente porque, por mais de cinco séculos, o Império Romano era um povo que acreditava em múltiplas divindades.

Mas qual é a ligação entre o Natal que conhecemos e a Roma Antiga?

A resposta a essa pergunta se refere a uma celebração romana em particular: a Saturnália, o rito com o qual o inverno era recebido no Império Romano.

"A escolha de 25 de dezembro como a data do nascimento de Jesus não tem nada a ver com a Bíblia; ao contrário, foi uma escolha bastante consciente e explícita de usar o solstício de inverno para simbolizar o papel de Cristo como a luz do mundo", diz Diarmaid MacCulloch, professor de história da Igreja na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

"Os costumes festivos e desregrados da Saturnália na mesma época do ano naturalmente migraram para a prática cristã, uma vez que no século 4 o Cristianismo estava se tornando mais proeminente na sociedade romana. As novas crenças seriam mais bem aceitas se não entrassem em conflito com antigos costumes não cristãos", acrescentou.

Mas quando ocorreu esse encontro entre os ritos romanos e as celebrações cristãs e como chegaram aos nossos dias?


Durante Saturnália, havia espécie de inversão de papéis: homens vestidos de mulheres
e senhores vestidos de escravos - Imagem: Reprodução

Saturnália

A Saturnália era um festival realizado pelos romanos antigos para celebrar o que chamavam de "renascimento" do ano, para marcar o solstício de inverno no calendário juliano (prevalente no império romano e na Europa durante séculos) que, curiosamente, era celebrado em 25 de dezembro.

Porém, a festa começava oito dias antes, em 17 de dezembro, quando as normas que ordinariamente regiam a sociedade eram invertidas: os homens se vestiam de mulher e os senhores se vestiam de servos.

Mas começaram então as semelhanças com o Natal que conhecemos nos dias de hoje: as casas eram decoradas com folhagens, velas eram acesas e... presentes eram trocados.

"Essa celebração era realizada em homenagem ao deus Saturno (daí o nome) e sempre foi caracterizada pelo relaxamento da ordem social e pelo clima de carnaval", diz a historiadora Marguerite Johnson, da Universidade de Newcastle, na Austrália, em entrevista.

Johnson enfatiza que a celebração em homenagem a Saturno no início do inverno tinha um significado: Saturno era a principal divindade dos romanos.

"Ele era o deus do tempo, da agricultura e das coisas sobrenaturais. Como os dias encurtavam e de alguma forma a terra morria de forma simbólica, era necessário que o deus do tempo e da comida ficasse feliz", explica Johnson.

E como parte dessa tradição de agradar a divindade e outras pessoas, os presentes foram introduzidos.


Historiadores situam o nascimento de Jesus nos meses de março e abril
- Imagem: Reprodução

"Como parte das festividades, os romanos trocavam presentes: velas, chinelos de lã, chapéus e até meias. E o faziam entre famílias, enquanto os escravos desfrutavam de tempo livre."

Mas a historiadora lembra que, além da festa da Saturnália, os romanos tinham outra celebração importante: a do "nascimento do sol invicto ou não conquistado" (Natalis Solis Invicti), que era celebrado todo dia 25 de dezembro, segundo diversos documentos dos tempos romanos.

"No almanaque do século 4, o Calendário de Filocalus, é mencionado uma celebração do Invictus em 25 de dezembro, que é provavelmente uma referência ao 'Sol Invicto'", diz Johnson.

"E é nesse documento que se faz a primeira menção que 25 de dezembro é o nascimento de Jesus", acrescenta a historiadora.

Dezembro

A verdade é que, no fim da era romana, o Natal já fazia parte do calendário romano.

Foi um processo gradual, segundo os historiadores, que teve a ver com uma hibridização ou amálgama de tradições.

Em meados do primeiro século, os cristãos já haviam chegado a Roma e começaram a moldar a sociedade do império.

"À medida que o cristianismo se tornou mais arraigado no mundo romano e a antiga religião politeísta ficou para trás, os cristãos se adaptaram a esses ritos estabelecidos e os tornaram seus", observa Johnson.

"É muito plausível que tenham escolhido essa festa pela sua relação com o renascimento, mas dessa vez com o renascimento de Cristo, a quem ao mesmo tempo foi confiada a missão de os redimir e conduzir à vida eterna", acrescenta.

Já no século 4 tudo passou a estar escrito: entre 320 e 353, o Papa Júlio 1º fixou a solenidade do Natal em 25 de dezembro, talvez como estratégia para converter os romanos.


Papa Leão 1º foi quem confirmou no século 5 data de 25 de dezembro como
comemoração do nascimento de Cristo - Imagem: Reprodução

No ano de 449, o Papa Leão 1º estabeleceu a data para a comemoração do nascimento de Jesus como uma das principais festas da Igreja Católica e finalmente o Imperador Justiniano em 529 a declarou feriado oficial do império.

Então, começou-se a supor que Jesus havia nascido em dezembro. No entanto, o historiador italiano Polidoro Virgilio no século 15 começou a notar as semelhanças entre vários ritos pagãos e a celebração do Natal.

"Polidoro Virgilio apontou a conexão entre a tradição predominantemente inglesa, 'The Lord of Misrule', que ocorria no dia de Natal, e o costume equivalente que ocorria durante a Saturnália. Ambos envolviam senhores e servos ou escravos trocando papéis por um dia", observa Johnson.

Desde então, busca-se a data exata do nascimento de Jesus, que alguns historiadores situam em meados de março ou início de abril.

Mas a influência é tão forte que continuamos a comemorar com presentes, festas e reuniões familiares no dia 25 de dezembro.

Este texto foi originalmente publicado em dezembro de 2021 e republicado após atualização.

Fonte: BBC Brasil