quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Após criticar 'lavajatismo', professor de direito é ameaçado de processo

Foto: Reprodução

O advogado Agassiz Almeida Filho, professor de Direito Constitucional da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), está sendo ameaçado de ser processado por promotores e procuradores de Justiça da Paraíba depois de criticar a forma jurídica da Operação Calvário, desenvolvida pelo MPPB (Ministério Público da Paraíba). O professor critica os moldes da Operação Lava Jato — que, para ele, fere a Constituição Federal ao expor investigados sem observar o princípio da presunção de inocência e produzem denúncias sem valor jurídico. O jurista denomina este tipo de ação como "lavajatismo".

Após tomar conhecimento das críticas, a APMP (Associação Paraibana do Ministério Público) marcou uma reunião extraordinária com os membros da instituição para o próximo dia 6, para tratar sobre uma possível ação judicial indenizatória coletiva. Para o professor, a reunião vem como forma de cercear o direito de liberdade de expressão e o seu exercício profissional como advogado. Já APMP justifica que as críticas do professor não foram feitas em ambiente acadêmico para serem debatidas com estudantes de direito.

Almeida é crítico ferrenho de alguns métodos da Operação Lava Jato e de ações semelhantes ocorridas no estado — que, para ele, ferem a Constituição Federal ao expor investigados sem observar o princípio da presunção de inocência e produzem denúncias sem qualquer valor jurídico. Um dos investigados na Operação Calvário é o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB). Em um vídeo, Agassiz Filho disse que "o papel do Ministério Público não é acusar de forma leviana, sem provas e utilizando a imprensa como instrumento para convencer a opinião pública". 

O advogado segue afirmando que o Ministério Público não está prejudicando apenas o ex-governador, mas também os moradores da Paraíba e de João Pessoa, pois "está criando as condições necessárias para que essas pessoas se confundam e pensem que Ricardo Coutinho, de alguma maneira, se desviou do caminho ético, do caminho sério, do caminho profissional que ele sempre observou". O professor de direito destaca ainda que o MP está "fazendo um desfavor, não apenas a Ricardo Coutinho, mas a Paraíba e a João Pessoa como um todo e está interferindo, indevidamente, no processo político".

Agassiz Filho afirma que a atuação da Operação Calvário, como a Lava Jato, fere a presunção de inocência e expõe os investigados porque o órgão divulga informações, convocando entrevistas coletivas com a imprensa, que não deveriam ocorrer para não expor a identidade dos investigados, evitando, desta forma, que ocorresse um julgamento prévio sem que o suspeito tenha sequer sido denunciado. O professor também afirma que as delações premiadas feitas por pessoas presas não são voluntárias, o que as tornaria ilegais e inconstitucionais. veja

Na última terça-feira (27), o MPPB realizou a nona fase da Operação Calvário, a qual deu cumprimento a dez mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça e prendeu o ex-assessor do Tribunal de Contas do Estado, Sérgio Ricardo de Ribeiro Gama Filho, em João Pessoa. A prisão foi determinada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Francisco Falcão. O Ministério Público busca provas contra uma suposta organização criminosa que é investigada por desviar verbas destinadas à saúde no Estado. Dentre os investigados, estão o ex-governador da Paraíba e candidato a prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho.

Reunião intimidatória 

O professor de Direito diz que se sentiu censurado e impedido de expor seus argumentos sem sofrer retaliações. "Esse ato me parece uma intimidação que pode atingir qualquer outra pessoa que seja crítica à Operação Calvário ou a qualquer outra operação. Suponho que estou na minha linha de trabalho e, se esta inusitada decisão da Associação Paraibana do Ministério Público se impuser, ninguém poderá mais abrir a boca para manifestar opinião. Isso fere a liberdade de expressão, que tem seus limites, mas desse jeito ninguém pode dizer nada", argumenta.

Agassiz Filho disse que está preocupado com o modo como a liberdade de expressão e a democracia vêm sendo tratadas no país e na Paraíba, pois, para ele, a assembleia da APMP ocorre de forma "intimidatória" e "criando animosidade" de todo um grupo "contra uma pessoa [ele]".

"É importante ressaltar que todas as pessoas e instituições públicas estão sujeitas a críticas institucionais. Se não, a democracia deixa de existir", ressaltou o jurista, em entrevista ao UOL, destacando que sempre foi crítico sobre a forma como ocorre a Lava Jato e todas as operações que têm os mesmos métodos.

"Faz-se um circo, expondo pessoas sem provas, chamando a imprensa com coletivas, para que haja uma condenação prévia, negando-se o direito constitucional de que todos são inocentes até que se prove o contrário."

O advogado destaca que outros juristas, como o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, já criticaram ferrenhamente a Lava Jato e não "tiveram o direito cerceado de expressão".

"Considero importante que a Operação Calvário e que essas operações do Gaeco [Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado] voltem para os caminhos da Constituição e que haja interação entre esses profissionais do direito e a sociedade. As operações atuam à margem da vida das pessoas", reforça o advogado.

O professor explica que o Brasil precisa combater a corrupção, mas as operações investigatórias devem ocorrer com outros métodos, sem ferir a Constituição Federal. "Critico a Operação Lava Jato, desde o início, não em razão do combate à corrupção, mas por alguns métodos utilizados que são contrários à Constituição. Sustento em capítulos de livros, em conferências, na imprensa em geral, que haja investigações com base em outros métodos.

Essas operações, por exemplo, não devem ter nome, não pode haver entrevista coletiva, porque isso fere a presunção de inocência e dificulta a defesa, já que os investigados são condenados pela opinião pública antes de serem denunciados", argumenta.

A ABDJ (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) divulgou uma nota de apoio a Almeida Filho e repúdio à APMP, afirmando que o jurista está sendo "vítima de retaliação por parte da Associação Paraibana do Ministério Público", por emitir opiniões jurídicas sobre o "lavajatismo", e, neste caso específico da Paraíba, sobre a Operação Calvário... - Leia mais

Fonte: UOL / Via veja