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Não foi exatamente com a ideia de fazer uma bebida que custasse nas prateleiras quase R$ 2.500 (algumas lojas chegam a cobrar R$ 3.500) que Luiz Otávio Possas Gonçalves, 75 anos, criou a cachaça Vale Verde 18 Anos. Segundo o empresário, também fundador da marca de cerveja Kaiser nos anos 1980 (hoje propriedade da Heineken), o líquido surgiu quase que espontaneamente na destilaria da Vale Verde, inaugurada há 36 anos na cidade de Betim, em Minas Gerais. Na comemoração do Dia Nacional da Cachaça ontem (13), ele conversou a respeito das suas bebidas.
Possas foi à Europa estudar técnicas de fermentação e destilação antes de lançar sua primeira cachaça, envelhecida três anos. “É pessoalmente minha favorita. Deixo no freezer para tomar bem gelada. As mais envelhecidas vão perdendo o sabor da cana”, conta o empresário, que tem um lema: há apenas duas ocasiões para tomar o destilado símbolo do Brasil, “quando chove e quando não chove”.
A bebida nasceu nas senzalas dos engenhos de cana-de-açúcar no século 16, começo da era colonial. Feita a partir da fermentação e destilação do melaço de cana, foi considerada durante séculos uma bebida “pobre”, por ser consumida pela classe mais baixa. Com os métodos cada vez mais sofisticados para produção de bebidas e o reconhecimento internacional, porém, a cachaça tem ganhado mais status, ainda que o preço médio de uma garrafa de bebida muito boa gire em torno de R$ 80.
O que faz, então, essa 18 anos ser tão valiosa? Gonçalves explica que o processo de produção é todo pensado para que a cachaça saia da destilaria com o maior grau de pureza possível. “Não usamos nenhum aditivo para acelerar a fermentação da cana, por exemplo. Alguns usam fubá, o que acaba deixando a bebida mais ácida”, conta. A cachaça ainda passa por filtragem de resina catiônica e em carvão de pinheiro antes de ser 100% envelhecida em barris de carvalho. Em uma conta simples, cada ano que a Vale Verde passa no barril custa ao comprador mais ou menos R$ 135.
Segundo Felipe Jannuzzi, especialista em cachaças e criador da iniciativa Mapa da Cachaça, apenas a Weber Haus 12 anos (que custa cerca de R$ 1.900) e itens de colecionador têm preços altos como a Vale Verde 18 Anos. “Há Havanas entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, por exemplo. Bebidas que se tornaram famosas depois que o produtor morreu, como a Maria da Cruz, que era fabricada por José Alencar [ex-vice-presidente da República, morto em 2011], também são bem caras atualmente”, pontua.
Enquadrada na regulação nacional como extrapremium pelo Ministério da Agricultura (100% envelhecida em recipiente de madeira, com volume máximo de 700 litros e período não inferior a três anos), a Vale Verde 18 Anos tem sabor distinto de qualquer outra disponível no país, por ser envelhecida por muito tempo em carvalho. Segundo Jannuzzi, a destilaria faz ótimo trabalho com uma linha de cachaças clássicas e trabalha bem a madeira importada.
O bartender Laércio Zulu, especialista na bebida e na confecção de coquetéis à base de cachaça, tem um contraponto. “É um bom produto, mas não me impressiona. Sou um pouco resistente a cachaças muito envelhecidas, pois o sabor fica muito tomado de madeira. A bebida acaba ficando descaracterizada e sendo até associada ao rum”, afirma.
A relação com o rum é polêmica, pois durante muito tempo a cachaça foi chamada na comunidade internacional de “rum brasileiro”, até ganhar status original em 2013. Para Zulu, quando ele pensa em cachaça, já imagina a versão branca. Por isso, diz que as envelhecidas são praticamente outro produto.
Por seu sabor intenso, não é boa ideia tomar uma cachaça tão envelhecida em caipirinhas, por exemplo, para as quais o destilado branco, sem envelhecimento, seria melhor. Gonçalves, que divide o tempo entre o alambique e a criação de pássaros, dá sua dica: “Tirando a caipirinha, que faço com cachaça branca, gosto de tomar a bebida pura”.
Escolha a sua
O mercado brasileiro movimenta cerca de R$ 7,5 bilhões e produz 1,4 bilhão de litros ao ano, segundo dados da Expocachaça. O Ministério da Agricultura divulgou em maio que, no país, há 951 produtores (a Expocachaça contabiliza 40 mil) e 3.700 rótulos. Com tantas opções, como escolher uma boa bebida? Para Jannuzzi, uma cachaça de qualidade, precisa ter o certificado do Ministério da Agricultura, que garante sua pureza. A bebida também deve ser cristalina e sem resíduos. “A análise sensorial é muito subjetiva. Mas é importante ter prazer. A cachaça tem de ser equilibrada e agradar ao paladar”, diz.
Zulu completa: “Ler o rótulo é importante para entender de onde vem a destilaria. Rótulos mais completos mostram cuidado com a bebida”. Segundo ele, deve-se ficar longe de líquidos com cheiro de acetona ou salmoura, que podem indicar defeitos. “A boa cachaça tem aroma de cana, grama cortada e até capim-santo. Tem, além do cheiro alcoólico, frescor”, diz.
Fonte: Forbes Brasil