Mostrando postagens com marcador DENÚNCIA. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador DENÚNCIA. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

DENÚNCIA! Após censura, cientista faz levantamento inédito de pesquisas brasileiras que expõem impacto dos agrotóxicos na saúde

Imagem: reprodução

Pesquisadora foi perseguida após experimento que contestou dose segura de agrotóxicos. Levantamento reúne 51 estudos brasileiros dos últimos seis anos que trazem evidências sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana.

Quando foi convidada, em 2019, a colaborar em uma pesquisa de um colega da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a imunologista e pesquisadora científica do Instituto Butantan Mônica Lopes Ferreira não fazia ideia das barreiras que seriam impostas à divulgação da descoberta feita em seu experimento: a de que não há dose segura de agrotóxicos

Conhecida pela sua expertise em trabalhar com zebrafish – espécie de peixe cujo DNA é 70% similar ao material genético do ser humano –, ela foi contatada por um pesquisador da Fiocruz para submeter embriões de peixes à exposição de 10 tipos de agrotóxicos. “Quando ele me procurou, encarei, naquele momento, como sendo mais uma amostra que eu ia testar”.

Porém, o resultado não foi exatamente o esperado pelo colega. Segundo Ferreira, ele não quis dar publicidade ao achado, e também não autorizou a submissão dos dados para publicação. O que aconteceu foi que a dose considerada “segura” pelos órgãos de controle, causou mortalidade nos embriões de peixes. Quando diluída até mil vezes em água, os embriões apresentaram anomalias.

As substâncias submetidas ao teste foram glifosato, malationa, abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarb, carbofurano, diazinon, etofenprox e piriproxifem. Por serem usadas em larga escala no país, o resultado do experimento causou alvoroço.

Essa história coincidiu com o momento em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estava fazendo alterações na classificação dos agrotóxicos, também em 2019. Muitos dos produtos antes considerados como “extremamente tóxicos” pela agência foram rebaixados para categorias menos rigorosas. O então diretor da Anvisa, Renato Porto, e a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chegaram a dar entrevistas contestando o experimento da imunologista.   

O herbicida glifosato foi um dos agrotóxicos que teve a classificação de toxicidade reduzida pela Anvisa, embora àquela altura fosse um dos produtos classificados pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) como substância provavelmente carcinogênica para humanos; ou seja, capaz de provocar câncer. O Glifosato 480 Agripec, por exemplo, que até então era considerado pela Anvisa “extremamente tóxico” foi reclassificado para “produto improvável de causar dano”. Outra resolução, de 2020, reforçou a manutenção do uso de glifosato em agrotóxicos no país. 

De acordo com o painel de monografias de agrotóxicos da Anvisa – ferramenta que permite acesso a informações atualizadas sobre os ingredientes ativos de agrotóxicos em uso no Brasil –,  a aplicação de produtos à base de glifosato é permitida em 67 culturas, entre elas arroz, feijão, batata doce e mandioca. A mesma situação ocorre com o inseticida malationa e outros produtos.    

A própria Anvisa havia publicado, em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff, uma nota alertando sobre a classificação carcinogênica de cinco substâncias, entre elas a malationa, a diaziona e o glifosato. Na época, a agência havia se comprometido a verificar os resultados dos estudos e a fazer novas avaliações sobre o uso desses ingredientes. 

A Bayer, gigante alemã responsável pela produção do Roundup, principal herbicida fabricado à base de glifosato, é alvo de uma ação movida por um casal em São Francisco, na Califórnia, que afirma ter desenvolvido câncer do sistema linfático depois de ter usado o produto por anos. A Monsanto, que criou a formulação do herbicida e o lançou mundialmente em 1974, foi condenada a pagar R$ 289 milhões ao zelador de uma escola, também na Califórnia. O homem desenvolveu câncer após entrar em contato com a substância. O veredito saiu em 2018 – ano em que a Monsanto foi comprada pela Bayer.   

Censura é respondida com ciência

Menos de um mês após divulgar o resultado do seu experimento, Mônica Lopes Ferreira recebeu um comunicado do Comitê de Ética Animal do Butantan dando conta de que ela estaria suspensa por seis meses sem direito de defesa – o que implicaria em não tocar mais os seus projetos. A justificativa foi a de que a cientista não teria submetido o experimento ao comitê, o que seria proibido. 

Segundo Ferreira, porém, não havia necessidade de submissão naquele caso porque o trabalho não havia envolvido animais, mas, sim, embriões com até 96 horas após a fertilização. “Só pode ser considerado animal a partir de 120 horas após a fertilização”, explica. 

A cientista conseguiu reverter a decisão do comitê por meio de uma liminar na Justiça. Mas outros fatos ocorreram na sequência, como o cancelamento de convites para determinados eventos, a perda do cargo de diretora do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada do Butantan e a abertura de um procedimento administrativo pelo instituto,  vinculado à secretaria estadual da Saúde de São Paulo.


Trecho da liminar - Imagem: reprodução


A pesquisadora afirma que “a única forma que conhece de se manifestar é produzindo ciência”. Por isso, decidiu fazer, com a colaboração de oito colegas do Butantan, uma revisão sistemática de dezenas de estudos publicados por cientistas e produzidos a partir de 27 instituições públicas brasileiras que revelam os impactos dos agrotóxicos na saúde humana. O trabalho, intitulado “Os impactos dos agrotóxicos na saúde humana nos últimos seis anos no Brasil” foi publicado em março deste ano no International Journal of Environmental Research and Public Health – uma revista científica de pesquisa ambiental e saúde pública, de acesso aberto e revisada por pares. O artigo se debruça sobre 51 estudos que foram publicados em revistas científicas.


“A revisão é para dizer que é possível trabalhar com agrotóxicos dentro das instituições brasileiras, não há problema nisso. Nós não podemos ser perseguidos, precisamos ter liberdade para trabalhar com temas tão importantes para o Brasil”, explica Ferreira.

 

A cientista e seus colegas identificaram inicialmente 4.141 artigos produzidos no Brasil. Mas alguns critérios de corte foram estabelecidos para reduzir o número de pesquisas que seriam revisadas. Um deles foi o tempo de publicação, de 2015 a 2021. “Escolhi publicações dos últimos seis anos, quando houve uma avalanche de agrotóxicos sendo liberados.” 

Os artigos foram coletados das bases de dados PubMed, Scopus, Scielo e Web of Science. As buscas foram feitas por meio de palavras-chave como “pesticidas”, “humanos” e “Brasil”. No primeiro filtro, 381 artigos duplicados foram excluídos. Na sequência, dois revisores fizeram um estudo duplo-cego (quando os autores não sabem quem são os revisores) e selecionaram, de forma independente, títulos, termos de indexação e resumos para identificar artigos relevantes para possível inclusão. As discrepâncias foram resolvidas por um terceiro revisor. 

Em uma segunda rodada de seleção, os artigos foram lidos de forma independente por dois revisores que usaram como critérios de inclusão pesquisas desenvolvidas no Brasil envolvendo agrotóxicos, artigos em inglês ou português e pesquisas envolvendo estudos diretos em humanos ou células humanas expostas a pesticidas, incluindo relatos de casos. Os artigos que não se enquadraram nesses critérios foram excluídos.

A partir daí, foram revisados estudos de caso e dados transversais e experimentais de relatos de intoxicação em humanos em decorrência de causas ocupacionais, ambientais e acidentais. Os estudos experimentais correspondem a 76,5% dos trabalhos revisados. Além de Ferreira, assinam a revisão Adolfo Luis Almeida Maleski, Leticia Balan Lima, Jefferson Thiago Gonçalves Bernardo, Lucas Marques Hipolito, Ana Carolina Seni-Silva, João Batista-Filho, Maria Alice Pimentel Falcão e Carla Lima.

A maior parte dos estudos selecionados pela revisão são de áreas que concentram a produção de commodities agrícolas, sendo quase metade deles do Sul (46%) e 28% do Sudeste. 

Um dos apontamentos feitos pela revisão é de que os agrotóxicos não são usados apenas em culturas como a soja, o milho e o tabaco, mas estão presentes em várias outras como laranja, café, flores, banana, uva, ameixa, tomate, caqui, maçã, pêssego, morango, kiwi e vegetais.


Os agrotóxicos mais citados nos estudos foram inseticidas, herbicidas e fungicidas. Os artigos revelam mais de 20 efeitos decorrentes da exposição aos agroquímicos

Os agrotóxicos mais citados nos estudos foram inseticidas, herbicidas e fungicidas. Os artigos revelam mais de 20 efeitos decorrentes da exposição aos agroquímicos, indo desde reações agudas na pele e no sistema respiratório até doenças crônicas, incluindo anormalidades hematológicas (fatores de coagulação), infertilidade, abortos espontâneos, malformações fetais, doenças neurológicas e câncer. Mecanismos subjacentes a esses efeitos, como ações genotóxicas (alteração do DNA), neurotóxicas (nas terminações nervosas) e desreguladoras do sistema endócrino também foram detectados pelos cientistas brasileiros.

Além de apontar que o uso de agrotóxicos na agricultura está diretamente ligado à saúde humana, Mônica Ferreira e seus colegas esperam que os resultados dos artigos possam ajudar a “direcionar políticas de redução do uso dos produtos químicos e de proteção à saúde da população”. 

Outro lado

Procurados através das suas assessorias de imprensa, Fiocruz, Butantan e Anvisa responderam dias depois da publicação da reportagem.

A Fiocruz afirmou que a análise feita por Monica Ferreira era destinada a compor um relatório para o Ministério da Saúde. “Em relação aos resultados gerados pela pesquisadora citada, os mesmos não foram utilizados na medida em que os dados brutos não foram disponibilizados até a presente data”, diz a nota, que informa que o relatório foi concluído a partir de resultados gerados “por outro colaborador”. 

Já o Instituto Butantan afirmou que a análise sobre agrotóxicos foi de inteira responsabilidade de Monica Ferreira e que não avaliza os trabalhos científicos realizados de forma independente por seus pesquisadores. Sobre a investigação, o órgão público comentou que “à época, a diretoria do instituto, sob risco de ser acusada de prevaricação, iniciou uma averiguação preliminar, sem qualquer efeito acusatório, para analisar as circunstâncias da realização do estudo que foi atribuído ao Butantan por um veículo de notícias, sem que os canais da instituição competentes fossem informados oficialmente de sua existência”. A nota afirma ainda que “não houve nenhum tipo de ‘retaliação’ a quem quer que seja”.

Questionado sobre os impeditivos de se pesquisar os impactos dos agrotóxicos na saúde dentro da instituição, o Butantan afirmou que não faz parte das suas atribuições “a realização de pesquisas de agrotóxicos” e que “não existe estrutura que permita a realização das referidas pesquisas na instituição”.

A Anvisa informou que decidiu pela manutenção do glifosato no país, mas com mudanças na forma de uso para o produto, “com vistas à proteção dos trabalhadores rurais”. Para a agência, as evidências científicas existentes até o momento “não indicam que o glifosato cause efeitos à saúde humana que sejam considerados proibitivos para manter o produto”.

*A reportagem foi atualizada no dia 28 de julho às 11h49 para contemplar os posicionamentos de Fiocruz, Butantan e Anvisa.

"Os impactos dos agrotóxicos na saúde humana nos últimos seis anos no Brasil"

  • Revisão de 51 estudos publicados por cientistas brasileiros nos últimos seis anos e produzidos a partir de instituições públicas que revelam os impactos dos agrotóxicos na saúde humana.
  • Pesquisadores: Monica Lopes-Ferreira, Adolfo Luis Almeida Maleski , Leticia Balan-Lima, Jefferson Thiago Gonçalves Bernardo, Lucas Marques Hipolito, Ana Carolina Seni-Silva, João Batista-Filho, Maria Alice Pimentel Falcão, Carla Lima.
  • Pelo menos 46,2% dos estudos que entraram na revisão foram feitos na região Sul e 28,8% na região Sudeste. Os demais são de instituições das regiões Nordeste e Centro-Oeste.
  • Os agrotóxicos mais citados nos estudos foram inseticidas, herbicidas e fungicidas.
  • Os artigos revelam mais de 20 efeitos tóxicos e doenças crônicas decorrentes da exposição aos agroquímicos, principalmente em trabalhadores rurais.
  • Os pesquisadores que contribuíram com a maioria das publicações são de áreas que concentram complexos de commodities agrícolas.
  • Um dos apontamentos feitos pela revisão é de que os agrotóxicos não são usados apenas em commodities como a soja, o milho e o tabaco, mas estão presentes em várias outras culturas como: laranja, café, flores, banana, uva, ameixa, tomate, caqui, maçã, pêssego, morango, kiwi e vegetais.
  • Os resultados vão desde reações agudas na pele e no sistema respiratório até doenças crônicas, incluindo anormalidades hematológicas (fatores de coagulação), infertilidade, abortos espontâneos, malformações fetais, doenças neurológicas e câncer. Mecanismos subjacentes a esses efeitos, como ações genotóxicas (alteração do DNA), neurotóxicas (que atua nas terminações nervosas) e desreguladoras do sistema endócrino (hormonal), também foram detectados pelos cientistas brasileiros.


Fonte: ojoiodotrigo

#BRASILSEMVENENO


Leia Também:



quinta-feira, 3 de agosto de 2023

DENÚNCIA! Venda do “know-how” do CENPES

Imagem: reprodução
Artigo-denúncia que chegou ao Sindipetro-RJ de forma anônima sobre a irresponsável venda de tecnologia no Centro de Pesquisas da Petrobrás.

Maiza e Travassos fazem a xepa do CENPES

Depois de destruir os laboratórios de pesquisa do CENPES, vendendo como ferro velho equipamentos de alta tecnologia; transformar o que sobrou em laboratórios de prestação de serviços; e ainda terceirizar o desenvolvimento de tecnologia do CENPES; só resta iniciar a venda a preço de banana do acervo tecnológico das patentes.

A desculpa de que não está pondo à venda, mas licenciando, e que vai ganhar milhões, é para enganar quem não entende a dinâmica do desenvolvimento de tecnologia.

Uma patente protege uma parte intelectual do invento, porém, para transformar uma patente em realidade, é preciso ter o conhecimento do “saber fazer” – o “know how”. Portanto, se uma empresa se interessa por uma patente, o CENPES obrigatoriamente terá que partilhar o seu conhecimento, e, em certos casos dar assistência técnica.

Logo, a equipe da Gerência Inovação (GIT), gerente Luiz Felipe de Carvalho, está falseando com a verdade ao querer dizer que licenciamento não é venda, pois ambos redundam no mesmo resultado: a transferência do “know how” do CENPES de forma irresponsável.

Além disto, a GIT usa da ignorância da população ao estimar um retorno financeiro milionário. O próprio CENPES já realizou trabalhos de aprendizado a partir de patentes, sendo isso possível somente com uma grande atividade de prospecção na literatura e experimentos laboratoriais. Em seguida ao domínio da tecnologia trabalha-se pelo seu aperfeiçoamento até conseguir depositar uma patente própria. Neste ponto, a empresa passa a usar sua própria patente, deixando de pagar licença.

Olhando as patentes disponibilizadas, para quem conhece a história do CENPES, salta aos olhos a falta de critério.

É realmente a xepa!

É a mesma prática dos liberais bolsonaristas de vender ativos. O mantra desses liberais é: tudo é melhor quando feito pela iniciativa privada. Melhor ainda se essas privadas forem empresas gringas. A mentalidade colonialista.

O licenciamento de tecnologia deve ser feito caso a caso, atendendo a critérios estratégicos bem definidos, comprometidos com uma política séria de conteúdo nacional e com a capacitação de empresas nacionais e que não estejam trabalhando pelo desmonte do CENPES em particular ou da Petrobrás como um todo.

A falta de critério e as falsas justificativas reforçam nossa certeza de que essa iniciativa é movida por outros motivos!

É triste: a Petrobrás não tem um bom histórico de defesa de seu conhecimento tecnológico e de suas patentes, como sabemos, por exemplo, das histórias recentes do xisto e do trambique em que caiu com a negociação do processo Petrosix.

Não fossem tais fatos suficientes para justificar a remoção de cargos desses gestores (ativos ao longo dos últimos anos e completamente submissos aos desmandos da gestão bolsonarista) e apuração de responsabilidade, temos que lembrar a conivência da gestão no CENPES com diversos assédios. É do conjunto da gestão a responsabilidade pelo ambiente de violência instaurado e não se ouviu até agora um pedido de desculpas, uma retratação, apenas justificativas e provisões de ações futuras.

Não seria esse desrespeito (para dizer um mínimo) em relação aos inventores, que não foram sequer consultados sobre a escolha para licenciamento dos seus trabalhos intelectuais patenteados, também uma ato (mais um) de violência?

O fato da patente pertencer à Petrobras não significa que seus inventores não existam, dada a forma de tratamento da Petrobrás. No passado, costumavam ser consultados sobre futuro das patentes, pois muitas vezes existem estratégias de patenteamento associadas à continuidade dos trabalhos.

Ao se arvorar dono das patentes e decidir sem consultar os inventores, a GIT agiu de forma desrespeitosa e imoral embora possa até ter algum respaldo legal, tratando os inventores como insignificantes e descartáveis, que produzem inventos para que os mais espertos se aproveitem.

Arrogância, violência, falta de ética, profunda ignorância são métodos antigos de gestão, amplamente disseminados no Sistema Petrobrás.

Será que esses atos de violência reiterados, que configuram verdadeiro assedio intelectual, também só serão tratados depois que virarem escândalo


Petrobras: Tecnologia que transforma nossa sociedade.



Fonte: Sindipetro RJ / via AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás)


quarta-feira, 19 de julho de 2023

Syngenta, UPL, Basf: as empresas que mais vendem no Brasil agrotóxicos proibidos na Europa

Imagem: reprodução

491 produtos banidos dessas empresas lá fora são permitidos aqui, um deles associado a casos de câncer de tireoide.

A Agência Públicarevelou o perfil dos agrotóxicos liberados durante o governo Jair Bolsonaro que, fabricados na China, foram banidos na Europa, mas seguem sendo aplicados nas lavouras de soja brasileiras. 

Mas por trás desse perfil existe outro: o das empresas com maior número de produtos que, banidos ou desregulamentados na União Europeia, estão à venda no Brasil. 

É o que mostra um novo levantamento feito com base em dados do governo federal, que, obtido pela reportagem, revela que as grandes empresas beneficiadas são fabricantes de agrotóxicos da China, Índia e Alemanha, conforme mostra o quadro abaixo.



A descoberta se baseia na análise de dados do Agrofit, um banco de informações sobre produtos registrados no Ministério da Agricultura; nos relatórios anuais de vendas de agrotóxicos no país, do Ibama; e nos ingredientes ativos de agrotóxicos sem registro ou com uso banido na União Europeia, mas permitidos no Brasil, até 20 de março de 2023.

O levantamento foi elaborado pela professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Sônia Hess, uma das maiores especialistas no monitoramento de agrotóxicos no Brasil.


“As multinacionais químicas veem aqui como um paraíso, porque podem vender todos os ‘lixos’ que não podem vender em outros países, então elas vêm aqui e despejam… o Brasil é a ‘lixeira’ dos agrotóxicos do mundo – e ainda pagamos caro por isso, com produtos de preços muito altos”, disse Hess à Pública.

 

Uma de suas colegas, a pesquisadora brasileira Larissa Bombardi, outra das especialistas no monitoramento de agrotóxicos no país, divulgou em maio do ano passado um estudo sobre como a indústria internacional influencia decisões e estimula o afrouxamento de leis contra venenos agrícolas no Brasil.

Para Sônia Hess, a aprovação no Brasil de ingredientes ativos irregulares na União Europeia é antiga e ainda persiste no atual governo Lula. “Por que isso ainda acontece? Porque não existe qualquer instrução ou normativa do governo brasileiro para evitar a aprovação de produtos banidos em outros países”, disse ela.

Chinesa Syngenta encabeça a lista

O grupo Syngenta encabeça a lista dos que mais podem vender no Brasil agrotóxicos irregulares na União Europeia. Fundado na Suíça, mas comprado em 2017 pela estatal chinesa ChemChina, o conglomerado tem autorização de venda para 233 produtos proibidos na Europa, considerando sua subsidiária aqui no país e também as filiais da Adama, controlada pelo mesmo grupo.

Há produtos da Syngenta e da Adama que contêm, por exemplo, o ingrediente mancozebe – associado a casos de câncer de tireoide. A substância compõe, entre outros, a mistura do inseticida Comissario, liberado em 2019 pelo Ministério da Agricultura mesmo avaliado como “extremamente tóxico” e “altamente perigoso ao meio ambiente”.

O banimento de agrotóxicos à base de mancozebe na União Europeia ocorreu em 2021. Após sua proibição, houve pelo menos quatro reuniões do grupo chinês com o Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro por conta desse ingrediente, conforme a agenda oficial do governo, consultada pela Pública. À época, a pasta estava sob o comando da atual senadora Tereza Cristina (PP-MS), que pertence à bancada ruralista em Brasília.

Representantes do grupo chinês chegaram a se reunir com o ex-secretário de Políticas Agrícolas do ministério Guilherme Soria Bastos Filho, em 13 de julho de 2021, para pedir uma “redução tarifária” de um produto à base de mancozebe.

Outra responsável pela liberação de agrotóxicos no país, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também manteve uma série de reuniões com representantes do conglomerado chinês.

Foram pelo menos dois encontros com funcionários da subsidiária Adama e outros 22 com os da matriz, Syngenta, conforme consulta à agenda oficial da Anvisa. Em 23 de abril de 2021, por exemplo, representantes da Syngenta debateram o “cenário regulatório para agrotóxicos” no Brasil com a diretoria responsável pela aprovação de novos produtos no país.

Meses depois, em 15 de julho, novo encontro, dessa vez para falar sobre “oportunidades para melhorar a inserção de novos ingredientes ativos” de agrotóxicos com a mesma diretoria, então ocupada por Cristiane Rose Jourdan Gomes – que relatou ao jornal Estadão a existência de “uma influência enorme das indústrias, uma influência enorme do Congresso” na Anvisa.


Syngenta teria tentado esconder um insumo altamente poluente de uma vistoria do
Ibama - Imagem: reprodução

O mesmo conglomerado chinês foi acusado recentemente de burlar fiscalizações do governo brasileiro. Segundo matéria de maio de 2023 do portal UOL, a Syngenta teria arquitetado maneiras para esconder um insumo altamente poluente de uma vistoria do  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O UOL aponta também que o grupo teria acrescentado a substância poluente a três de seus produtos, em quantidades três vezes superiores ao permitido pelo Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura.

Procurada pela Pública, a Syngenta afirmou que “sempre teve um diálogo constante com autoridades, governos, órgãos reguladores, meios de comunicação e sociedade” e que o uso de seus agrotóxicos “é regido por mandatos de órgãos reguladores em todo o mundo”.

Quanto à denúncia sobre supostos métodos para burlar a fiscalização, o grupo afirma: “uma inspeção conduzida pelo Ibama na fábrica de Paulínia no início de novembro de 2021 apontou uma falha no processo produtivo de lotes específicos de Engeo Pleno S, de Karate 250 e Karate 50. O Ibama aplicou multa de aproximadamente R$ 4,5 milhões. A Syngenta e o Ibama seguiram o procedimento regular de conciliação proposto e aprovado pelo próprio Ibama, de acordo com a legislação pertinente. A empresa pagou os valores indicados e acordados. Posteriormente, o Ibama decidiu reabrir o processo administrativo, anulando unilateralmente o acordo celebrado e já quitado”.

Governo Bolsonaro discutiu “aceleração de registro” de agrotóxicos com indiana UPL

A subsidiária da UPL, fabricante de agrotóxicos indiana que anuncia lucros de mais de US$ 5 bilhões por ano, também se destaca no levantamento obtido pela Pública. No Brasil, a UPL pode vender 136 produtos com substâncias banidas ou desregulamentadas na União Europeia.

Em 8 de julho de 2021, a UPL discutiu com o governo Bolsonaro a “aceleração de registro” de seus agrotóxicos no Brasil, segundo a agenda da Agricultura.

Dali em diante, as conversas da UPL com o Executivo se mantiveram, e houve um encontro entre um dos diretores da matriz indiana com o alto escalão da Agricultura do governo Bolsonaro. Em 19 de maio de 2022, houve uma reunião presencial do então ministro Marcos Montes com uma comitiva da Índia, incluindo o diretor-executivo da UPL naquele país, Vikram Shroff. Porém a agenda oficial não detalha a pauta do encontro.

A Pública tentou contato com o grupo UPL para saber detalhes sobre o pedido de “aceleração de registros” dos seus agrotóxicos e suas tratativas com o governo, mas não houve retorno. A reportagem será atualizada caso a fabricante indiana se manifeste.

Alemãs Basf e Bayer entre as mais beneficiadas

A terceira empresa com maior número de agrotóxicos à venda aqui no país, mas proibidos na Europa, é alemã: a gigante do setor químico Basf, com 122 produtos disponíveis, ao todo.

Tanto a Basf quanto sua compatriota Bayer – outra das grandes beneficiadas, com 50 agrotóxicos proibidos na União Europeia, mas à venda no Brasil – estiveram na berlinda durante o governo Bolsonaro. Segundo estudo do Greenpeace publicado em 2020, as duas empresas usavam o país como “depósito” para seus agrotóxicos barrados na Europa, o que inclui, por exemplo, produtos à base de fipronil, associado à morte de abelhas.

Já a ONG Amigos da Terra revelou, em outro estudo, que a Basf, a Bayer e a chinesa Syngenta teriam gasto juntas mais de R$ 10 milhões com lobistas em Brasília – como o Instituto Pensar Agro, cérebro e fonte de recursos financeiros da bancada ruralista no Congresso Nacional. O objetivo, segundo a ONG, era influenciar decisões do poder público para aumentar o acesso das fabricantes de agrotóxicos ao mercado brasileiro.

A fabricante alemã de agrotóxicos também se reunia com membros do governo Bolsonaro. Até julho de 2022, a Basf acumulava pelo menos 26 reuniões oficiais na agenda, contando somente o Ministério da Agricultura.


Empresas teriam gasto juntas mais de R$ 10 milhões com lobistas em Brasília
- Imagem: reprodução

Em 2019, por exemplo, representantes da Basf se reuniram com o ex-diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura Carlos Goulart para discutir a “regulamentação de defensivos [agrotóxicos] na UE [União Europeia]” – como mostra a agenda da pasta.

Em 2020, junto com a Bayer, a Basf foi ouvida no processo de escolha de um membro para a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – responsável pela aprovação de organismos geneticamente modificados no Brasil.

Menos de um mês após a publicação pelo governo de uma portaria para indicação de novo membro para a CTNBio, as companhias alemãs reuniram-se novamente com Goulart – do mesmo setor responsável pela indicação, como revelado pelo observatório De Olho nos Ruralistas.

A Pública tentou contato com as empresas alemãs do setor de agrotóxicos, mas não houve retorno. Caso respondam, o texto será atualizado. 

Por Caio de Freitas Paes


Fonte: apublica.org


sexta-feira, 14 de julho de 2023

A 'MISÉRIA' DA CORRUPÇÃO! Brasil tem mais de 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias

Imagem: divulgação / reprodução
70,3 milhões em insegurança alimentar, diz ONU.

No mundo, são 735 milhões de pessoas passando fome e 2,3 bilhões em situação de insegurança alimentar. Segundo o relatório, o Brasil tem 10 milhões de pessoas desnutridas.

Um relatório publicado pela ONU na quarta-feira (12) mostra que a insegurança alimentar e a fome aumentaram no mundo. No Brasil, 1,5 milhão de pessoas passaram a fazer parte dessa realidade, que afeta mais de 70 milhões de brasileiros.

O Brasil tem 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões em insegurança alimentar. Segundo o relatório, são 10 milhões de pessoas desnutridas no país.

No mundo todo, são 735 milhões de pessoas passando fome e 2,3 bilhões em situação de insegurança alimentar.

A insegurança alimentar moderada é quando as pessoas enfrentam incertezas sobre sua capacidade de obter alimentos e são forçadas a reduzir a qualidade e/ou a quantidade de alimentos que consomem devido à falta de dinheiro ou outros recursos.

A insegurança alimentar grave ocorre quando, em algum momento, as pessoas ficam sem comida, passam fome e, no caso mais extremo, ficam sem comida por um dia ou mais.

Os dados são do relatório sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), publicado em conjunto por cinco agências especializadas das Nações Unidas - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP).

No Brasil, são 20,1 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave; 9,9% da população. Entraram para a estatística, desde o último levantamento, 5,7 milhões de brasileiros.

Ao todo, o relatório mostra que 70,3 milhões de pessoas no país nem sempre tiveram o que comer em quantidade suficiente. São as pessoas que estão em situação de insegurança alimentar moderada/grave. Nove milhões de brasileiros entraram para esta estatística desde a última divulgação da FAO/ONU.


No Brasil, 70,3 milhões de pessoas estavam em situação de segurança alimentar
moderada ou grave entre 2020 a 2022 — Foto: GloboNews

Já no mundo, 892,7 milhões de pessoas (11,3% da população) estavam em situação de insegurança alimentar grave entre 2020 e 2022.

Ao todo, em situação de insegurança alimentar moderada ou grave são 29,5% da população mundial, totalizando 2,3 bilhões de pessoas.

Estatísticas da fome

➡️ A média dos últimos três anos (2020-2022) é que 1,5 milhão de brasileiros entraram para as estatísticas da fome, na comparação com o triênio 2019-2021;

➡️ Ao todo, são 10,1 milhões de brasileiros, o que representa 4,7% da população;

➡️Já no mundo, 735 milhões de pessoas (9,2% da população) não tiveram o que comer nos últimos três anos; 122 milhões de pessoas a mais que 2019.


“A recuperação da pandemia global foi desigual e a guerra na Ucrânia afetou os alimentos nutritivos e as dietas saudáveis. Este é o 'novo normal' em que as mudanças climáticas, os conflitos e a instabilidade econômica estão empurrando os que estão à margem ainda mais longe da segurança. Não podemos adotar uma abordagem de negócios como sempre”, relata o diretor-geral da FAO, QU Dongyu.

 

O progresso na redução da fome foi observado na Ásia e na América Latina, mas a fome aumentou na Ásia Ocidental, no Caribe e em todas as sub-regiões da África em 2022.

A África continua sendo a região mais afetada, com uma a cada cinco pessoas passando fome no continente, mais que o dobro da média global.


Segundo relatório da ONU, fome atingia 735 milhões de pessoas no mundo de
2020 a 2022  — Foto: GloboNews

De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (WFP), o mundo continua a produzir alimentos suficientes para alimentar toda a população mundial, e serão políticas públicas eficazes que reverterão essa triste realidade.


"Até o ano de 2030, muito tem que ser feito, muito tem que ser trabalhado. Os países têm que pensar de uma forma unificada em modificar os sistemas alimentares e nutricionais para que a gente consiga atacar os problemas. Começou-se a pensar em outros problemas. As mudanças políticas, as crises econômicas, fizeram com que muitas pessoas caíssem abaixo da linha da miséria. Não é possível que nós aceitemos pessoas que não tenham comida, que estejam agora sem condições comprar um prato de comida para si e para a sua família”, disse Daniel Balan, representante da WFP e diretor do Centro de Excelência contra a Fome.

 

O que diz o Ministério de Desenvolvimento Social


“A missão do governo é garantir que possamos tirar o Brasil do mapa da fome. Todos os ministérios estão trabalhado integrados com estados, municípios e entidades para garantir isso. Em breve será lançado o Plano Brasil Sem Fome, com o objetivo de reduzir a pobreza e a extrema pobreza”, disse o ministro Wellington Dias, do Ministério de Desenvolvimento Social.

 

Segundo o ministro, 18,5 milhões de famílias, sendo 43,5 milhões de brasileiros, já elevaram a renda em 2023 com o novo Bolsa Família.

*Com reportagem de Lucas Machado, Thaissa Martiniuk, Jean Roque, Clarissa Thomé, Marcelo Gomes, Gabriela Pavão, Paulo Adolphsson, Nathália Machado, Reginaldo Goncalves, da GloboNews, TV Globo MG e TV Liberal.

Fonte: G1


Leia também:


quarta-feira, 21 de junho de 2023

ABSURDO! Militares recusam entrega de cestas básicas aos Yanomami

Imagem: reprodução

Forças armadas alegam falta de dinheiro e alimentos estão estocados à espera de uma solução com a Funai.

Militares cobram da Funai R$ 1,6 milhão por transporte fluvial 

A ajuda militar é solicitada desde março pela presidente da Funai 

Em meio à emergência sanitária de socorro aos Yanomami ainda em vigor, o Ministério da Defesa cobra o pagamento de R$ 1,6 milhão a cada dois meses para poder entregar 5.318 cestas básicas por meio fluvial até os Yanomami que vivem em aldeias no lado do Amazonas na terra indígena. 

Indagado pela Agência Pública se não possui os recursos para fazer o trabalho, o MD respondeu laconicamente em mensagem: “Não”.

Com a ausência dos recursos, a entrega dessa parte das cestas básicas está paralisada. A ajuda militar é solicitada desde março pela presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, sem sucesso. Ela já escreveu pelo menos três vezes ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire. O militar primeiro pediu à Funai um “planejamento detalhado para análise da viabilidade” da operação, depois argumentou que as Forças Armadas precisam de R$ 1,6 milhão a cada dois meses. Entre um momento e outro, três meses se passaram sem que qualquer cesta tenha chegado às comunidades indígenas do Amazonas. Entregas pontuais têm sido feitas pela Funai com apoio aéreo, mas as cestas que deveriam ir por meio fluvial com o apoio militar não chegaram.


Cestas básicas em depósito à espera de sua destinação; Defesa diz que não tem dinheiro
para realizar entrega - Foto: reprodução

Em todas as comunicações, a presidente da Funai ressaltou “o grave quadro de fome e insegurança alimentar enfrentado por essas populações [indígenas] nos estados de Roraima e Amazonas”. Em março, Wapichana explicou que o pedido “se justifica dadas às condições de acesso extremamente difíceis e o perigo de retaliação por parte dos invasores, fazendo-se imprescindível o suporte logístico da instituição [Defesa] de modo a garantir a efetiva entrega dos alimentos às comunidades yanomami e a segurança dos agentes públicos envolvidos”.

Em março, Wapichana já havia solicitado à Defesa “a possibilidade de mobilizar a estrutura fluvial das Forças Armadas com vistas à entrega de cestas nas comunidades localizadas no estado do Amazonas”. “O aludido desenho é de plena aceitação por parte desta Fundação, que possui hoje recursos humanos escassos para atuação em Roraima, e foi bem recepcionado pelos oficiais das Forças Armadas à frente da operação em Boa Vista e mesmo pelo Ministério do Desenvolvimento Social”, escreveu a presidente da Funai em 10 de março.

A Pública apurou que as cestas estão estocadas em armazéns de Boa Vista (RR) e de Manaus (AM) à espera de uma solução. Fotografias comprovam grandes volumes de cestas sem distribuição.

Além da questão fluvial, os militares continuam sem cumprir o pedido original da Funai para que sejam distribuídas 12,6 mil cestas mensalmente aos Yanomami nas aldeias dos dois Estados, Amazonas e Roraima, neste último caso por via aérea, de preferência por helicópteros. O plano foi apresentado em 10 de fevereiro pela presidência da Funai.

Se o plano tivesse sido acolhido pelos militares na íntegra, deveriam ter sido entregues até o momento aproximadamente 50 mil cestas básicas aos Yanomami. Perguntado pela Pública, o Ministério da Defesa informou ter distribuído, até a última segunda-feira (19), “mais de 23 mil cestas”. O número corresponde a menos de 50% do plano original.

Funai queria economizar recursos com o transporte fluvial

Um dos pedidos da Funai sobre o transporte fluvial das cestas no Amazonas é datado de 18 de abril. A presidente do órgão indigenista buscava o apoio da Defesa, possivelmente por intermédio da Marinha do Brasil, para, a cada dois meses, retirar 5.318 cestas de armazéns em Manaus e levá-las a barracões nos municípios de São Gabriel da Cachoeira (1.422 cestas), Santa Isabel do Rio Negro (1.206) e Barcelos (2.690). Joenia Wapichana propôs o transporte fluvial porque o meio aéreo “acarretará em grandes dificuldades, inclusive podendo comprometer outras operações em andamento no estado de Roraima e executadas por essa instituição [Ministério da Defesa]”.

A Funai disse que, após a chegada dos alimentos a esses três municípios, “realizará com meios próprios a logística desses alimentos diretamente nas comunidades e calhas”, conforme já demonstrado numa planilha enviada previamente. “Preponderante ressaltar que, além da logística saindo de Manaus, solicitamos os bons préstimos dessa instituição de modo a disponibilizar galpões/armazéns nas localidades de destino acima referenciadas, dado que não há nessas regiões estruturas adequadas para o armazenamento das cestas de alimentos”, escreveu a presidente da Funai.

A Pública teve acesso a esse pedido e solicitou, em maio, as explicações do Ministério da Defesa. Por escrito, o ministério respondeu: “[…] A Pasta pretende apoiar a distribuição de cestas básicas a regiões de difícil acesso, definidas pela Funai, por meio da utilização de estrutura fluvial, conforme solicitado no citado Ofício. A logística necessária para a referida distribuição está em fase final de definição”.

Somente há poucos dias a Pública teve acesso à resposta que o almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire encaminhou em 15 de maio para a presidente da Funai. Primeiro ele afirmou que em Santa Isabel do Rio Negro “não há unidade militar” e que as instalações militares de São Gabriel da Cachoeira e Barcelos “são limitadas e, sobretudo, podem não atender aos requisitos de normas sanitárias para estocagem desse material”. Por outro lado, apontou para a “viabilidade, em caráter de emergência, de atendimento parcial” do pedido da Funai.

A Defesa argumentou que a navegação dos meios empregados pela Marinha “não é viável” até São Gabriel da Cachoeira, “em qualquer época do ano”, e que o transporte para Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro “está diretamente vinculado à variação do regime das águas do rio Negro, sendo o período ideal para a navegação entre os meses de janeiro e setembro”.

Por fim, apresentou a conta. O transporte rodoviário de Manaus até o “navio da Marinha” custaria R$ 26 mil; a travessia de Manaus para Barcelos, em sete dias de viagem, custaria R$ 731 mil; de Manaus para Santa Isabel, em nove dias de navegação, R$ 871 mil. A conta se repetiria a cada dois meses para atender ao pedido da Funai, o que representaria um gasto de R$ 4,8 milhões até dezembro.

Trecho de documento em que militares especificam o valor e o trajeto do transporte das
cestas básicas até o território yanomami - Foto: reprodução

Sobre a entrega no lado das aldeias em Roraima, o almirante escreveu que “as Forças Armadas têm se empenhado em atender às demandas encaminhadas no bojo do previsto do decreto” assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de janeiro e que esse papel cabe ao “Comando Operacional Conjunto Amazônia, que está especificamente incumbido do apoio logístico para a distribuição das 8.361 cestas de alimentos no estado de Roraima, em conformidade com as coordenações realizadas a nível local com representante dessa Fundação [Funai]”.

A Pública indagou ao Ministério da Defesa se a Funai havia repassado o valor solicitado até o momento, e o órgão respondeu que não, assim como afirmou não ter recursos próprios para o trabalho. Indagado sobre o estado de conservação das 5.318 cestas que deveriam ter sido distribuídas, o ministério respondeu que elas “estão sob responsabilidade da Funai”. Procurada, a Funai não havia se manifestado até o fechamento deste texto. 

Fonte: agenciapublica


quinta-feira, 16 de março de 2023

Cadeia ilegal de ouro só é possível com omissão das instituições, diz estudo

Foto: reprodução

A ANM (Agência Nacional de Mineração) tem uma fiscalização falha e omissa e não dispõe de um sistema eletrônico de controle da cadeia de custódia do ouro. Além disso, promove uma “interpretação equivocada” da legislação que leva a uma concentração de títulos minerários nas mãos de poucas pessoas. O Banco Central também adota uma fiscalização falha e pouco sanciona as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários) envolvidas em ilegalidades com o minério. A Receita Federal não adota nota fiscal eletrônica para negociações com ouro.

A “responsabilidade institucional” sobre os processos de lavagem de dinheiro e de “esquentamento do ouro extraído em áreas protegidas”, como as terras indígenas como Yanomami, Kayapó e Munduruku, é uma das conclusões de um estudo elaborado pela organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental) em parceria com organizações indígenas e ambientalistas. O trabalho de 100 páginas intitulado “Terra rasgada: como avança o garimpo na Amazônia brasileira” foi divulgado na quarta-feira (15).

Segundo o estudo, a “fragilidade institucional” se agravou durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), levando a recordes de destruição da floresta amazônica provocada pelo garimpo ilegal. O crescimento pode ser calculado a partir das operações financeiras com ouro de um grupo de oito grandes DTVMs no país. Em 2018, esse grupo operou R$ 1,4 bilhão com o minério; em 2021, o valor saltou para R$ 7,4 bilhões.

Grande parte do minério veio de áreas protegidas e foi “esquentado” como se viesse de garimpos legalizados, diz o levantamento, mencionando conclusões de diferentes operações desencadeadas nos últimos anos pelo Ibama, PF (Polícia Federal) e MPF (Ministério Público Federal).

“O crescimento do garimpo ilegal é viabilizado pelo completo descontrole da cadeia econômica do ouro, sob responsabilidade do Estado brasileiro, num cenário em que diversas instituições concorrem, mediantes ações e omissões, para a expansão dessa atividade”, aponta o levantamento. Além do tema regulatório, o estudo cita outros três aspectos para explicar o crescimento da exploração do ouro no país: o macroeconômico, o político e o tecnológico e sociológico.

O aspecto político, diz o estudo, “reflete a vulnerabilidade das áreas exploradas frente a políticas de governo e à incidência do lobby do garimpo e da mineração – a exemplo do que se tem observado no Brasil no período de 2019 a 2022, com o sistemático desmonte da fiscalização ambiental, aliado a um aparelhamento da Funai sem precedentes no período democrático”.

De acordo com o levantamento, a lavagem e o esquentamento são facilitados principalmente por “insuficiências e inconsistências” no regime de PLG (Permissão de Lavra Garimpeira), instituído em 1989, durante o governo de José Sarney. No regime de PLG “não se exige do requerente a realização de pesquisa mineral prévia no processo de licenciamento”. Assim, “dispensa-se a apresentação de estimativas da capacidade de produção da lavra (ou mesmo a confirmação de que há jazidas na área em questão), dificultando a averiguação de incompatibilidades entre o título concedido e o volume de ouro extraído – facilitando, portanto, a utilização de PLGs para fraudar a origem ilegal do minério, isto é, para ‘esquentar’ o ouro”.

Estudo anterior da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) também identificou “expressivas evidências de descumprimento dos limites das áreas concedidas”. A auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) de nº 018.935/2019-2 constatou uma “descaracterização do regime de PLG”, que levou à “concentração irregular de títulos por pessoas físicas e empresas”. De acordo com o TCU, do total de 787 PLGs outorgadas no Pará, 66% “estavam sob domínio de 15 permissionários”, salientou o estudo do ISA. Apenas uma pessoa detinha 162 títulos sobre 8 mil hectares.

Pela lei, tudo que envolve “regulação e fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais” no país deve ser acompanhado pela ANM – criada em 2017, no governo de Michel Temer, que no mesmo dia extinguiu o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). A realidade, porém, é bem diversa.

O estudo do ISA menciona uma ação civil pública ajuizada em julho de 2019 pelo MPF em Santarém (PA) que apontou uma “omissão institucional notória e generalizada” por parte da ANM. O MPF solicitou à Justiça a interrupção da emissão de PLGs na região de Santarém. Dois anos depois, em 2021, com “a evidente explosão contínua do garimpo ilegal na bacia do Tapajós”, o MPF ajuizou uma nova ação, na qual pediu a suspensão de todas as PLGs nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, onde se concentram territórios Munduruku e Kayapó. O MPF apontou que “a necessidade de intervenção do Judiciário decorre unicamente da recalcitrância dos demandados no cumprimento de seus deveres”.


Três garimpeiros extraem ouro ilegal no rio Tapajós. Na imagem é possível ver
a terra escavada e dragas drenando o minério - Foto: reprodução

Extração de ouro ilegal no rio Tapajós; de acordo com estudo do ISA, a omissão de instituições como ANM favorece o cenário

O levantamento do ISA menciona estudo realizado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pela UFV (Universidade Federal de Viçosa) que constatou “uma queda contínua nas ações de fiscalização por parte da ANM (e, antes, DNPM) no período de 2003 a 2020”. Em 2007 foram 7.873 ações, contra 1.047 no ano de 2020. “Segundo os autores” do estudo, diz o ISA, “a fragilização paulatina de um dos principais atributos da Agência se explica pela redução no orçamento autorizado para essas atividades e pelos valores executados, expressivamente menores do que os aprovados. Em média, ‘54% dos recursos previstos para ações discricionárias foram de fato empenhados pela organização’.”

Uma auditoria do TCU na ANM em 2019 constatou que “a atuação deficiente do DNPM [atual ANM] é uma situação crônica”. 

O ISA aponta ainda que o acúmulo de PLGs por algumas poucas empresas e pessoas se deve a uma “interpretação deturpada da Lei nº 7.805/1989”. “Para a ANM não haveria entrave legal, por exemplo, para que pessoas físicas acumulem títulos minerários, desde que cada PLG respeite o limite de 50 hectares. Ou seja, o sentido de limitar a área de exploração contido na mencionada lei é deixado de lado e seus efeitos são anulados.”

O levantamento também aponta que, para entrar legalmente no mercado, “o ouro proveniente dos garimpos – que tem caráter de ativo financeiro ou instrumento cambial – precisa ser vendido a um PCO”, um Posto de Compra de Ouro, que é vinculado a uma DTVM autorizada pelo Banco Central. A venda, porém, precisar “estar ligada a uma lavra vigente e deve indicar o título minerário” para o recolhimento do imposto. Aqui reside uma “fragilidade fundamental” da cadeia do ouro, diz o estudo. “[Conforme uma lei de 2013, a de nº 12.844], a legalidade da origem depende apenas da palavra do vendedor e da presumida boa-fé do comprador. Ou seja: a legalidade do ouro é presumida, como o é do PCO/DTVM que o adquire.”

“Ainda que sigam obrigadas a prevenir e combater lavagem de recursos”, diz o estudo, as DTVMs “contam com relativa blindagem quanto à verificação das informações prestadas pelo vendedor. Há claros, inclusive, em que o próprio PCO promove a lavagem, atrelando o ouro comprado a um título minerário já autorizado – de acordo com o que foi revelado pela Operação Dilema de Midas, deflagrada e 2018 pela PF [Polícia Federal] em parceria com o MPF [Ministério Público Federal].”

Terras indígenas mais impactadas pelo garimpo ilegal fizeram aliança

Os Yanomami, os Kayapó e os Munduruku, três dos povos mais afetados pelo garimpo ilegal, criaram em 2021 a “Aliança em Defesa dos Territórios” para “expressar seu repúdio à atividade garimpeira”, “uma doença que os brancos estão trazendo para dentro dos nossos territórios”.

Em entrevista à Agência Pública em Brasília na semana passada, as lideranças Alessandra Korap Munduruku, Maial Paiakan Kayapó, Júlio Ye’kwana e Junior Hekurari Yanomami disseram que as consequências do garimpo ilegal em suas terras são devastadoras para a saúde dos indígenas, para a natureza e para a organização interna das aldeias. Alessandra e Maial querem que o esforço feito pelo governo federal a fim de extirpar o garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, agora seja aplicado em outras terras indígenas, em especial no Pará. Desde janeiro o governo federal realiza uma operação de retirada dos garimpeiros na terra Yanomami, em Roraima.


Da esq. para a direita, Alessandra Korap Munduruku, Maial Kayapó e
Júnior Hekurari Yanomami, em entrevista à
Agência Pública em Brasília - Foto: reprodução

O Pará é um Estado totalmente devastado por conta da destruição da floresta. Resolvendo a questão da terra Yanomami, é um indicativo muito bom para as outras terras indígenas”, disse Maial. Há atualmente invasores nas terras Kayapó e Baú, nas quais grupos de garimpeiros passaram a jogar parte dos indígenas contra os próprios indígenas. “Essa pauta vem do processo de colonização do nossos Estado, de pessoas que vieram atrás de madeira e ouro nas nossas terras. Esse processo continua nos nossos territórios. O ponto é que a gente possa trabalhar de maneira sustentável, desenvolver um outro olhar sobre a terra.”

Maial disse que ainda não é possível retratar, em número de indígenas doentes, o impacto do garimpo nas terras Kayapó porque houve um “apagamento das informações da saúde indígena” durante o governo Bolsonaro. No setor da saúde, disse Maial, “todo um sistema foi cooptado” pelo garimpo, com a participação de servidores que “ajudaram a fazer a entrada” dos garimpeiros nas terras indígenas.

Ameaçada diversas vezes por conta das denúncias que faz sobre o garimpo ilegal nas terras indígenas da sua região, Alessandra Korap disse que os indígenas desde o início do governo Bolsonaro “tentaram desarticular o garimpo, mas ele estava muito forte”. Foram entrando na terra indígena “máquinas, retroescavadeiras” que são vendidas normalmente nos municípios da região.

“A gente não imaginava que [o garimpo ilegal] ia expandir cada vez mais por conta das falas do governo. Quando ele [Bolsonaro] falava que os indígenas ‘vão poder explorar seu território’, era o momento que os próprios comerciantes, empresários já estavam ali articulados dentro do território para entrar na terra indígena. Aí chamaram muito mais gente para entrar. Aí os empresários se sentiram muito fortes, eles sentiram que eles também poderiam… Era dono de posto de gasolina, dono da loja grande, próprios vereadores envolvidos, prefeitura, senador.”

As lideranças indígenas mantiveram uma série de reuniões na semana passada em Brasília com representantes do governo Lula a fim de reivindicar ações do governo tanto para retirada dos garimpeiros das terras indígenas quanto para o atendimento na saúde indígena.

“[No governo ANTERIOR] pedimos muito, fizemos muitas denúncias para retirada dos invasores durante os quatro anos do governo Bolsonaro. Ele não fez nada. Ele só fez brincar com os povos indígenas, fingindo que estava fazendo operações. Batia lá e voltava. Isso era uma coisa que eu não sei se faltou dinheiro, se foi desviado dinheiro, mas já vínhamos denunciando esse garimpo ilegal. O que tem que fazer agora? Os órgãos públicos têm que procurar solução para melhorar a saúde dos povos indígenas Yanomami”, disse Júlio Ye’kwana.

Junior Hekurari, da Associação Urihi, disse que, uma vez retirados os garimpeiros da terra Yanomami, o governo precisa continuar apoiando a população no território. “Não tem como [não ter apoio]. Hoje o povo Yanomami, durante quatro anos, cinco anos, sofreu bastante. O povo Yanomami não tem estrutura física para trabalhar. A malária mata, é forte, qualquer homem não vai aguentar conseguir trabalhar. Então o diálogo que a gente está fazendo com o Ministério dos Povos Indígenas, com a Funai, a gente busca que é preciso ajudar essas comunidades a construir a roça. Somente tirando os garimpeiros não vai resolver a situação da terra indígena Yanomami. [Também] temos problemas graves, que são sociais, que os garimpeiros plantaram, armaram muitos jovens com espingarda, pistola. […] Precisamos de um apoio muito grande do governo federal e dos parceiros.” 

O estudo do ISA é organizado pela antropóloga Luísa Pontes Molina, com textos seus e de Estêvão Benfica Senra, Juliana de Paula Batista, Luiz Henrique Reggi Pecora e Rodrigo Magalhães de Oliveira. O trabalho foi feito em parceria com Associação Floresta Protegida, Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana, Instituto Kabu, Instituto Raoni, Associação Indígena Pariri, Associação Indígena Da’uk, Associação da Mulheres Yanomami Kumirayoma e Greenpeace Brasil, com apoio do EDF (Environmental Defense Fund).

Indígena Munduruku em frente à placas douradas e manchadas de sangue com os dizeres "ouro ilegal". O homem está coberto de lama e mostra para a câmera a mão suja de sangue e terra Indígena Munduruku, um dos povos afetados, em manifestação contra o ouro ilegal oriundo de terras indígenas

A manifestação dos órgãos citados no relatório

A Agência Pública procurou no início desta semana a ANM, o Banco Central e a Receita Federal. Os dois primeiros se posicionaram.

A ANM afirmou que “está comprometida com a fiscalização da mineração, observando o cumprimento das determinações técnicas e legais. Todas as nossas ações institucionais são no sentido de assegurar o pleno funcionamento do setor mineral.”

“Recentemente, foram implementadas medidas que visam aprimorar a fiscalização e a transparência do setor. Entre elas, estão a criação de um painel de inteligência fiscalizatória, que permite a identificação de irregularidades e fraudes; o painel de fiscalização do ouro, que fornece informações sobre a produção e o comércio de ouro; e, o sistema de primeiro adquirente, que garante maior transparência na alocação de recursos oriundos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral. As ações institucionais visam garantir o cumprimento das leis e regulamentos que regem o setor mineral, e, a implementação de medidas como essas são fundamentais para garantir a transparência e a eficiência das atividades do setor.”

A ANM disse ainda que é “um dos membros definitivos da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), que consiste na principal rede de articulação institucional brasileira para o arranjo, discussões, formulação e concretização de políticas públicas e soluções de enfrentamento à corrupção e à lavagem de dinheiro, reunindo mais 80 instituições públicas pertencentes aos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o Ministério Público”.

“Na agenda estabelecida pela ENCCLA, a ANM teve destaque na Ação 03/2022, que buscou aprimorar a supervisão em matéria de lavagem de dinheiro na atividade de mineração e de comércio de metais e pedras preciosas, com proposta de estabelecimento de um marco regulatório para disciplinar a aplicação dos deveres dispostos nos arts. 10 e 11 da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, no setor. O tema passou a compor a Agenda Regulatória 2022/2023 da ANM e a proposta normativa deverá ser deliberada em breve pela Diretoria Colegiada da ANM.”

O Banco Central afirmou, em nota, que “supervisiona as instituições financeiras e o cumprimento das normas relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo de forma contínua. As irregularidades encontradas nos procedimentos das instituições são tratadas e/ou comunicadas às autoridades competentes, quando necessário. O BC não comenta situações específicas de entidades reguladas”. A Pública, entretanto, não fez nenhuma pergunta sobre “situação específica”.

O BC argumentou ainda que “interage com outros atores que atuam na cadeia de comercialização do ouro em fóruns sobre o assunto, a exemplo das ações no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), bem como sempre contribuiu e se colocou à disposição para integrar grupos de trabalho com o intuito de melhorar a ação do Estado sobre a matéria. Nesse sentido, o BC apoia iniciativas que possam aprimorar o marco legal para a fiscalização do comércio do ouro tais como, por exemplo, a revogação da presunção de legalidade na aquisição do ouro por instituição financeira e a exigência de nota fiscal eletrônica. O BC também apoia a criação de mecanismos privados que aumentem a rastreabilidade da cadeia produtiva do ouro.”

O Banco Central deixou de comentar diretamente as recomendações contidas no relatório do ISA a respeito do papel do BC, que são as seguintes, na íntegra, e que foram encaminhadas pela Pública ao BC:

“Cobrança junto às Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários para que implementem os mecanismos de prevenção e combate à lavagem de bens e capitais (Lei nº 9.613/1998), em especial as obrigações de qualificar seus clientes (know your costumer) e de reportar transações financeiras suspeitas — o que deve considerar sua área geográfica de atuação e a magnitude dos impactos financeiro, jurídico, reputacional e socioambiental relacionados, conforme exigido pela Circular 3.978/2020;

Reiteração da responsabilidade civil das DTVMs pelo ouro ilegal adquirido por seus Postos de Compra de Ouro, já que se trata de um vínculo de contrato de mandato mercantil, no qual os PCOs compram o ouro em nome das DTVMs e são apenas fieis depositários desse produto; Aplicação mais ágil e rigorosa de sanções às DTVMs/PCOs que compraram ouro ilegal.”

Fonte: Agência Pública