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quarta-feira, 21 de junho de 2023

ABSURDO! Militares recusam entrega de cestas básicas aos Yanomami

Imagem: reprodução

Forças armadas alegam falta de dinheiro e alimentos estão estocados à espera de uma solução com a Funai.

Militares cobram da Funai R$ 1,6 milhão por transporte fluvial 

A ajuda militar é solicitada desde março pela presidente da Funai 

Em meio à emergência sanitária de socorro aos Yanomami ainda em vigor, o Ministério da Defesa cobra o pagamento de R$ 1,6 milhão a cada dois meses para poder entregar 5.318 cestas básicas por meio fluvial até os Yanomami que vivem em aldeias no lado do Amazonas na terra indígena. 

Indagado pela Agência Pública se não possui os recursos para fazer o trabalho, o MD respondeu laconicamente em mensagem: “Não”.

Com a ausência dos recursos, a entrega dessa parte das cestas básicas está paralisada. A ajuda militar é solicitada desde março pela presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, sem sucesso. Ela já escreveu pelo menos três vezes ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire. O militar primeiro pediu à Funai um “planejamento detalhado para análise da viabilidade” da operação, depois argumentou que as Forças Armadas precisam de R$ 1,6 milhão a cada dois meses. Entre um momento e outro, três meses se passaram sem que qualquer cesta tenha chegado às comunidades indígenas do Amazonas. Entregas pontuais têm sido feitas pela Funai com apoio aéreo, mas as cestas que deveriam ir por meio fluvial com o apoio militar não chegaram.


Cestas básicas em depósito à espera de sua destinação; Defesa diz que não tem dinheiro
para realizar entrega - Foto: reprodução

Em todas as comunicações, a presidente da Funai ressaltou “o grave quadro de fome e insegurança alimentar enfrentado por essas populações [indígenas] nos estados de Roraima e Amazonas”. Em março, Wapichana explicou que o pedido “se justifica dadas às condições de acesso extremamente difíceis e o perigo de retaliação por parte dos invasores, fazendo-se imprescindível o suporte logístico da instituição [Defesa] de modo a garantir a efetiva entrega dos alimentos às comunidades yanomami e a segurança dos agentes públicos envolvidos”.

Em março, Wapichana já havia solicitado à Defesa “a possibilidade de mobilizar a estrutura fluvial das Forças Armadas com vistas à entrega de cestas nas comunidades localizadas no estado do Amazonas”. “O aludido desenho é de plena aceitação por parte desta Fundação, que possui hoje recursos humanos escassos para atuação em Roraima, e foi bem recepcionado pelos oficiais das Forças Armadas à frente da operação em Boa Vista e mesmo pelo Ministério do Desenvolvimento Social”, escreveu a presidente da Funai em 10 de março.

A Pública apurou que as cestas estão estocadas em armazéns de Boa Vista (RR) e de Manaus (AM) à espera de uma solução. Fotografias comprovam grandes volumes de cestas sem distribuição.

Além da questão fluvial, os militares continuam sem cumprir o pedido original da Funai para que sejam distribuídas 12,6 mil cestas mensalmente aos Yanomami nas aldeias dos dois Estados, Amazonas e Roraima, neste último caso por via aérea, de preferência por helicópteros. O plano foi apresentado em 10 de fevereiro pela presidência da Funai.

Se o plano tivesse sido acolhido pelos militares na íntegra, deveriam ter sido entregues até o momento aproximadamente 50 mil cestas básicas aos Yanomami. Perguntado pela Pública, o Ministério da Defesa informou ter distribuído, até a última segunda-feira (19), “mais de 23 mil cestas”. O número corresponde a menos de 50% do plano original.

Funai queria economizar recursos com o transporte fluvial

Um dos pedidos da Funai sobre o transporte fluvial das cestas no Amazonas é datado de 18 de abril. A presidente do órgão indigenista buscava o apoio da Defesa, possivelmente por intermédio da Marinha do Brasil, para, a cada dois meses, retirar 5.318 cestas de armazéns em Manaus e levá-las a barracões nos municípios de São Gabriel da Cachoeira (1.422 cestas), Santa Isabel do Rio Negro (1.206) e Barcelos (2.690). Joenia Wapichana propôs o transporte fluvial porque o meio aéreo “acarretará em grandes dificuldades, inclusive podendo comprometer outras operações em andamento no estado de Roraima e executadas por essa instituição [Ministério da Defesa]”.

A Funai disse que, após a chegada dos alimentos a esses três municípios, “realizará com meios próprios a logística desses alimentos diretamente nas comunidades e calhas”, conforme já demonstrado numa planilha enviada previamente. “Preponderante ressaltar que, além da logística saindo de Manaus, solicitamos os bons préstimos dessa instituição de modo a disponibilizar galpões/armazéns nas localidades de destino acima referenciadas, dado que não há nessas regiões estruturas adequadas para o armazenamento das cestas de alimentos”, escreveu a presidente da Funai.

A Pública teve acesso a esse pedido e solicitou, em maio, as explicações do Ministério da Defesa. Por escrito, o ministério respondeu: “[…] A Pasta pretende apoiar a distribuição de cestas básicas a regiões de difícil acesso, definidas pela Funai, por meio da utilização de estrutura fluvial, conforme solicitado no citado Ofício. A logística necessária para a referida distribuição está em fase final de definição”.

Somente há poucos dias a Pública teve acesso à resposta que o almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire encaminhou em 15 de maio para a presidente da Funai. Primeiro ele afirmou que em Santa Isabel do Rio Negro “não há unidade militar” e que as instalações militares de São Gabriel da Cachoeira e Barcelos “são limitadas e, sobretudo, podem não atender aos requisitos de normas sanitárias para estocagem desse material”. Por outro lado, apontou para a “viabilidade, em caráter de emergência, de atendimento parcial” do pedido da Funai.

A Defesa argumentou que a navegação dos meios empregados pela Marinha “não é viável” até São Gabriel da Cachoeira, “em qualquer época do ano”, e que o transporte para Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro “está diretamente vinculado à variação do regime das águas do rio Negro, sendo o período ideal para a navegação entre os meses de janeiro e setembro”.

Por fim, apresentou a conta. O transporte rodoviário de Manaus até o “navio da Marinha” custaria R$ 26 mil; a travessia de Manaus para Barcelos, em sete dias de viagem, custaria R$ 731 mil; de Manaus para Santa Isabel, em nove dias de navegação, R$ 871 mil. A conta se repetiria a cada dois meses para atender ao pedido da Funai, o que representaria um gasto de R$ 4,8 milhões até dezembro.

Trecho de documento em que militares especificam o valor e o trajeto do transporte das
cestas básicas até o território yanomami - Foto: reprodução

Sobre a entrega no lado das aldeias em Roraima, o almirante escreveu que “as Forças Armadas têm se empenhado em atender às demandas encaminhadas no bojo do previsto do decreto” assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de janeiro e que esse papel cabe ao “Comando Operacional Conjunto Amazônia, que está especificamente incumbido do apoio logístico para a distribuição das 8.361 cestas de alimentos no estado de Roraima, em conformidade com as coordenações realizadas a nível local com representante dessa Fundação [Funai]”.

A Pública indagou ao Ministério da Defesa se a Funai havia repassado o valor solicitado até o momento, e o órgão respondeu que não, assim como afirmou não ter recursos próprios para o trabalho. Indagado sobre o estado de conservação das 5.318 cestas que deveriam ter sido distribuídas, o ministério respondeu que elas “estão sob responsabilidade da Funai”. Procurada, a Funai não havia se manifestado até o fechamento deste texto. 

Fonte: agenciapublica


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Todos os homens do presidente Arthur Lira

Foto: reprodução

Entenda os três principais escândalos que envolveram assessores diretos do presidente da Câmara entre 2007 e 2023.

Há 30 anos na política, na qual ingressou por ser filho de um deputado estadual que se tornou um influente senador em Alagoas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), coleciona pelo menos três grandes escândalos na carreira. Em comum, todos envolveram assessores diretos do parlamentar.

Os três trabalhavam muito próximos de Lira, um deles chegou a ter a senha do cartão de crédito pessoal do parlamentar. Numa demonstração de resiliência, de uma defesa jurídica bem montada e de muito bom trânsito no Judiciário, contudo, Lira saiu praticamente incólume das investigações, pelo menos até aqui, enquanto seus assessores suportaram o ônus das acusações.

É possível resumir a três as pessoas que trabalharam estreitamente com Lira e depois caíram em descrédito, mas que têm resistido sem emitir nenhuma palavra contrária contra o deputado ao longo de todas as investigações: Djair Marcelino da Silva, hoje com 67 anos; Jaymerson José Gomes de Amorim, 47; e, mais recentemente, Luciano Ferreira Cavalcante, 44.

Em 2023, a Operação Hefesto

O mais novo escândalo ainda está em andamento. Em 1o de junho, a Polícia Federal (PF) desencadeou a Operação Hefesto, que levou o nome de Cavalcante ao noticiário. Lotado formalmente na liderança do PP na Câmara, o assessor parlamentar é reconhecido como alguém muito próximo de Lira e que o acompanha em diversas agendas e viagens. Sua mulher, Gláucia Maria de Vasconcelos Cavalcante, também já foi assessora do deputado, e sua filha, Maria Luiza Cavalcante, é sócia do primogênito do político, Arthur Lira Filho, na empresa de publicidade Omnia 360 Comunicação e Mídia. Morador de um condomínio de alto padrão em Marechal Deodoro (AL), Cavalcante preside o partido de direita União Brasil em Alagoas.

O nome de Cavalcante apareceu na investigação, aberta em 2022, no momento em que os policiais passaram a averiguar as movimentações financeiras da Megalic, empresa que vendeu “kits de robótica” para escolas no Nordeste. A empresa pertence a Edmundo Leite Catunda Júnior, pai do vereador de Maceió João Pedro Loureiro Pessoa Catunda (PP), conforme foi revelado pela Agência Pública em abril do ano passado. Ambos são aliados políticos de Lira no estado. Recentemente, João Catunda declarou ao podcast Política sem Off que Lira é seu padrinho político. “Não escondo isso de ninguém. Nós temos uma relação de muitos anos. É uma pessoa que sempre me ajudou, me deu a mão na política. Costumo dizer que, sim, é meu padrinho político.”


Arthur Lira (PP-AL) e seu agora ex-assessor Luciano Cavalcante (de branco)
em Alagoas em 2022 - Foto: reprodução

No caso Megalic, a PF suspeita de superfaturamento e pagamento de propina nas aquisições feitas pelo Ministério da Educação a partir de emendas parlamentares dentro do chamado “orçamento secreto”.

São muitos os pontos de interrogação sobre Cavalcante, que foi exonerado do gabinete da liderança do PP no início do mês, após seu nome ter ganhado manchetes como alvo da Hefesto. A PF apurou que a Megalic fez pagamentos a empresas pertencentes a um casal de moradores de Águas Claras, na região metropolitana de Brasília, Pedro Magno Salomão Dias e Juliana Cristina Batista. A polícia logo descobriu que o casal fazia saques em agências bancárias no Distrito Federal e, na sequência, supostamente entregava esses valores em espécie em diferentes locais da capital federal. A PF passou a acompanhar Magno e Juliana, fotografando e filmando tanto os provisionamentos de saque, dentro das agências bancárias, quanto a movimentação do casal nas quadras de Brasília.

Um desses endereços, posteriormente alvo de busca e apreensão da PF, foi um quarto de hotel no Complexo Brasil 21, local “em que Luciano se hospeda quando está em Brasília”, diz um relatório da PF. O apartamento 217 “foi visitado pelo motorista de Luciano, Wanderson Ribeiro Josino de Jesus”, após um encontro com Pedro Magno. No dia do encontro, diz a PF, houve uma “intensa troca de mensagens” e “inúmeras chamadas de áudio” entre Cavalcante e Magno.

A PF detectou que Cavalcante e Magno trocaram 83 mensagens de 9 a 21 de maio passado. Além disso, eles se falaram “51 vezes por chamada de áudio” no aplicativo WhatsApp.

A PF descobriu ainda que existia um grupo no WhatsApp denominado “Robótica Gerenciamento”, do qual faziam parte seis pessoas, incluindo Cavalcante e Roberta Lins, a segunda sócia da Megalic, ao lado de Edmundo Catunda.

A polícia apurou que um carro utilizado pelo casal Magno e Juliana em Alagoas, uma camionete Toyota Hilux, está registrado em nome de um policial civil aposentado e empresário, Murilo Sérgio Jucá Nogueira Júnior, porém os “seus reais utilizadores/proprietários” seriam Luciano Cavalcante e sua mulher, Gláucia. Por fim, a PF levantou dúvidas sobre a casa utilizada por Cavalcante e Gláucia. Ela foi “recentemente construída pela construtora EMG”, empresa que recebeu “mais de meio milhão de reais da Megalic”. No mesmo período, Edmundo Catunda, sócio da Megalic, “teria transferido R$ 550 mil” para o policial dono da Hilux.

Na decisão que autorizou buscas e apreensões em diversos endereços, o juiz federal substituto da 2ª Vara Federal de Maceió (AL), Sérgio Silva Feitosa, escreveu que “a PF enaltece que o casal Gláucia e Luciano Cavalcante figura como ‘prováveis’ [sic] beneficiários finais do fluxo de dinheiro originado na empresa Megalic, transferido para as empresas de fachada do casal de operadores financeiros e usufruídos por meio da utilização do veículo Hilux e da magnífica casa construída no luxuoso Condomínio Laguna”.

Nas poucas vezes em que falou em público sobre a operação da PF, Lira nada explicou sobre essas atividades do seu assessor. À GloboNews, ele disse que cada um é responsável pelo seu CPF. “Eu não vou comer essa corda, vou me ater a receber informações mais precisas, e cada um é responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país.”

Apesar das ligações entre os investigados e seu assessor Luciano Cavalcante, e deste com o parlamentar, Arthur Lira não é alvo da Operação Hefesto, inclusive por uma razão legal: parlamentares detentores de foro especial por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”, só podem ser processados pela  Procuradoria Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF). Em algum momento, se a PF considerar ter encontrado indícios suficientes sobre uma eventual participação de Lira, o caso relativo ao deputado poderá ser transferido para o STF por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal em Alagoas, após um eventual relatório da PF informar os achados.

Em 2007, a Operação Taturana

Arthur Lira já esteve na mira da PF em outras ocasiões. Em 2007, quando ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa de Alagoas, foi deflagrada a Operação Taturana, que levantou indícios de que o parlamentar liderava um suposto esquema de “rachadinhas”, de acordo com denúncia do MPF. Assim como na Operação Hefesto, na época as investigações também chegaram a um assessor muito próximo do político, Djair Marcelino da Silva, apontado como o operador do esquema. 


A Operação Taturana, de 2007, investigou um esquema envolvendo a Assembleia
Legislativa de Alagoas - Foto: reprodução

Treze anos depois do escândalo, ele voltou a trabalhar no gabinete de Arthur Lira, desta vez na Câmara dos Deputados, onde está lotado até hoje.  

A PF identificou que parte dos recursos que teriam sido desviados do Legislativo de Alagoas de 2001 a 2007 saía do salário de funcionários fantasmas, e seria Djair, então chefe de gabinete de Lira, supostamente o responsável por retirar o dinheiro na boca do caixa — uma espécie de “entreposto financeiro” da organização, segundo a denúncia do MPF. 

A ação, que começou com o MPF, foi parar nas mãos do Ministério Público Estadual em 2018, após decisão do STF que limitou o foro privilegiado a crimes durante e em função do cargo.

Conforme depoimento prestado por um gerente do banco Bradesco em 2007, Djair teria descontado “aproximadamente dez cheques nominais” de servidores comissionados contratados por Lira. “Eu fui envolvido nessa questão lá atrás, mas não ficou nada comprovado. Se tivesse, eu teria dito”,  afirmou o assessor em entrevista concedida à Pública em 2021. Ao ser questionado se existe a prática da “rachadinha” no gabinete do presidente da Câmara, ele respondeu: “Pelo que eu conheço do Arthur, há muito tempo, ele não permitiria esse tipo de coisa, tá certo? Nem eu permitiria”.

Lira e Djair se conheceram em 1989, quando o político promovia vaquejadas no Parque Arthur Filho, no município de Pilar (AL) e Djair trabalhava na TV Gazeta de Alagoas. O parlamentar contratou Djair para cuidar dos eventos no parque. Ao longo do tempo, Djair se transformou em “faz-tudo” de Lira. 

“O Djair toma conta do escritório de Arthur Lira em Maceió. Pensão alimentícia de Arthur Lira, quem paga é Djair, ele pagava o colégio do filho do Arthur Lira quando o menino vivia em Maceió; cartão de saúde, quem renovava era ele, tudo! Até quando o pai tinha que comparecer no colégio, quem ia era o Djair”, revelou à Pública uma pessoa próxima aos dois, que prefere não se identificar.


Ao longo de seu mandato na Câmara, Lira nomeou ao menos sete parentes de Djair
 (na imagem) - Foto: reprodução

A PF revelou ainda que parte do dinheiro que teria sido desviado da Assembleia de Alagoas foi depositada na conta da ex-mulher de Arthur Lira, Jullyene Lins. Ela confessou, no processo, ter sido funcionária fantasma do ex-marido e de ser proprietária da conta que recebia o dinheiro. Além dela, as investigações apontaram que Lira também teria usado dois funcionários de seu gabinete à época como laranjas “para depositar em suas contas-correntes os valores indevidamente desviados”. Segundo os procuradores, os supostos laranjas “cediam suas contas para que, por meio delas, transitassem recursos destinados ao deputado”. 

As provas levantadas durante a operação renderam a Lira duas condenações na esfera cível por improbidade administrativa — em primeira instância, em 2012; em segunda instância, em 2016 –, mas elas foram anuladas em abril deste ano por decisão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins. Na esfera criminal, ele foi absolvido depois que a investigação foi anulada sob a justificativa de que deveria ter sido realizada pela Justiça Estadual, e não pela Federal. O Ministério Público de Alagoas tenta até hoje reverter a sentença.

Lira aparentemente não se intimidou com as denúncias. Ao longo de seu mandato na Câmara dos Deputados, ele nomeou ao menos sete parentes de Djair em seu gabinete,  sendo que um deles tem indícios de ser funcionário fantasma, conforme revelou reportagem da Pública em março de 2022. Posteriormente, o próprio Djair voltou ao posto de chefe de gabinete do parlamentar. De 2011 a 2021, Lira empregou dois filhos, três sobrinhos, a ex-mulher e uma prima de seu assessor. “Todo político tem que ter as pessoas [em] que ele possa confiar”, justificou Djair à Pública. 

O caso se assemelha ao de Luciano Cavalcante, que teve a mulher empregada no gabinete de Lira e depois indicada por ele para um cargo na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), assim como seu irmão, Carlos Jorge Ferreira Cavalcante. A empresa pública é vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Regional e teria influência política de Arthur Lira. Um dos filhos de Djair, André Marcelino Loureiro Viana Silva, depois de ter passado pela Câmara, também foi indicado na CBTU.

O único parente de Djair que continua lotado no gabinete de Lira até hoje é seu sobrinho Luciano José Lessa de Oliveira, mas há indícios de que ele dá expediente em outro local. Lessa, que é dono de uma gráfica em Maceió (AL), a Sete Comunicação Visual, foi flagrado por nossa reportagem em 2021 cinco vezes no local em horário comercial. 

O horário de atendimento divulgado nas redes sociais da Sete Comunicação é das 9 horas às 22h30. Lessa coloca na calçada uma placa com seus contatos e a divulgação do seu trabalho: “banners, adesivos, placas e faixas”. Segundo vizinhos ouvidos pela Pública, “ele costuma passar o dia na gráfica”. 

Ele foi nomeado por Lira no início do primeiro mandato do deputado na Câmara, em 7 de fevereiro de 2011. Nessa época, José Lessa já tocava a Sete Comunicação havia um ano, conforme registro na Receita Federal. Abordado por nossa reportagem, ele contou que trabalhou na campanha de Lira nas eleições de 2010, a convite do tio Djair, e que posteriormente foi convidado a integrar o quadro de funcionários do gabinete. Luciano disse, no entanto, que não vai a Brasília. “Eu lido aqui direto, com o pessoal daqui de Maceió”, afirmou.

Em 2012, o dinheiro no aeroporto

Haviam se passado apenas cinco anos do escândalo da Operação Taturana quando o nome de Arthur Lira voltou aos jornais de forma não exatamente honrosa. Em fevereiro de 2012, o brasiliense Jaymerson Amorim foi parado pelos agentes de fiscalização do aeroporto de Congonhas (SP) ao tentar embarcar para Brasília com cédulas em dinheiro presas ao corpo ou escondidas nos bolsos do paletó. Foram apreendidos R$ 106,4 mil.

A princípio, nos primeiros depoimentos aos agentes do aeroporto e à PF, Jaymerson desconversou e evitou a todo custo fazer qualquer ligação de seu nome com Lira, mas logo a PF descobriu que ele era um assessor do deputado, aliás, um dos mais próximos, e as passagens aéreas haviam sido bancadas com o cartão de crédito pessoal de Lira.


Ofício da empresa aérea GOL confirma que cartão de crédito pessoal de Lira pagou
passagem de Jaymerson - Imagem: reprodução

Num espaço de três anos, Jaymerson apresentou duas versões contraditórias sobre a origem do dinheiro. A PF e a PGR também apontaram contradições nas manifestações de Lira, conforme a Pública relatou em reportagem na semana passada.



Inquérito da PF reproduz conversa por WhatsApp que Lira manteve com seu 
assessor minutos antes de ele ter sido parado no aeroporto - Imagem: reprodução

Em 2018, a PGR denunciou Lira por supostas corrupção e lavagem de dinheiro. Um ano depois, o STF aceitou apenas a primeira imputação, mas Lira recorreu. Quatro anos depois, a PGR voltou atrás e “desdenunciou” o presidente da Câmara. Com isso, os ministros do STF na Primeira Turma rejeitaram a denúncia no último dia 6 de junho. Tanto Lira quanto Jaymerson agora se encontram isentos de qualquer investigação ou acusação pelo transporte do dinheiro. Agora Jaymerson, que voltou a trabalhar na Câmara, já avisou que pretende receber de volta o valor apreendido — corrigido pelo índice IPCA, são R$ 207 mil.

No depoimento e na defesa que apresentou ao STF, Arthur Lira confirmou que Jaymerson era seu assessor na época da apreensão do dinheiro, mas negou qualquer participação. A exemplo do que Luciano Cavalcante fez na semana passada, Jaymerson também se desligou, na época, da Câmara dos Deputados. Lira disse ao STF que a presença do seu então assessor em São Paulo estava relacionada a um “assunto pessoal” de Jaymerson. 

Por Alice Maciel, Rubens Valente, Thiago Domenici


Fonte: agenciapublica


sexta-feira, 7 de abril de 2023

Controle ‘efetivo’ do espaço aéreo é fundamental para terra Yanomami, diz diretor da PF

Foto: reprodução

Invasores de outras seis terras indígenas serão retirados até dezembro, diz delegado.

Na entrevista à Pública, o diretor da PF informou ainda que o órgão irá cumprir, até o final do ano, a retirada de invasores em outras seis terras indígenas, cumprindo uma decisão judicial do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso. As ações vão coibir os crimes nas terras indígenas Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, Arariboia, no Maranhão, e Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá, todas no Pará. Segundo Freire, o custo das operações no âmbito da Polícia Federal já foi dimensionado e “está sendo viabilizado pelo Ministério da Justiça”. 

A operação na terra Yanomami, determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reação às informações sobre a morte de pelo menos 570 crianças Yanomami de causas evitáveis durante o governo anterior e também incluída na decisão de Barroso, completa 64 dias na quarta-feira (05). Pelo decreto assinado por Lula, o Ministério da Defesa ficou encarregado do controle do tráfego aéreo e do apoio às ações de desintrusão dos garimpeiros e de socorro de saúde aos Yanomami, realizadas por diferentes órgãos como PF, Ibama, Funai, Força Nacional e Ministério da Saúde.

O delegado da PF disse que não é possível afirmar ao certo quantos garimpeiros já deixaram a terra indígena desde o começo da operação, em fevereiro, mas a PF trabalha com a estimativa de “mais de 90%”. A PF estima que os invasores somavam de 15 mil a 20 mil antes do início da operação (as lideranças indígenas denunciavam o número de 20 mil invasores). Assim, se as estimativas estão corretas, restariam ainda de 1,5 mil a 2 mil garimpeiros operando na terra Yanomami.

Além das ações de apreensão e queima de material ilegal dentro do território, a PF já desencadeou três operações no decorrer de inquéritos que investigam os financiadores do garimpo ilegal, com bloqueios e apreensões de até R$ 25 milhões. Na terra Yanonami foram destruídos três aviões, 73 balsas, 253 barracos de garimpeiros e 13,2 toneladas de cassiterita, além da apreensão de mais 13,7 toneladas do minério (os números incluem ações de todos os órgãos públicos envolvidos na operação, como o Ibama).

Numa outra frente, um inquérito específico tem por objetivo investigar o crime de genocídio praticado contra os Yanomami. “Nós atacamos todos os elos da cadeia criminosa. Estamos atuando na ponta, que são as ações na própria terra Yanomami, mas o esquentamento desse minério como ouro legal, a gente está investigando. A lavagem do recurso, a gente está investigando. […] A gente está realizando ações em todos os elos dessa cadeia para que a gente realmente possa desarticular a organização criminosa como um todo”, disse o delegado.

Garimpeiros que se oporem à ordem do STF “podem e serão presos”

Com 46 anos e delegado na PF desde 2003, Freire assumiu em janeiro uma das novas diretorias criadas no governo Lula vinculadas à direção-geral da PF, a Damaz (Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente). Após ocupar cargos na PF em Pernambuco, Amapá, Imperatriz (MA) e Caruaru (PE), Freire foi cedido ao Ministério da Justiça de 2013 a 2017 para atuar na área dos Grandes Eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas). De 2017 a 2022, ocupou o cargo de secretário de Defesa Social de Pernambuco no mandato do governador Paulo Câmara (PSB-PE).

No caso da operação de retirada dos garimpeiros na terra Yanomami, a Damaz cumpre o papel de planejar e coordenar as atividades que são executadas pela Superintendência da PF em Boa Vista (RR), além de interagir com todos os outros órgãos públicos envolvidos na operação.

Freire disse que o objetivo da Polícia Federal é retirar todos os garimpeiros da terra Yanomami. “Não é nem ideia, é determinação do Supremo Tribunal Federal, é de [retirar] todos. Os não indígenas não podem estar lá. A não ser cumprindo missões, como por exemplo a Polícia Federal em cumprimento de sua missão institucional, os servidores de Funai, Ibama, isso são missões dos próprios órgãos em proteção ao povo Yanomami. Mas fora isso, não sendo uma missão institucional, a determinação é que não haja não índios lá, e é isso que nós vamos buscar. […] A gente vai buscar com essas ações, de ‘pente-fino’, de novas incursões e de bases permanentes, realmente cumprir 100% da ordem do Supremo Tribunal Federal, garantindo que não haja não índios na terra Yanomami nem nas demais.”

O diretor da PF disse que os garimpeiros devem sair imediatamente da terra Yanomami. Os que permanecerem e resistirem poderão ser presos. O foco da operação é a retirada dos garimpeiros da área, mas isso não afasta a possibilidade de prisões, em especial a partir da próxima sexta-feira, quando os “corredores aéreos” deverão ser fechados. “Quem sai, uma vez identificado, pode ser responsabilizado pela usurpação [de patrimônio público]. Mas aqueles que violentamente ou não se colocarem numa situação de oposição, se oporem ao cumprimento da ordem do STF, com certeza podem e serão presos.”

O delegado reafirmou que os garimpeiros na terra Yanomami “estão praticando crime” previsto na legislação e que “essas pessoas precisam parar de praticar essa atividade”, precisam “sair da terra indígena – que não é permitida a sua presença lá”. Numa segunda, “obviamente num trabalho entre outros ministérios e o governo desses Estados que têm terra indígenas”, poderia se “buscar alternativas de sustentabilidade para essa população que estava se dedicando a uma atividade ilegal”.


Objetivo da Polícia Federal é retirar todos os garimpeiros da terra Yanomami
 - Foto: reprodução

FAB diz que suas ações já provocaram “redução significativa” de aviões 

As ações de retirada dos garimpeiros, contudo, precisam ser acompanhadas do controle do tráfego aéreo, reiterou o diretor da PF. A Pública perguntou sobre a procedência de imagens que circulam em grupos de garimpeiros que mostram supostamente um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) interceptando um avião de garimpo na terra Yanomami – a FAB, procurada, não confirmou nem negou essa ação. Em tese, a FAB determina ao piloto garimpeiro que pouse na pista mais próxima e informa à PF, que passa a investigar. O delegado disse que não têm recebido dados sobre ações do gênero, mas são as medidas necessárias e esperadas pela PF.

“Não temos recebido estatísticas sobre essas ações, mas é exatamente o controle do espaço aéreo que precisa acontecer por parte da Força Aérea Brasileira. Uma vez feito esse controle, identificada uma aeronave que não tem essa autorização, há essa determinação, toda uma manobra própria da Aeronáutica para que a aeronave pare de voar, já que não está autorizada, pouse, e isso é comunicado para que seja instaurado inquérito”, disse o delegado. O eventual abate de uma aeronave, embora previsto em lei, disse o diretor, é sempre “o último instrumento, é a última ferramenta que se usa para que não tenha esse voo irregular”. Uma vez interceptado, o avião poderá ser apreendido e levado a leilão.

Para o diretor da PF, a sequência da investigação sobre esses aviões “são fases que a gente vai precisar ir discutindo com a Aeronáutica para que a gente possa ir otimizando a nossa ação”. “O que é fundamental é que realmente haja um controle efetivo do espaço aéreo para que, daqui a alguns meses, a gente não tenha um movimento de reintrusão desse logística ilegal do garimpo na terra Yanomami.”

O delegado entende que a operação de desintrusão até o momento “está indo bem, tanto que temos esses resultados expressivos” de apreensões e inutilizações de equipamentos de garimpeiros e da “grande quantidade de saída efetiva” dos invasores. Contudo, “não é algo que se resolva da noite para o dia. A gente sabia disso. Tanto que a gente planejou a operação ‘faseada’ [dividida por fases] em diversos momentos e a gente ainda está na fase primeira, vamos dizer assim, dessa grande operação”. Segundo o delegado, a operação “teve data para começar, mas não tem data para terminar”.

A Agência Pública pediu à FAB que comentasse seu papel no controle do tráfego aéreo sobre a terra Yanomami, mas não houve resposta até o fechamento deste texto. Na semana passada, ao comentar as imagens da suposta interceptação de um avião garimpeiro, a FAB afirmou por e-mail: “As ações de controle do espaço aéreo adotadas pela FAB na região resultaram em significativa redução na atividade aérea nas áreas indígenas. Além disso, dados de inteligência produzidos pela FAB são constantemente compartilhados com as demais agências envolvidas, inclusive os referentes aos tráfegos ilícitos, propiciando operações de combate às atividades ilegais. Para isso, a FAB emprega aviões E-99 e R-99 pertencentes à Aviação de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (IVR), além de aeronaves A-29 da Aviação de Caça. […] A FAB também já realizou um total 201 evacuações aeromédicas, transportando pacientes que necessitam de atendimento em Boa Vista, bem como apoiando o transporte de indígenas no retorno às suas aldeias. Saiba mais sobre o trabalho da FAB nos atendimentos de saúde: HCAMP registra melhora significativa na saúde de indígenas atendidos”.

Fonte: agenciapublica