sábado, 13 de dezembro de 2025

Vídeos vsl e o dogma 95

Imagem: reprodução

De uns anos pra cá, todo mundo que navega pela internet já caiu num buraco de VSL sem perceber: você clica num link e, quando percebe, está num vórtice temporal ouvindo um cara jovem, barba feita na linha, porcelana nos dentes e dirigindo uma Ferrari (porque não aproveitar o tempo no trânsito para gravar vídeos, não é?) contando uma história de fracasso, virada, método secreto e botão “comprar agora” piscando no fim. A carta de vendas em vídeo virou o novo infomercial da era dos infoprodutos — ao mesmo tempo sintoma social, ferramenta poderosa de negócios e um estranho movimento criativo de minimalismo dramático

Os VSLs — Video Sales Letters — são basicamente apresentações de vendas narradas em vídeo: um roteiro longo contando uma história de virada persuasiva, que combina texto, voz e poucos elementos visuais para guiar o usuário de um problema até uma oferta clara. Contraintuitivamente, Em vez de um anúncio de 30 segundos, ganhamos monólogos de 10, 20, às vezes 40 minutos, pensados para educar, envolver e vender em uma tacada só. Na era da bolha dos infoprodutos, onde todo mundo tem algo a ensinar, plataformas como Hotmart, players de vídeo e ferramentas de funil de vendas já tratam a VSL como peça central de lançamentos digitais e vendas.

Esse crescimento não acontece no vazio. Vivemos uma época em que o vídeo domina a atenção: estimativas recentes apontam que algo em torno de 80% do tráfego global de internet já é vídeo, impulsionado por redes sociais, streaming e publicidade digital. Agora, ao mesmo tempo em que a discussão sobre “falta de atenção” repete o mantra dos oito segundos de foco, milhões de pessoas assistem, voluntariamente, a VSLs longuíssimas. Para mim isso foi sempre uma contradição. Mas acredito que podemos pensar que esse antagonismo diz muito sobre o estado emocional da audiência: cansada, ansiosa, pressionada a “dar certo” em um macroambiente deteriorado e disposta a investir tempo em qualquer promessa que organize o caos em forma de método, fórmula ou atalho.

Do ponto de vista criativo, a VSL é quase um Dogma 95 do marketing digital. Lá atrás, o manifesto de Lars von Trier e Thomas Vinterberg propunha um cinema despido de efeitos, iluminação artificial e grandes produções, apostando na força do texto, do ator e da situação. Confesso que quando me deparei com esse movimento do Lars von Trier não gostei. Para mim o cinema precisava da forma. Mas hoje, entendo perfeitamente a proposta e vejo que a VSL faz algo parecido: estética mínima, fundo neutro, voz over e, no centro de tudo, o roteiro que se conecta através dos altos e baixos da vida. É teatro de um personagem só, onde o roteirista é o diretor, dramaturgo, pastor e vendedor ao mesmo tempo. E, de forma impressionante, essa precariedade visual vira linguagem de “autenticidade”. Ou seja, parece caseiro, logo parece verdadeiro.

Lógico que nem tudo é cinismo. Há um lado interessante quando essa lógica é trazida para o universo corporativo de forma responsável.

Aqui na MonkeyBusiness recebemos bastante demandas para a construção dos vídeos VSL, e até por isso comecei a estudar mais o formato. E sim, algumas características intrínsecas desse formato, tais como a clareza de promessa, progressão narrativa, uso de momento de derrota para mostrar uma virada de roteiro e o foco em uma ação principal de CTA são importantes para os vídeos institucionais, animações e apresentações corporativas.

No entanto, temos sempre que ser sinceros e não enganar o público (como muitos vídeos VSL fazem de forma até descarada): em vez de manter a atenção do espectador na tela pelo medo de perder a “última chance da vida”, usamos o arco dramático para explicar estrategicamente um produto complexo, defender uma tese ou preparar o terreno para uma decisão de conselho. Ou seja, o ritmo de VSL, quando tira o pé dos gatilhos baratos, vira storytelling corporativo estruturado e verdadeiro, e dá sim resultados.

Socialmente, a febre de VSLs expõe uma tensão: de um lado, ela democratiza a capacidade de vender em grande escala. Ou seja, qualquer pessoa com uma boa história, um smartphone e um capcut consegue montar um funil de vendas. De outro, amplifica desigualdades simbólicas, porque muitas dessas narrativas transformam problemas estruturais (desemprego, precarização, sobrecarga) em culpa individual e promessa de salvação via curso. O desafio para marcas e creators é entender que VSL não é só um “hack de conversão”: ele pode ser um gênero narrativo que forma imaginário, cria expectativas e redesenha a maneira como falamos sobre trabalho, dinheiro e sucesso de forma crua, sincera (deveria ser, pelo menos) e direta.

A pergunta que fica não é se a onda das VSLs vai passar, mas o que ela vai deixar pra gente. Como aconteceu com o rádio, o telemarketing e os infomerciais de madrugada, uma parte vai virar ruído e se perder. Outra parte vai ser incorporada como linguagem dominante em vídeos, animações e apresentações profissionais, como fazemos aqui na MonkeyBusiness. Assim, quem trabalha com comunicação e marketing precisa decidir em qual lado desse formato quer estar: o das promessas histéricas ou o das narrativas maduras que respeitam a inteligência de quem assiste, e transformam atenção em confiança, não apenas em cliques.

Fonte: ADNEWS


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