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No próximo domingo, os franceses vão às urnas para escolher os novos membros do parlamento. À primeira vista, tal situação não deveria gerar tantas discussões, especialmente por se tratar de uma democracia consolidada, berço de atos e atores importantes da história política mundial. Contudo, ao aprofundar a leitura do contexto atual, percebe-se que não há muita solidez nos fundamentos utilizados para a dissolução excepcional do parlamento – prerrogativa exclusiva do presidente da república – e na convocação de novas eleições.
Ao examinar os fatos que levaram o Presidente Macron a essa ruptura repentina, o cenário fica ainda mais confuso, pois dez entre dez franceses sabem que este é o momento de maior rejeição ao seu governo e de maior ascensão do radicalismo dos extremos (no caso francês, com maior ênfase na extrema-direita, fato comprovado pelos resultados do primeiro turno). À primeira análise, essa derrota "autoimposta" não parece uma manobra inteligente, especialmente porque fará com que Macron perca a maioria no parlamento, para adversários pouco inclinados ao diálogo.
Porém, deve-se lembrar que a França é um dos berços da dinâmica política atual, e que a verdade na política é composta por muitas camadas, na sua maioria submersas e distantes da lógica mundana. O primeiro ponto a justificar a estratégia do líder francês é o sistema de governo do país: o semipresidencialismo. O termo já foi moda no Brasil, voltando à tona sempre que há indícios de fragilidade do Poder Executivo e de sobreposição do Poder Legislativo.
O semipresidencialismo é o sistema em que há um chefe de estado eleito pelo voto direto da população – o presidente da república –, e um chefe de governo eleito pelos parlamentares que compõem aquela legislatura – o primeiro-ministro. Ou seja, no semipresidencialismo, a gestão da máquina pública é feita pelo primeiro-ministro, enquanto as políticas macro são pensadas pelo presidente. Historicamente, na França, há afinidade entre o presidente e o primeiro-ministro, e nas poucas vezes em que essa parceria não aconteceu, o presidente ficou refém do primeiro-ministro, ao ver suas ideias e escolhas não terem implementação prática.
Macron sabe disso. Mas, de forma ousada, aposta nas fragilidades do sistema. Mais do que isso: aposta nas fragilidades dos extremos. Primeiro, porque a indicação do primeiro-ministro depende da capacidade de composição da corrente vencedora com outros grupos e espectros políticos, para que dessa soma seja alcançado o número mínimo para a formação da corrente majoritária. E, conforme dito, a extrema-direita terá uma maioria de votos, mas não o suficiente para o controle isolado do parlamento.
Para tanto, serão necessárias composições com outros grupos, e aí surge o primeiro empecilho: os radicais são pouco inclinados ao diálogo, ainda mais tendo que fazê-lo com grupos que cresceram criticando. Para evitar uma possível vitória do partido de direita radical, Reunião Nacional (RN), muitos candidatos de esquerda e centro desistiram da disputa. No sistema eleitoral francês, passam para o segundo turno os candidatos que obtiverem mais de 12,5% dos votos no primeiro turno. Estima-se que entre 214 e 218 candidatos que ficaram em terceiro lugar em seus distritos desistiram da candidatura. Assim, espera-se que os candidatos de centro e esquerda unam forças para enfrentar o RN, fortalecendo o oponente que ficou em segundo lugar no primeiro turno.
Ou alguém, em sã consciência, acha que os dois grupos mais votados – extrema-direita e extrema-esquerda – vão abrir mão de suas convicções e dos ferozes ataques mútuos para formar uma coalizão? Ou até mesmo uma junção destes com outros partidos moderados? Macron sabe que essa não será uma costura de fácil concretização, e aposta na inabilidade dos seus adversários, o que mostrará aos eleitores a inviabilidade das vias radicais e dos seus caminhos.
Uma segunda aposta, no caso de ser superado esse primeiro obstáculo, está na crença na incapacidade de gestão de um eventual primeiro-ministro radical. A ascensão ao poder dos vieses extremos é um fenômeno recente no mundo, motivado principalmente pela força dos seus líderes nas mídias sociais e pelo desgaste das políticas tradicionais, classificado como neopopulismo. E apesar dessa força midiática, não há nenhum caso no mundo onde líderes radicais tiveram êxito na condução das suas propostas, considerando, obviamente, países que tenham democracias sólidas e instituições sérias.
A título de comparação, há o Brexit do Reino Unido, aprovado após intensa campanha de políticos radicais, e que neste momento impõe recessão econômica ao país, sendo objeto de arrependimento de parcela da população, que hoje alega ter sido seduzida por um discurso bonito, porém inaplicável em termos práticos.
Enfim, nós espectadores neste momento temos a mesma capacidade de ingerência de Emmanuel Macron: nenhuma! E, independentemente do resultado, uma destas célebres frases de Napoleão Bonaparte representará o momento: “Quem teme ser vencido tem a certeza da derrota”, “Nunca interrompa o seu inimigo quando ele estiver cometendo um erro” e “A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo”. Resta saber qual!
Por Acacio Miranda da Silva Filho - advogado, Pós – Doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-Doutor em Direito Público pela Fundacion Las Palmas/Espanha. Pós- Doutorando em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas/SP. Doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF. Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada/Espanha.
Fonte: M2 Comunicação / Marcio Santos