sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Saiba quais serão as prioridades e os obstáculos do novo governo no Congresso

Imagem: Reprodução

Recém-empossado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu aprovar uma reforma tributária como a prioridade de seu governo no Congresso Nacional para os primeiros meses de 2023. Na avaliação de analistas políticos e senadores, tanto da base governista quanto da oposição, a opção legislativa do novo governo é acertada.

Perseguida há anos por diferentes presidentes, a reforma busca tornar mais simples e justo o cipoal de impostos, taxas e contribuições cobrados do sistema produtivo e dos cidadãos, de modo a estimular o consumo, atrair investidores, dinamizar a economia, gerar empregos, aumentar a arrecadação estatal e garantir mais verbas para políticas públicas.

A reforma tributária finalmente vai sair do papel — afirma o senador Humberto Costa (PT-PE), que fez parte do governo de transição, no fim de 2022, e foi ministro da Saúde de Lula entre 2003 e 2005. — Existem propostas de reforma que tramitam há tempos no Senado e na Câmara e estão prontas para ser votadas. Basta que sejam ajustadas ao programa de governo de Lula.

— Como a reforma tributária é de interesse do país, não tenho dúvida de que o Parlamento fará a sua parte — diz o senador Carlos Viana (PL-MG), correligionário do ex-presidente Jair Bolsonaro. — É urgente que se reduzam o encargo das empresas e o custo-Brasil e que se torne o pagamento de tributos mais equilibrado.

A urgência de uma modernização tributária decorre dos resultados negativos do país nos últimos tempos em indicadores como contas públicas, juros, desemprego, emprego informal, insegurança alimentar, pobreza e crescimento econômico.

Existem sobre a mesa diferentes propostas de reforma tributária. A mais recente delas, apresentada em dezembro, é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 46/2022, do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). As mais adiantadas são a PEC 110/2019, que tramita no Senado, e a PEC 45/2020, que é analisada na Câmara. Um dos formuladores desta última proposta é o economista Bernard Appy, que ocupa no Ministério da Fazenda o cargo de secretário extraordinário da reforma tributária.

O cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a reforma desenhada por Appy é a que tem mais chances de vingar:

— Na eleição presidencial de 2018, essa proposta teve o apoio dos principais candidatos, incluindo Fernando Haddad, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva. A exceção foi Jair Bolsonaro. Por mais espinhosa que uma reforma tributária seja, por afetar múltiplos interesses e deixar ganhadores e perdedores, a proposta de Appy congrega apoio maior do que propostas anteriores. 

Couto enxerga outro fator que abrirá caminho para o avanço da reforma tributária no Congresso. O governo Lula, de acordo com ele, colocará para funcionar novamente as engrenagens do chamado presidencialismo de coalizão.

Dada a multiplicidade de partidos políticos, o governante normalmente não dispõe de maioria automática no Legislativo. Pelas regras do presidencialismo de coalizão, ele precisa abrir-se à negociação política com os parlamentares de modo a atraí-los para a base governista. No caso dos partidos de oposição, o presidente tem que angariar o apoio deles pelo menos pontualmente, na votação de projetos importantes.

— Bolsonaro fez uma coisa bastante curiosa como presidente — continua Couto. — Embora tivesse uma base parlamentar que o protegia, ele abdicou da condição de condutor de uma coalizão legislativa, de líder que faz a agenda do governo avançar. Ele mandava projetos importantes para o Congresso e dizia: “Já fiz a minha parte e não tenho mais nada a ver com isso. Agora o problema é do Senado e da Câmara”. Isso deve mudar. Lula tende a se empenhar e retomar o protagonismo do Poder Executivo porque foi assim que ele se comportou em seus dois mandatos anteriores. Ele teve contato próximo com os parlamentares, participou de negociações e dialogou, tudo o que Bolsonaro não fez.

O cientista político João Feres Júnior, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), concorda com essa avaliação:

— Bolsonaro fez um governo atípico no Brasil porque, em termos de políticas públicas e legislação, empenhou-se muito pouco em ser protagonista. Nem mesmo a pauta ultraconservadora que ele tanto defendeu teve avanços ou provocou grandes debates parlamentares. Em vez de adotar uma agenda de políticas públicas, preferiu seguir uma agenda de desmonte do Estado. Além disso, governou mais por decretos assinados por si próprio do que por leis aprovadas pelo Parlamento. Como o governo Lula é mais propositivo, certamente voltaremos ao paradigma anterior do presidencialismo de coalizão, o mecanismo político que garante a governabilidade.

Senadores e analistas políticos também apontam como acertada a segunda prioridade legislativa do governo Lula para os próximos meses: a aprovação de um novo arcabouço fiscal, incluindo alguma âncora que substitua o teto de gastos no controle das contas públicas. Aprovado na virada de 2016 para 2017, o teto se mostrou insustentável especialmente após os gastos expressivos do Estado decorrentes da pandemia de covid-19, iniciada em 2020.

Feres Júnior explica que o teto de gastos criou “um problema seríssimo para a solvência da administração pública”:

— Se não se resolver a questão dos gastos públicos, não será possível governar o Brasil. Até mesmo Bolsonaro, que tinha um projeto de encolher o Estado, enfrentou problemas sérios para tentar se manter dentro do teto. Há quem entenda que ele de fato rompeu o teto, principalmente no ano eleitoral. Imaginemos, então, as dificuldades que seriam enfrentadas por um governo que tem na agenda a reconstrução da capacidade estatal, como é a gestão Lula. Tendo pouca capacidade financeira, o Estado não tem como mitigar as desigualdades e garantir a dignidade da população. Fica de mãos atadas em situações trágicas e urgentes como a atual dos índios ianomâmis. 

No plano social, o novo governo precisa aprovar no Congresso a Medida Provisória (MP) 1.155/2023, que trata dos valores pagos à população mais pobre por meio do Auxílio Brasil e do Programa Auxílio Gás. Em breve, Lula deve anunciar uma reformulação das regras do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família.

Os 27 senadores (um terço do Senado) e os 513 deputados federais eleitos em 2022 tomam posse nesta quarta-feira (1º). No mesmo dia, Lula apresenta ao Congresso a Mensagem Presidencial, que elenca as prioridades do governo para o ano. A reforma tributária, o novo arcabouço fiscal e o Bolsa Família devem aparecer com destaque no documento.

O presidente, contudo, encontrará um Congresso com forte presença oposicionista. Diversos políticos ligados a Bolsonaro se elegeram senadores e deputados federais. Ao Senado, por exemplo, chegam os ex-ministros bolsonaristas Sergio Moro (União-PR), Tereza Cristina (PP-MS), Rogério Marinho (PL-RN), Marcos Pontes (PL-SP) e Damares Alves (Republicanos-DF), além do ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

A eleição do ano passado transformou o PL, partido do ex-presidente, na sigla mais numerosa do Senado, com 14 representantes (17% do total). O PT, do presidente Lula, tornou-se a quinta maior bancada da Casa, com nove senadores (11% do total).

Diante dessa composição, o senador oposicionista Carlos Viana prevê inúmeros embates no Parlamento entre base governista e oposição:

O radicalismo que tomou conta da última eleição, com essa divisão entre direita e esquerda, vai aparecer bastante nesta nova legislatura porque ainda não apareceu uma liderança de centro capaz de aglutinar o meio político e trazer um novo pensamento para os dois lados.

Viana afirma que os confrontos certamente aparecerão na discussão legislativa da nova âncora fiscal:

— Houve uma luta muito grande para que conseguíssemos o teto de gastos. Foi quebrado no governo Bolsonaro por força da pandemia, mas está sendo quebrado agora no governo Lula por questões político-partidárias e de assistência social. Não que isso seja ruim, mas é preciso ter responsabilidade com o gasto público. Entendo que a reforma tributária sairá [com facilidade], mas a nova âncora fiscal exigirá muito mais discussão e negociação.

O senador também antevê conflitos na pauta de costumes:

— A liberação do aborto e das drogas, tema que a esquerda sempre usou para nos provocar, não vai avançar no Congresso. Prevejo que isso vai gerar muita manchete nos próximos quatro anos. Como integrante da bancada evangélica, eu vou estar permanentemente vigilante na defesa da vida e da família.

O senador governista Humberto Costa discorda:

— Lula é um presidente que procura unir e aglutinar, e não provocar confronto. O governo vai priorizar projetos que são do interesse da população.

Os analistas creem que a pauta de costumes não será a prioridade do governo Lula e avaliam que a oposição terá dificuldade para se impor no Congresso.

— A oposição vai ser estridente, mas não necessariamente vai ter maioria para criar grandes problemas para o governo. Ela deve ficar restrita à ala mais radical do bolsonarismo — diz o cientista político Cláudio Couto, da FGV. 

— A oposição mais radicalizada deverá mais jogar para a plateia com temas polêmicos do que fazer um debate aprofundado sobre as políticas públicas — acrescenta o cientista político João Feres Júnior, da Uerj. — Além dessa oposição radical, existe outra no Congresso, uma direita institucional, que muitas vezes não concorda com as políticas públicas do PT, mas costuma estar aberta para, em nome dos interesses nacionais, conversar e negociar pontos específicos.

Os dois cientistas políticos acreditam que o presidente Lula agiu corretamente ao não apoiar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os atos golpistas do dia 8 de janeiro, que culminaram com a invasão e depredação dos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

— Uma CPI só faz sentido quando o Executivo, o Ministério Público e o Judiciário se omitem. No caso dos atos golpistas, isso não ocorreu — afirma Feres Júnior.

— As CPIs são buracos negros que têm o poder de sugar toda a energia que existe ao seu redor. Se o governo entrasse numa CPI dos atos golpistas, certamente perderia a energia necessária para aprovar os projetos que neste momento são prioritários para o Brasil. Seria contraproducente — acrescenta Couto. 

No entender do senador Humberto Costa, uma CPI desse tipo só interessa à oposição:

O governo precisa de um ambiente de tranquilidade para implementar suas políticas. De qualquer forma, caso as investigações em curso não avancem e os golpistas e seus financiadores não sejam responsabilizados, o Congresso poderá, sim, abrir uma CPI para evitar a impunidade.

Fonte: Agência Senado